"Tentar banir nudez da arte é burrice flagrante"
Para o filósofo Joel Pinheiro da Fonseca, ataques à liberdade artística têm servido como instrumento para estimular a revolta popular
Publicado em 31 de outubro de 2017 às, 16h00.
Última atualização em 1 de novembro de 2017 às, 15h06.
Ouça a entrevista com Joel Pinheiro da Fonseca:
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Casos como o boicote à exposição “Queermuseu”, em Porto Alegre, e a interação de uma criança durante a performance de um artista nu no Museu de Arte Moderna (MAM-SP) ganharam destaque nas discussões dos brasileiros dentro e fora das redes. A polêmica foi tanta que, na última semana, a Assembleia Legislativa do Espírito Santo chegou a aprovar um projeto de lei que proíbe nudez em exposições artísticas realizadas em espaços públicos. O texto, elaborado pelo deputado estadual Euclério Sampaio (PDT), diz que o objetivo é “a promoção do bem-estar das famílias” e trata como “teor pornográfico” as “expressões artísticas ou culturais que contenham fotografias, textos, desenhos, pinturas, filmes e vídeos que exponham o ato sexual e a nudez humana.”
Para o filósofo e economista Joel Pinheiro da Fonseca, especialista do Instituto Millenium, o assunto tem servido de ferramenta política e de instrumento para estimular a revolta popular.
Na visão de Joel, a discussão evidencia dois lados distintos. Um deles é a elite cultural brasileira, que valoriza a liberdade individual. Do outro, a classe média, que tem uma visão mais tradicional e conservadora. Tratam-se, no entanto, de pontos de vista diferentes e que devem ser respeitados. Segundo o especialista, eles sempre coexistiram de maneira razoavelmente bem em nossa sociedade. O que mudou é que, agora, existem agentes que se utilizam das divergências para incitar uma revolta na população.
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“Você tem grupos organizados que tentam articular a indignação popular contra isso, muitas vezes por meio de mentiras, como dizer que houve pedofilia no MAM. Não há problema em haver uma inquietação ao achar que a obra passou dos limites, mas sim ao falar que houve um crime, quando isso não aconteceu. Trata-se de uma ferramenta política, pois as pessoas que são vistas como lideranças desses movimentos saem ganhando. Você promove o ódio popular e surfa nessa onda de popularidade”, comenta Joel, salientando ainda que o bem-estar da criança não era a preocupação em pauta: “Foi muito pior para ela ter tido a própria mãe exposta ao linchamento. Um episódio marcante e traumático, já que a vida familiar dela entrou em debate público”.
O especialista lembra ainda que existe uma distância entre a nudez e a sexualidade. No caso da intervenção do MAM, por exemplo, houve nudez, mas a mesma não era sexualizada. Além disso, nenhuma ação que configurasse pedofilia foi confirmada pelo público presente. Para Joel, esse cenário é preocupante, principalmente por instaurar e fortalecer um clima de guerra política, que está se tornando cotidiana na nossa sociedade. “O Brasil sempre foi um país que soube colocar outros valores acima da mera guerra ideológica. Cada vez mais, vemos isso ser corroído e tomando a dianteira nas nossas relações”. Ouça!