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Superautonomia para o Banco Central é uma boa ideia?

Ao pedir muito, o Banco Central pode ficar sem nada

Edifício-Sede do Banco Central em Brasília (Agência Brasil/Reprodução)
Instituto Millenium

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Publicado em 17 de junho de 2024 às 14h12.

Por Maurício F. Bento*

Criado em 1964, o Banco Central do Brasil é uma das principais instituições econômicas do país, detendo a responsabilidade sobre a política monetária. Tal responsabilidade é de importância fundamental para o Brasil, uma vez que se relaciona com questões relativas à estabilidade de preços e à atividade econômica.

A Lei Complementar 179 de 2021 concedeu autonomia formal ao Banco Central, estabelecendo mandatos aos seus diretores e delimitando os objetivos do Banco, sendo eles a estabilidade de preços, a estabilidade do sistema financeiro e suavização das flutuações econômicas, com fomento ao pleno emprego.

A qualidade das instituições é um fator relevante para o desenvolvimento econômico e muitos viram essa medida como um avanço. Por outro lado, a referida lei foi questionada no Supremo Tribunal Federal por conter vício de iniciativa, uma vez que propor a autonomia do Bacen seria medida de iniciativa exclusiva do Presidente da República. O STF validou.

Após três anos de vigência da autonomia concedida em 2021 e ainda na gestão do primeiro presidente com mandato concedido por tal medida, há nova proposta que pretende ampliar a autonomia do Bacen em debate no Congresso Nacional. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 65 de 2023 traz para o Bacen uma espécie de superautonomia turbinada e inédita no arcabouço jurídico brasileiro.

A PEC dispõe que o Banco Central se tornará instituição de natureza especial com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira, organizada sob a forma de empresa pública e dotada de poder de polícia, incluindo poderes de regulação, supervisão e resolução; adicionalmente, dispõe que não haverá vinculação do Bacen a Ministério ou a qualquer órgão da Administração Pública, seja ela de tutela ou subordinação hierárquica.

Em primeiro lugar, a atual autonomia concedida em 2021 ainda não foi avaliada tecnicamente. Até hoje não está claro para boa parte dos que acompanham a política monetária quais os critérios do Bacen para equilibrar os seus objetivos legais previstos na LC 179 de 2021. São constantes as críticas de que o Banco não estaria perseguindo o mandamento legal de suavização das flutuações econômicas e busca do pleno emprego; críticas essas que poderiam ser mitigadas com maior transparência e clareza dos critérios utilizados para o Congresso Nacional e para a sociedade em geral, incluindo a imprensa.

Alguns dos órgãos que hoje já detém autonomia orçamentária e financeira são os que mais têm recebido críticas por serem criadores de penduricalhos e outras despesas perdulárias, sendo a autonomia um instituto que demonstra problemas graves em seu nível atual. No entanto, com a proposta em discussão no Congresso, o Banco Central não pede a já problemática autonomia ora existente, mas uma ainda maior, o Banco Central pede uma superautonomia.

O Bacen seria a primeira empresa pública totalmente autônoma e sem supervisão ministerial. Seria um curioso caso de empresa pública, com prerrogativas de Estado (fiscalizar e regular) mas sem o ônus de uma instituição de Estado.

Uma empresa pública, com prerrogativas de Estado, mas apropriada por sua burocracia, num tipo inovador de patrimonialismo.

Abriria-se, com a PEC 65/2023, uma avenida para a elevação de despesas e a criação de penduricalhos pelo Banco Central, o que poderia causar grave dano reputacional ao órgão; o que por sua vez  traria riscos à própria política monetária, em parte sustentada na reputação da instituição que a conduz.

Um problema ainda maior, no entanto, é o caráter antidemocrático da medida. A base do Estado Democrático de Direito é a necessidade de prestação de contas e responsabilização (accountability) por parte de todos os órgãos e agentes públicos. Com essa PEC, o Bacen teria ampliada as suas prerrogativas de instituição pública, mas teria, por outro lado, significativamente reduzida a sua necessidade de prestação de contas, que deve ir muito além da mera prestação de contas formal ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União.

A supervisão ministerial não pressupõe uma relação de hierarquia, não sendo os servidores do ministério ou o próprio ministro, chefe do Banco Central; não sendo ela, portanto, contrária à autonomia operacional. A supervisão ministerial funciona como um freio e contrapeso, mecanismo fundamental do Estado de Direito, para que um órgão ou agente público não se torne dono do bem, recurso, ou política pública que gerencia.

Além disso, a Advocacia Geral da União considerou inconstitucional a PEC 65/2023 por vício de iniciativa, mesma razão alegada em relação à LC 179/2021, demonstrando que a questão pode voltar a ser discutida no STF. Apesar da Corte ter mantido a autonomia concedida em 2021, a revisitação do tema - com uma nova composição da Corte - pode resultar em decisão diversa da obtida anteriormente, pondo em risco a atual autonomia.

Ao pedir muito, o Banco Central pode ficar sem nada.

* Maurício F. Bento é graduado e mestre em economia. Tem experiência no setor público e privado no Brasil e no exterior. É Diretor de Formação do IFL-BSB e associado honorário do IFL-SP.

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Por Maurício F. Bento*

Criado em 1964, o Banco Central do Brasil é uma das principais instituições econômicas do país, detendo a responsabilidade sobre a política monetária. Tal responsabilidade é de importância fundamental para o Brasil, uma vez que se relaciona com questões relativas à estabilidade de preços e à atividade econômica.

A Lei Complementar 179 de 2021 concedeu autonomia formal ao Banco Central, estabelecendo mandatos aos seus diretores e delimitando os objetivos do Banco, sendo eles a estabilidade de preços, a estabilidade do sistema financeiro e suavização das flutuações econômicas, com fomento ao pleno emprego.

A qualidade das instituições é um fator relevante para o desenvolvimento econômico e muitos viram essa medida como um avanço. Por outro lado, a referida lei foi questionada no Supremo Tribunal Federal por conter vício de iniciativa, uma vez que propor a autonomia do Bacen seria medida de iniciativa exclusiva do Presidente da República. O STF validou.

Após três anos de vigência da autonomia concedida em 2021 e ainda na gestão do primeiro presidente com mandato concedido por tal medida, há nova proposta que pretende ampliar a autonomia do Bacen em debate no Congresso Nacional. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 65 de 2023 traz para o Bacen uma espécie de superautonomia turbinada e inédita no arcabouço jurídico brasileiro.

A PEC dispõe que o Banco Central se tornará instituição de natureza especial com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira, organizada sob a forma de empresa pública e dotada de poder de polícia, incluindo poderes de regulação, supervisão e resolução; adicionalmente, dispõe que não haverá vinculação do Bacen a Ministério ou a qualquer órgão da Administração Pública, seja ela de tutela ou subordinação hierárquica.

Em primeiro lugar, a atual autonomia concedida em 2021 ainda não foi avaliada tecnicamente. Até hoje não está claro para boa parte dos que acompanham a política monetária quais os critérios do Bacen para equilibrar os seus objetivos legais previstos na LC 179 de 2021. São constantes as críticas de que o Banco não estaria perseguindo o mandamento legal de suavização das flutuações econômicas e busca do pleno emprego; críticas essas que poderiam ser mitigadas com maior transparência e clareza dos critérios utilizados para o Congresso Nacional e para a sociedade em geral, incluindo a imprensa.

Alguns dos órgãos que hoje já detém autonomia orçamentária e financeira são os que mais têm recebido críticas por serem criadores de penduricalhos e outras despesas perdulárias, sendo a autonomia um instituto que demonstra problemas graves em seu nível atual. No entanto, com a proposta em discussão no Congresso, o Banco Central não pede a já problemática autonomia ora existente, mas uma ainda maior, o Banco Central pede uma superautonomia.

O Bacen seria a primeira empresa pública totalmente autônoma e sem supervisão ministerial. Seria um curioso caso de empresa pública, com prerrogativas de Estado (fiscalizar e regular) mas sem o ônus de uma instituição de Estado.

Uma empresa pública, com prerrogativas de Estado, mas apropriada por sua burocracia, num tipo inovador de patrimonialismo.

Abriria-se, com a PEC 65/2023, uma avenida para a elevação de despesas e a criação de penduricalhos pelo Banco Central, o que poderia causar grave dano reputacional ao órgão; o que por sua vez  traria riscos à própria política monetária, em parte sustentada na reputação da instituição que a conduz.

Um problema ainda maior, no entanto, é o caráter antidemocrático da medida. A base do Estado Democrático de Direito é a necessidade de prestação de contas e responsabilização (accountability) por parte de todos os órgãos e agentes públicos. Com essa PEC, o Bacen teria ampliada as suas prerrogativas de instituição pública, mas teria, por outro lado, significativamente reduzida a sua necessidade de prestação de contas, que deve ir muito além da mera prestação de contas formal ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União.

A supervisão ministerial não pressupõe uma relação de hierarquia, não sendo os servidores do ministério ou o próprio ministro, chefe do Banco Central; não sendo ela, portanto, contrária à autonomia operacional. A supervisão ministerial funciona como um freio e contrapeso, mecanismo fundamental do Estado de Direito, para que um órgão ou agente público não se torne dono do bem, recurso, ou política pública que gerencia.

Além disso, a Advocacia Geral da União considerou inconstitucional a PEC 65/2023 por vício de iniciativa, mesma razão alegada em relação à LC 179/2021, demonstrando que a questão pode voltar a ser discutida no STF. Apesar da Corte ter mantido a autonomia concedida em 2021, a revisitação do tema - com uma nova composição da Corte - pode resultar em decisão diversa da obtida anteriormente, pondo em risco a atual autonomia.

Ao pedir muito, o Banco Central pode ficar sem nada.

* Maurício F. Bento é graduado e mestre em economia. Tem experiência no setor público e privado no Brasil e no exterior. É Diretor de Formação do IFL-BSB e associado honorário do IFL-SP.

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