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Será que desvirtuar os fatos é o mesmo que dizer a verdade?

Durante o mês de novembro, um possível aumento de ICMS na maioria dos Estados do sul e sudeste por causa da Reforma Tributária tomou as manchetes

(Juj Winn/Getty Images)
Maria Carolina Gontijo

Diretora de tributos da Moore Brasil

Publicado em 23 de novembro de 2023 às 12h40.

Durante o mês de novembro, fomos bombardeados com informações sobre um possível aumento generalizado de ICMS na maioria dos Estados do sul e sudeste. O motivo? Segundo os governadores, se preparar para a Reforma Tributária – curiosamente recém aprovada no Congresso. A narrativa é boa: se a arrecadação a ser utilizada como parâmetro para a “divisão do bolo” na vigência do novo IBS (imposto sobre bens e serviços) será aquela de 2024 a 2028, nada mais natural que aumentar a alíquota do condenado ICMS para garantir uma fatia deste bolo com cobertura extra de chocolate. Um prato cheio aos incautos.

Curioso perceber que o súbito apego de governadores à responsabilidade fiscal ou ao orçamento disponível a um governador que será eleito daqui a 10 anos não tenham chamado a atenção de ninguém que passivamente acreditou nesta narrativa.

Um pouco de contexto: o ICMS talvez seja um dos impostos mais perversos em nosso sistema. Com uma sistemática de cálculo por dentro, onde o imposto é base de cálculo do próprio imposto, exigindo habilidades matemáticas que talvez faltem a 90% da população brasileira, 20% facilmente se transformam em 25%. Dentro do preço do produto, não há transparência. O que acontece? Sem perceber, o consumidor sempre volta sua ira pelos altos preços ao dono do supermercado, do petshop, do posto de combustível – nunca ao chefe do executivo do Estado. É um ganha-ganha às custas do contribuinte. Além de representar mais arrecadação, ninguém lembra do ICMS na eleição.

Aliás, os próprios governadores parecem também sofrer de perda de memória recente. Até meados de 2022 a arrecadação de ICMS dos Estados bateu recorde atrás de recorde. Só em 2021, subiu 37% apenas em relação aos combustíveis. Por quê? Porque até junho de 2022 vigorou no Brasil um regime sob medida para ajudar a arrecadação: os Estados definiam o preço dos combustíveis na bomba e sobre este preço seria calculado o ICMS (que, como expliquei no parágrafo anterior, compõe a própria base do ICMS). Sim, é confuso, eu sei. Em resumo, o ICMS agravava o aumento acachapante que os combustíveis enfrentavam na época. Era péssimo para nós, mas era ótimo para os Estados.

Com a mudança no cálculo e alíquota aplicáveis aos combustíveis, energia e telecomunicações, considerados essenciais pela Lei Complementar 194 de 2022, a queda na arrecadação foi tão brusca quanto o incremento no ano anterior. A diferença é que, no aumento de arrecadação, Governador nenhum faz barulho. Impera o silêncio. Na queda? Aí a coisa muda de figura.

A falta de transparência do ICMS serve sempre àqueles com interesses igualmente não-transparentes: aumenta a carga tributária sem qualquer custo político. A população não percebe e, por consequência, não cobra. O que significa 1p.p. ou 2p.p. a mais em “supérfluos”? Quem repararia na criação de mais um fundo-de-combate-a-qualquer-coisa financiado por 1p.p. a mais em determinados produtos?

Se esta falta de transparência significa aumento de arrecadação sem custo político, a ampliação dos gastos é extremamente produtiva nas urnas. Nos áureos tempos dos recordes de arrecadação, diversos Estados concederam aumento ao funcionalismo público, ampliaram investimentos e colheram os frutos em forma de votos. Nada de novo em terra brasilis.

A reforma tributária busca combater justamente essa confusão que não beneficia aquele que paga imposto. Ao estabelecer a sistemática transparente do IVA, cobrará eventuais aumentos da carga tributária diretamente daqueles que o determinam. Mas parece que iremos sofrer até o último segundo, com a utilização de táticas e subterfúgios para aumento do imposto que todos nós pagamos.

Uma simples busca na internet mostrará que, até março de 2023, doze Estados já haviam aumentado a alíquota base de ICMS, em média, pelo menos 2 pontos percentuais. Seriam eles os visionários da Reforma? Saberiam eles, de antemão, 6 meses antes de qualquer texto, que a arrecadação entre 2024 e 2028 seria importantíssima? E que eles então, imbuídos em um espírito altruísta, deveriam salvar o orçamento do governador que estivesse no poder em 2033? Não parece plausível.

Mas, se no início de 2023 não havia a desculpa da Reforma Tributária, agora ela existe. Então, por que não utilizá-la? O esquadrão dos políticos altruístas – afinal, extremamente preocupados com a situação fiscal do Estado nos próximos 10 anos – encontrou a justificativa e o momento perfeito. Ninguém vai se lembrar do ICMS nas eleições daqui a 3 anos.

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Durante o mês de novembro, fomos bombardeados com informações sobre um possível aumento generalizado de ICMS na maioria dos Estados do sul e sudeste. O motivo? Segundo os governadores, se preparar para a Reforma Tributária – curiosamente recém aprovada no Congresso. A narrativa é boa: se a arrecadação a ser utilizada como parâmetro para a “divisão do bolo” na vigência do novo IBS (imposto sobre bens e serviços) será aquela de 2024 a 2028, nada mais natural que aumentar a alíquota do condenado ICMS para garantir uma fatia deste bolo com cobertura extra de chocolate. Um prato cheio aos incautos.

Curioso perceber que o súbito apego de governadores à responsabilidade fiscal ou ao orçamento disponível a um governador que será eleito daqui a 10 anos não tenham chamado a atenção de ninguém que passivamente acreditou nesta narrativa.

Um pouco de contexto: o ICMS talvez seja um dos impostos mais perversos em nosso sistema. Com uma sistemática de cálculo por dentro, onde o imposto é base de cálculo do próprio imposto, exigindo habilidades matemáticas que talvez faltem a 90% da população brasileira, 20% facilmente se transformam em 25%. Dentro do preço do produto, não há transparência. O que acontece? Sem perceber, o consumidor sempre volta sua ira pelos altos preços ao dono do supermercado, do petshop, do posto de combustível – nunca ao chefe do executivo do Estado. É um ganha-ganha às custas do contribuinte. Além de representar mais arrecadação, ninguém lembra do ICMS na eleição.

Aliás, os próprios governadores parecem também sofrer de perda de memória recente. Até meados de 2022 a arrecadação de ICMS dos Estados bateu recorde atrás de recorde. Só em 2021, subiu 37% apenas em relação aos combustíveis. Por quê? Porque até junho de 2022 vigorou no Brasil um regime sob medida para ajudar a arrecadação: os Estados definiam o preço dos combustíveis na bomba e sobre este preço seria calculado o ICMS (que, como expliquei no parágrafo anterior, compõe a própria base do ICMS). Sim, é confuso, eu sei. Em resumo, o ICMS agravava o aumento acachapante que os combustíveis enfrentavam na época. Era péssimo para nós, mas era ótimo para os Estados.

Com a mudança no cálculo e alíquota aplicáveis aos combustíveis, energia e telecomunicações, considerados essenciais pela Lei Complementar 194 de 2022, a queda na arrecadação foi tão brusca quanto o incremento no ano anterior. A diferença é que, no aumento de arrecadação, Governador nenhum faz barulho. Impera o silêncio. Na queda? Aí a coisa muda de figura.

A falta de transparência do ICMS serve sempre àqueles com interesses igualmente não-transparentes: aumenta a carga tributária sem qualquer custo político. A população não percebe e, por consequência, não cobra. O que significa 1p.p. ou 2p.p. a mais em “supérfluos”? Quem repararia na criação de mais um fundo-de-combate-a-qualquer-coisa financiado por 1p.p. a mais em determinados produtos?

Se esta falta de transparência significa aumento de arrecadação sem custo político, a ampliação dos gastos é extremamente produtiva nas urnas. Nos áureos tempos dos recordes de arrecadação, diversos Estados concederam aumento ao funcionalismo público, ampliaram investimentos e colheram os frutos em forma de votos. Nada de novo em terra brasilis.

A reforma tributária busca combater justamente essa confusão que não beneficia aquele que paga imposto. Ao estabelecer a sistemática transparente do IVA, cobrará eventuais aumentos da carga tributária diretamente daqueles que o determinam. Mas parece que iremos sofrer até o último segundo, com a utilização de táticas e subterfúgios para aumento do imposto que todos nós pagamos.

Uma simples busca na internet mostrará que, até março de 2023, doze Estados já haviam aumentado a alíquota base de ICMS, em média, pelo menos 2 pontos percentuais. Seriam eles os visionários da Reforma? Saberiam eles, de antemão, 6 meses antes de qualquer texto, que a arrecadação entre 2024 e 2028 seria importantíssima? E que eles então, imbuídos em um espírito altruísta, deveriam salvar o orçamento do governador que estivesse no poder em 2033? Não parece plausível.

Mas, se no início de 2023 não havia a desculpa da Reforma Tributária, agora ela existe. Então, por que não utilizá-la? O esquadrão dos políticos altruístas – afinal, extremamente preocupados com a situação fiscal do Estado nos próximos 10 anos – encontrou a justificativa e o momento perfeito. Ninguém vai se lembrar do ICMS nas eleições daqui a 3 anos.

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