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“Se falta liberdade, nada é bom”

Excelente entrevista com Laura Pollán, presidente do grupo opositor cubano Damas de Branco, no jornal “Zero Hora” em 28 de março. Confira: O branco, da paz, traduz a mensagem que elas se empenham em transmitir. O tom da voz, mesmo ao responder a perguntas embaraçosas, mantém a serenidade, controlada até quando está em descompasso com o conteúdo furioso do que é dito. As Damas de Branco, grupo dissidente de Cuba, […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 28 de março de 2010 às 13h22.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 12h07.

Excelente entrevista com Laura Pollán, presidente do grupo opositor cubano Damas de Branco, no jornal “Zero Hora” em 28 de março. Confira:

O branco, da paz, traduz a mensagem que elas se empenham em transmitir. O tom da voz, mesmo ao responder a perguntas embaraçosas, mantém a serenidade, controlada até quando está em descompasso com o conteúdo furioso do que é dito. As Damas de Branco, grupo dissidente de Cuba, parecem, ironicamente, seguir a recomendação de Che Guevara – endurecer, mas sem jamais perder a ternura. A líder e fundadora do grupo, Laura Pollán, 61 anos, mulher do dissidente e jornalista independente Héctor Masedo, 67, falou desse jeito duro e terno com Zero Hora, por meia hora, na quarta-feira à noite. Em nenhum momento contemporizou com o regime cubano. Direitos humanos? Desrespeitados. Oposição? Amordaçada. Conquistas sociais? Falácias. Lula? Decepção. E o embargo americano? Pretexto dos irmãos Castro para manter o regime. As Damas de Branco, fundadas em 2003, são formadas por mães e mulheres de presos políticos. No dia 18, fez sete anos que esses homens foram trancafiados. Portanto, em 2010 foram sete dias de caminhadas de protesto – um deles marcado pela repressão do governo. Mantendo-se a atual situação, serão oito dias em 2011. Aos domingos, sempre de branco, elas vão à missa na Igreja de Santa Rita, em Havana, e voltam caminhando, empunhando retratos dos filhos e maridos. Confira os principais trechos da entrevista, feita por telefone:

Zero Hora – Está mais fácil protestar hoje em Cuba?

Laura Pollán
– Não. Todos os anos fazemos nosso protesto. No ano passado, foram seis dias. Neste ano, sete, porque faz sete anos que estão presos os nossos familiares. Neste ano, inclusive, nos deram um golpe, algumas mulheres ficaram feridas. Isso nunca havia ocorrido.

ZH – Está pior?

Laura – A partir do escândalo internacional, com a imprensa transmitindo imagens, toleraram mais. Enviamos carta a Raúl Castro pedindo pelos nossos direitos de manifestação, tolerância para reclamarmos por nossos familiares. Porque, quando ele e seu irmão Fidel estiveram presos, seus familiares saíram às ruas pedindo liberdade e anistia. E Fulgencio Batista, ditador naquela época, concedeu. Agora, pedimos o direito de pedir pela liberdade dos nossos.

ZH – Houve alguma resposta?

Laura – Não, sem respostas.

ZH – A sra. vê possibilidade de abertura do regime?

Laura – Creio que, com toda essa convulsão desde a morte de Orlando Zapata (preso político morto ao fazer greve de fome) e com o apoio que estamos recebendo, ficamos mais perto da libertação dos presos.

ZH – Como está seu marido?

Laura – Na prática, ele foi condenaram à prisão perpétua. Tinha 60 anos quando o sentenciaram, e os 20 anos de prisão que deram para ele representam, na verdade, prisão perpétua, porque a expectativa média de vida em Cuba é de 76 anos. Ele foi condenado a morrer na prisão.

ZH – Se o regime permitisse um partido de oposição, seus integrantes seriam os homens que estão presos neste momento?

Laura – A maioria deles, inclusive meu marido, está presa por ser liberal. Todos por se opor ao Partido Comunista. O governo cubano não admite opositores, imediatamente os considera mercenários e “assalariados do império”, mesmo que nunca tenham pisado no escritório de interesses dos EUA ou conversado com qualquer funcionário americano. O governo tem de manter esse inimigo, os EUA. Então, todos que se opõem ao regime são acusados de ter ligações com os EUA.

ZH – Ressalvando aspectos ideológicos, vocês se comparam às Mães da Praça de Maio (grupo de direitos humanos argentino)?

Laura – Como você disse, ideologicamente, não, porque elas são comunistas, e nós somos defensoras dos direitos humanos com ideologia de centro. Mas defendemos a família, os direitos humanos, e gritamos pela dor de termos nossos familiares presos.

ZH – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparou os presos políticos cubanos a criminosos comuns encarcerados no Brasil. Qual é sua opinião sobre isso?

Laura – Lula nos decepcionou, porque veio dos trabalhadores, conhece a repressão e o sofrimento dos familiares. Mesmo assim, vem a Cuba e respalda o governo dos Castro, que está há 51 anos no poder. Nunca foi capaz de se aproximar da oposição. Nunca nos escutou, nunca pediu pelos nossos presos políticos. Nossos presos não são iguais aos presos comuns. Nossos maridos são homens que defendem os direitos humanos, não roubaram, não assassinaram, não estupraram, não são delinquentes, são presos de cons- ciência, inclusive reconhecidos pela Anistia Internacional.

ZH – Lula ainda pode contribuir para melhorar a situação em Cuba?

Laura – É possível que os Castro o escutem, mas já não acredito que Lula ou os Castro mudem.

ZH – A senhora compara Lula a Fidel e Raúl Castro?

Laura – Claro, ainda que devo dizer que Lula foi eleito pelo povo, reeleito e agora vai se retirar do poder.

ZH – O que há de bom na Revolução Cubana?

Laura – As coisas boas de qualquer governo devem ser mantidas. Mas, na ditadura, há poucas coisas boas, para não dizer nenhuma. Quando te falta a liberdade, nada é bom.

ZH – E a saúde e a educação, as conquistas sociais?

Laura – Eles só sabem falar sobre saúde e educação. Mas, antes de 1959, antes da revolução, Cuba já era um dos primeiros países da América Latina em educação e saúde. Pode ver as estatísticas. Hoje, faltam muitas coisas. Eu passaria mais de dois dias falando sobre o que não temos mais. Cuba está abaixo do Haiti em uso de internet, por exemplo. E saúde é uma coisa relativa. Formamos muito bons médicos, mas antes também se formavam médicos magníficos.

ZH – A Cuba de Fulgencio Batista era um grande cassino dos EUA, como dizem?

Laura – Em Havana, havia cassinos, mas isso existe em todos os lugares, pelo menos existia naquela época. Hoje, em Cuba, há mais prostituição do que nunca. Muitas meninas saem a se prostituir porque suas famílias não têm como comprar um sapato, uma roupa. Naquela época, eram poucas prostitutas e estavam em lugares determinados. Agora, você vê uma menina e não sabe se é uma estudante ou uma prostituta.

ZH – Que tipo de mudança deveria haver em Cuba?

Laura – Necessitamos que venha uma democracia, que o povo eleja quem vai governá-lo. É um processo lento. Que não seja eleito o melhor, mas que tenhamos a oportunidade de, em quatro anos, escolher outro. Há 51 anos são os mesmos.

ZH – O embargo americano é bom ou ruim para os Castro?

Laura – O embargo é uma forma de os Castro se manterem no poder e de ter um inimigo. Sem o embargo, a quem o governo vai culpar por toda a sua ineficiência?

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Excelente entrevista com Laura Pollán, presidente do grupo opositor cubano Damas de Branco, no jornal “Zero Hora” em 28 de março. Confira:

O branco, da paz, traduz a mensagem que elas se empenham em transmitir. O tom da voz, mesmo ao responder a perguntas embaraçosas, mantém a serenidade, controlada até quando está em descompasso com o conteúdo furioso do que é dito. As Damas de Branco, grupo dissidente de Cuba, parecem, ironicamente, seguir a recomendação de Che Guevara – endurecer, mas sem jamais perder a ternura. A líder e fundadora do grupo, Laura Pollán, 61 anos, mulher do dissidente e jornalista independente Héctor Masedo, 67, falou desse jeito duro e terno com Zero Hora, por meia hora, na quarta-feira à noite. Em nenhum momento contemporizou com o regime cubano. Direitos humanos? Desrespeitados. Oposição? Amordaçada. Conquistas sociais? Falácias. Lula? Decepção. E o embargo americano? Pretexto dos irmãos Castro para manter o regime. As Damas de Branco, fundadas em 2003, são formadas por mães e mulheres de presos políticos. No dia 18, fez sete anos que esses homens foram trancafiados. Portanto, em 2010 foram sete dias de caminhadas de protesto – um deles marcado pela repressão do governo. Mantendo-se a atual situação, serão oito dias em 2011. Aos domingos, sempre de branco, elas vão à missa na Igreja de Santa Rita, em Havana, e voltam caminhando, empunhando retratos dos filhos e maridos. Confira os principais trechos da entrevista, feita por telefone:

Zero Hora – Está mais fácil protestar hoje em Cuba?

Laura Pollán
– Não. Todos os anos fazemos nosso protesto. No ano passado, foram seis dias. Neste ano, sete, porque faz sete anos que estão presos os nossos familiares. Neste ano, inclusive, nos deram um golpe, algumas mulheres ficaram feridas. Isso nunca havia ocorrido.

ZH – Está pior?

Laura – A partir do escândalo internacional, com a imprensa transmitindo imagens, toleraram mais. Enviamos carta a Raúl Castro pedindo pelos nossos direitos de manifestação, tolerância para reclamarmos por nossos familiares. Porque, quando ele e seu irmão Fidel estiveram presos, seus familiares saíram às ruas pedindo liberdade e anistia. E Fulgencio Batista, ditador naquela época, concedeu. Agora, pedimos o direito de pedir pela liberdade dos nossos.

ZH – Houve alguma resposta?

Laura – Não, sem respostas.

ZH – A sra. vê possibilidade de abertura do regime?

Laura – Creio que, com toda essa convulsão desde a morte de Orlando Zapata (preso político morto ao fazer greve de fome) e com o apoio que estamos recebendo, ficamos mais perto da libertação dos presos.

ZH – Como está seu marido?

Laura – Na prática, ele foi condenaram à prisão perpétua. Tinha 60 anos quando o sentenciaram, e os 20 anos de prisão que deram para ele representam, na verdade, prisão perpétua, porque a expectativa média de vida em Cuba é de 76 anos. Ele foi condenado a morrer na prisão.

ZH – Se o regime permitisse um partido de oposição, seus integrantes seriam os homens que estão presos neste momento?

Laura – A maioria deles, inclusive meu marido, está presa por ser liberal. Todos por se opor ao Partido Comunista. O governo cubano não admite opositores, imediatamente os considera mercenários e “assalariados do império”, mesmo que nunca tenham pisado no escritório de interesses dos EUA ou conversado com qualquer funcionário americano. O governo tem de manter esse inimigo, os EUA. Então, todos que se opõem ao regime são acusados de ter ligações com os EUA.

ZH – Ressalvando aspectos ideológicos, vocês se comparam às Mães da Praça de Maio (grupo de direitos humanos argentino)?

Laura – Como você disse, ideologicamente, não, porque elas são comunistas, e nós somos defensoras dos direitos humanos com ideologia de centro. Mas defendemos a família, os direitos humanos, e gritamos pela dor de termos nossos familiares presos.

ZH – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparou os presos políticos cubanos a criminosos comuns encarcerados no Brasil. Qual é sua opinião sobre isso?

Laura – Lula nos decepcionou, porque veio dos trabalhadores, conhece a repressão e o sofrimento dos familiares. Mesmo assim, vem a Cuba e respalda o governo dos Castro, que está há 51 anos no poder. Nunca foi capaz de se aproximar da oposição. Nunca nos escutou, nunca pediu pelos nossos presos políticos. Nossos presos não são iguais aos presos comuns. Nossos maridos são homens que defendem os direitos humanos, não roubaram, não assassinaram, não estupraram, não são delinquentes, são presos de cons- ciência, inclusive reconhecidos pela Anistia Internacional.

ZH – Lula ainda pode contribuir para melhorar a situação em Cuba?

Laura – É possível que os Castro o escutem, mas já não acredito que Lula ou os Castro mudem.

ZH – A senhora compara Lula a Fidel e Raúl Castro?

Laura – Claro, ainda que devo dizer que Lula foi eleito pelo povo, reeleito e agora vai se retirar do poder.

ZH – O que há de bom na Revolução Cubana?

Laura – As coisas boas de qualquer governo devem ser mantidas. Mas, na ditadura, há poucas coisas boas, para não dizer nenhuma. Quando te falta a liberdade, nada é bom.

ZH – E a saúde e a educação, as conquistas sociais?

Laura – Eles só sabem falar sobre saúde e educação. Mas, antes de 1959, antes da revolução, Cuba já era um dos primeiros países da América Latina em educação e saúde. Pode ver as estatísticas. Hoje, faltam muitas coisas. Eu passaria mais de dois dias falando sobre o que não temos mais. Cuba está abaixo do Haiti em uso de internet, por exemplo. E saúde é uma coisa relativa. Formamos muito bons médicos, mas antes também se formavam médicos magníficos.

ZH – A Cuba de Fulgencio Batista era um grande cassino dos EUA, como dizem?

Laura – Em Havana, havia cassinos, mas isso existe em todos os lugares, pelo menos existia naquela época. Hoje, em Cuba, há mais prostituição do que nunca. Muitas meninas saem a se prostituir porque suas famílias não têm como comprar um sapato, uma roupa. Naquela época, eram poucas prostitutas e estavam em lugares determinados. Agora, você vê uma menina e não sabe se é uma estudante ou uma prostituta.

ZH – Que tipo de mudança deveria haver em Cuba?

Laura – Necessitamos que venha uma democracia, que o povo eleja quem vai governá-lo. É um processo lento. Que não seja eleito o melhor, mas que tenhamos a oportunidade de, em quatro anos, escolher outro. Há 51 anos são os mesmos.

ZH – O embargo americano é bom ou ruim para os Castro?

Laura – O embargo é uma forma de os Castro se manterem no poder e de ter um inimigo. Sem o embargo, a quem o governo vai culpar por toda a sua ineficiência?

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