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Relações EUA-Brasil: independência ou confronto?

Diferente do que se espera de uma diplomacia madura e verdadeiramente pragmática, a atual postura da política externa brasileira demonstra estar sendo pautada por um evidente antiamericanismo. Não se trata de um posicionamento independente, mas sim de confronto. Isso transparece nas últimas declarações do Presidente sobre as críticas feitas por Hillary Clinton ao acordo Brasil-Turquia-Irã. O bom senso na hora de lidar com estas divergências não deve ser confundido com […] Leia mais

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Instituto Millenium

Publicado em 1 de junho de 2010 às, 17h25.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 11h48.

Diferente do que se espera de uma diplomacia madura e verdadeiramente pragmática, a atual postura da política externa brasileira demonstra estar sendo pautada por um evidente antiamericanismo. Não se trata de um posicionamento independente, mas sim de confronto. Isso transparece nas últimas declarações do Presidente sobre as críticas feitas por Hillary Clinton ao acordo Brasil-Turquia-Irã. O bom senso na hora de lidar com estas divergências não deve ser confundido com subserviência aos EUA.
O editorial do “O Globo” desta terça-feira, 1º de junho, comenta esta postura de confronto publicamente declarado nos últimos dias:

Diplomacia das linhas tortas

O governo brasileiro continua apostando numa linha de confronto com os Estados Unidos na questão do Irã. A secretária americana de Estado, Hillary Clinton, classificou de “sérias” as divergências entre os dois países sobre o programa nuclear iraniano. E afirmou que o acordo obtido por Brasil e Turquia em Teerã torna o mundo, não menos, mas sim mais perigoso. Um relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ontem divulgado, confirma a tese ao estimar que os iranianos teriam, no momento, combustível nuclear suficiente para produzir duas bombas nucleares.

As autoridades brasileiras fazem questão de manifestar publicamente suas discordâncias com Washington. Ao receber em Brasília o primeiro-ministro da Turquia, Recep Erdogan, seu parceiro na empreitada iraniana, Lula disse que as potências, como EUA e Rússia, não aceitam o acordo intermediado por ele e Erdogan junto ao presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, porque “nós fizemos o que eles estão tentando fazer há muitos anos e não conseguiram”. Erdogan foi ainda mais direto e chamou de “invejosos” os que criticam a ação dos dois países.

Ainda ontem, no Rio, Lula voltou ao assunto de forma a desdenhar da posição americana, que é a de insistir na necessidade de sanções ao Irã por considerar insuficientes os termos do acordo negociado por Brasil e Turquia: — Quando o Irã topa sentar à mesa, eles (os EUA) falam: “Não vale mais.” Não é possível fazer política internacional se não houver respeito mútuo nas nossas relações — declarou.

É lícito e, mais do que isso, desejável que o governo brasileiro procure abrir novos espaços de negociação, à medida que trabalha para aumentar o peso internacional do país. É compreensível que Brasil e EUA tenham divergências. Mas é preciso tato, bom senso e responsabilidade no encaminhamento dessas questões.

Tudo isso tem faltado ao governo brasileiro. Faltaram tato e bom senso porque se tornou claro que os dois países trilhavam um rumo desaconselhado pelos EUA, que nunca acreditaram, com razão, na sinceridade do Irã.

Faltou responsabilidade porque o acordo do dia 17, em Teerã, deu ao Irã mais espaço para continuar ganhando tempo e ampliando sua capacidade nuclear.

A reação de desagrado do Brasil e da Turquia se deve ao fato de, no dia seguinte à assinatura do acordo, os EUA terem anunciado um entendimento com os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (inclusive China e Rússia) para aplicar a quarta rodada de sanções ao Irã. A resolução está sob exame dos membros do Conselho, que atualmente inclui Brasil e Turquia.

Uma das razões de divergência entre Brasil e EUA está ainda na interpretação de uma carta enviada pelo presidente Obama dia 20 de abril a Lula. Para Washington, ela alertava para os riscos de um acordo com o Irã. Para Brasília, incentivava o acordo que o país e a Turquia acabaram fechando em Teerã.

A diplomacia brasileira só leu os trechos da carta que lhe interessavam. E isto, infelizmente, solapa a posição que o país sempre desfrutou como um interlocutor confiável nas negociações internacionais, em nome de um esquerdismo ultrapassado e fora de contexto.”