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Reforma tributária pode elevar preços e frear novos projetos imobiliários, alerta Paulo Mendonça

Paulo Mendonça, advogado especializado em direito imobiliário, fala sobre as mudanças propostas pela reforma tributária

Reforma tributária pode elevar preços e frear novos projetos imobiliários, alerta Paulo Mendonça  (Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)
Reforma tributária pode elevar preços e frear novos projetos imobiliários, alerta Paulo Mendonça (Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)

O Instituto Millenium conversou com Paulo Mendonça, advogado especializado em direito imobiliário, sobre as mudanças propostas pela reforma tributária. Mendonça explicou que o Projeto de Lei Complementar 68/24 (PLP 68/24) pode aumentar a carga tributária sobre imóveis, substituindo tributos como PIS, Cofins e ICMS por novos impostos. Segundo ele, essa mudança pode elevar os preços dos imóveis, dificultando a aquisição de novas moradias e impactando negativamente a expansão do parque habitacional. 

Mendonça destacou que, embora a reforma preveja alíquotas reduzidas para imóveis de menor valor, a progressividade pode não ser suficiente para evitar o aumento de custos no setor imobiliário. Ele alertou que a maior carga tributária pode inviabilizar novos projetos imobiliários e encarecer significativamente o preço final dos imóveis, tanto para compradores quanto para locatários, prejudicando especialmente as moradias populares. 

Convidamos nossos leitores a explorar a entrevista completa para entender melhor os desafios e as possíveis soluções para o mercado imobiliário brasileiro diante das mudanças tributárias propostas. A discussão é crucial para avaliar o equilíbrio entre a necessidade de reforma e o impacto sobre a oferta de habitação acessível no país. 

Instituto Millenium: Para começar, poderia nos explicar quais são as principais mudanças propostas pela reforma tributária em relação ao setor imobiliário e como elas pretendem afetar a tributação de imóveis novos? 

Paulo Mendonça: O Projeto de Lei Complementar 68/24 (PLP 68/24), apresentado pelo Governo Federal, e ainda sujeito à apreciação e votação pelo Congresso Nacional, aborda as regras gerais de operação dos tributos criados sobre o consumo, que vão substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS após um período de transição (2026 a 2033). Os novos tributos são o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados e municípios, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto Seletivo (IS), também federal. O PLP 68/24 estabelece regras sobre momento da incidência e base de cálculo dos tributos, creditamento, e define itens que terão alíquotas reduzidas ou isentas, como parte das atividades do setor imobiliário.  

De forma sintética, o PLP 68/24 prevê progressividade na incidência dos tributos e contribuições sociais, exclui de tributação o valor de até R$ 100 mil em operações com imóveis da base de cálculo do IBS e da CBS e permite ainda a dedução do cálculo dos tributos os custos do terreno e de bens e serviços usados em empreendimentos imobiliários. Em seus artigos 246 e 247, o PLP 68/24 prevê que as alíquotas do IBS e da CBS relativas à incorporação imobiliária e ao parcelamento de solo ficam reduzidas em 20%. Considerando que a alíquota total dos referidos tributos é prevista em 26,5%, a aplicação do redutor resultaria em uma alíquota para o setor imobiliário de 21,2%.  

Considerando o texto proposto pelo Poder Executivo Federal, estima-se que a carga tributária das operações imobiliárias certamente aumentaria substancialmente, mesmo considerando os redutores mencionados acima. Segundo estimativas do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis de São Paulo (Secovi), um apartamento vendido por R$ 200 mil teria carga tributária total de 7,9%, em comparação com 6,41% hoje. No caso de um imóvel de R$ 1 milhão, a carga tributária total subiria de 8% para 15,8%. 

IM: Considerando a necessidade urgente de mais moradias, especialmente populares, quais são os riscos de que a reforma tributária torne o setor imobiliário ainda mais onerado? Como isso pode impactar a construção de novas unidades habitacionais? 

PM: Da forma como proposto, o Projeto de Lei Complementar 68/24 certamente resultará no aumento de carga tributária e, por consequência, onerará ainda mais o setor imobiliário. O aumento de carga tributária diminuirá a oferta de novas unidades habitacionais novas – por inviabilizar parte dos novos projetos imobiliários - ou tornará mais desvantajosas as suas condições de venda – por aumentar o preço dos imóveis ao consumidor em decorrência do repasse para o adquirente final do aumento do custo dos tributos.  

Embora o novo sistema preveja progressividade na incidência dos tributos e contribuições sociais, o aumento de carga tributária também teria impacto na construção de novas unidades habitacionais populares, pois a grande maioria das unidades comercializadas, especialmente nas grandes cidades, tem valor de venda bastante superior ao limite de R$ 100 mil estabelecido para exclusão de tributação. Importante lembrar que, em seu Art. 6o, a Constituição Federal assegura a habitação como um direito social, o que significa que o legislador deve conferir tratamento tributário que não onere excessivamente o setor imobiliário e, por consequência, permita a consecução do mandamento constitucional. 

IM: Com a implementação de alíquotas progressivas para imóveis de alto padrão e reduções para imóveis populares, como o senhor vê a possibilidade de equilíbrio no mercado? Essa progressividade pode desencorajar investimentos em determinados segmentos? 

PM: Da forma como proposto, o Projeto de Lei Complementar 68/24 resultará no aumento de carga tributária mais acentuada em relação aos imóveis de alto padrão. Conforme estimativa do Secovi mencionada acima, um apartamento vendido por R$ 200 mil teria carga tributária total de 7,9%, em comparação com 6,41% hoje. No caso de um imóvel de R$ 1 milhão, a carga tributária total subiria de 8% para 15,8%. É importante lembrar que a carga tributária no Brasil já é bastante elevada. O seu aumento, como dito anteriormente, diminuirá a oferta de imóveis novos, pois poderá inviabilizar alguns projetos imobiliários, ou poderá resultar em aumento de preços ao consumidor final. 

IM: Como o regime próprio de tributação do setor imobiliário, incluindo os redutores sociais e de ajuste, pode influenciar os custos finais para os compradores? Esses mecanismos são suficientes para mitigar possíveis aumentos de carga tributária? 

PM: O regime próprio de tributação do setor imobiliário, incluindo os redutores sociais e de ajuste, somente terão impacto positivo em relação à produção de novos imóveis de valor bastante reduzido, que estão fora da realidade de preços de grande parte das grandes cidades brasileiras. Esses mecanismos não são suficientes para mitigar o aumento de carga tributária, já que para a grande maioria dos imóveis novos produzidos no país a reforma tributária nos termos ora propostos resultará em aumento da sua tributação. 

IM: Quais medidas adicionais poderiam ser implementadas para garantir que o debate sobre a reforma tributária não seja visto como uma ameaça ao setor de construção civil e, ao mesmo tempo, promova a construção de moradias de maneira mais eficiente e abundante no Brasil? 

PM: A principal medida a ser implementada para garantir que o debate sobre a reforma tributária não seja visto como uma ameaça ao setor de construção civil seria a elevação do percentual do fator de redução do IBS e da CBS, que é na proposta atual de 20%. Em debate do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, foi proposto por membros da indústria que o fator de redução seja alterado de 20% para 80% a fim de se evitar o aumento da carga tributária do setor. Além disso, seria importante que a base de aplicação dos novos tributos seja o valor atribuído aos imóveis em cada operação imobiliária e não o valor de referência proposto pelas autoridades públicas. Segundo a proposta, o valor de referência será estabelecido por meio de metodologia específica para estimar o valor de mercado dos bens imóveis, valendo-se de preços praticados no mercado imobiliário, de informações enviadas pelo fisco e de informações prestadas pelos serviços registrais e notariais.  

A tributação das operações imobiliárias com base em valor de referência pode resultar em aumento adicional da carga tributária, pois tal base muitas vezes é estabelecida de forma artificial de maneira a aumentar o valor total dos tributos. Por fim, outros ajustes na proposta de tributação imobiliária destinados a incentivar o setor de forma geral seriam a (i) a exclusão das taxas de administração da base de cálculo do IBS e da CBS no caso da locação de imóveis; (ii) assegurar que o IBS e o CBS não incidirão sobre a permuta de bens imóveis e (iii) garantir que a tributação seja feita pelo regime de caixa nas operações de locação e nas demais operações do setor.