Reforma ataca desigualdades e melhora o ambiente econômico
José Márcio Camargo e Zeina Latif explicam impacto de mudanças da Previdência
Publicado em 22 de fevereiro de 2019 às, 13h06.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2019 às, 08h47.
O projeto de reforma da Previdência do Governo Federal foi apresentado ao Congresso Nacional nesta semana, mais um passo na tentativa de equilibrar as contas públicas e conter o crescimento do déficit do atual sistema, que se aproxima dos R$ 300 bilhões. Caso as mudanças sejam aprovadas, a equipe econômica calcula uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos. Além dos efeitos numéricos da proposta, o texto traz impactos relevantes na diminuição de desigualdades criadas pelo regime vigente, considerado extremamente generoso para um seleto grupo de privilegiados.
Ouvidos pelo Instituto Millenium, os economistas José Márcio Camargo e Zeina Latifdestacam os pontos cruciais do projeto. O texto agradou os especialistas, que consideram as mudanças amplas e abrangentes, garantindo que todos os segmentos da sociedade sejam afetados.
Combate aos privilégios
Muito divulgado nas redes sociais, o discurso de que a reforma amplia a pobreza é desmitificado pelos economistas, unânimes ao destacar os aspectos positivos para eliminar as desigualdades no sistema. Zeina Latif reforça que há uma busca pela convergência das regras entre os setores privado e público. Pelo atual regime, categorias do funcionalismo têm acesso ao benefício mais cedo e com valores superiores aos do INSS: “Há um avanço no sentido de dar tratamento igual às pessoas. Outro ponto importante é a própria introdução da idade mínima. Hoje, quem se aposenta por idade mínima são exatamente os mais pobres. O sujeito que acumula tempo de contribuição na carteira não está nas camadas de fato pobres da sociedade”, explica. Ouça a entrevista completa com Zeina Latif no player abaixo.
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A escala no aumento das contribuições, em ambos os setores, também é citada pelos especialistas. “A ideia de atacar os privilégios tem dois lados: diminuir os gastos com alguns grupos importantes e aumentar a contribuição daqueles com renda mais alta para financiar o sistema de Previdência Social brasileiro e diminuir a contribuição das pessoas com renda mais baixa”, acrescenta José Márcio Camargo. Segundo o economista, no ano passado, a soma do déficit de 1 milhão de aposentados públicos federais foi de quase R$ 80 bilhões de reais. Isso significa que, ao longo de 2018, a sociedade brasileira como um todo transferiu a esses beneficiários R$ 80 mil em média. “Ou seja, uma parte do imposto que o pobre do interior do Piauí pagou é entregue ao aposentado funcionário público, que pode estar recebendo R$ 30 mil por mês”. Ouça a entrevista completa com José Marcio Camargo no player abaixo.
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Capitalização
A proposta de transformar o atual regime de repartição (trabalhadores da ativa financiam as aposentadoras dos que já estão aposentados) em um sistema de capitalização (cada brasileiro faz a sua própria poupança) será deixada para uma segunda etapa. A ideia é discutir o tema posteriormente, através de lei complementar. Zeina considera a estratégia importante para sua aprovação. “Acredito que a decisão é acertada, ou seja, colocar agora os alicerces e deixar os detalhes para adiante, quando o debate estiver mais maduro. Incluir muita coisa na matéria agora pode dificultar muito a negociação”.
Impacto nos Estados
José Márcio destaca que o projeto busca tornar o sistema mais estável. De acordo com o economista, a ideia é fazer uma poupança de cerca de R$ 100 bilhões ao ano, representando, em média, um terço do déficit da Previdência social. Além dos efeitos nos cofres da União, o alívio também será sentido pelos estados brasileiros, alguns mergulhados em extensas crises fiscais. “Todas as regras serão imediatamente estendidas para os estados e municípios. Será um impacto importante para reduzir o déficit fiscal do estado e abrir espaço para que eles façam políticas públicas adequadas de saúde, educação e segurança”.
Benefício para os idosos
As mudanças no sistema assistencial de idosos de baixa renda também têm sido alvo de críticas. Atualmente, pessoas com 65 anos têm direito a um salário mínimo, ainda que não tenham contribuído para o INSS. A nova proposta permite ao brasileiro antecipar o benefício em cinco anos, com um valor de R$ 400, podendo receber o salário mínimo ao completar 70 anos de idade. “Para muitos pobres do Brasil, R$ 400 representa dobrar a renda familiar por um mês. Não tenho dúvida de que ele vai estar muito melhor caso tivesse que esperar mais cinco anos para conseguir um salário”, opina José Márcio.
“Faz parte da lógica. Se você garante o salário mínimo de qualquer forma, esse sujeito nunca vai querer contribuir para a Previdência, o que pode gerar posturas oportunistas”, acrescenta Zeina.
Aposentadoria dos militares
As novas regras para os militares não foram incluídas no projeto e o compromisso do governo é enviá-las ao Congresso em 30 dias. José Márcio Camargo relata que o ofício da categoria exige regras diferentes de aposentadoria, o que não pode abrir margem para vantagens e privilégios. “Uma pessoa com 65 anos de idade dificilmente vai conseguir participar da intervenção no Rio de Janeiro, por exemplo. No entanto, é importante reformar o sistema, pois ele é excessivamente benevolente”. Segundo o economista, as mudanças devem girar em torno do aumento no tempo de contribuição e do tempo na ativa.
O papel do Congresso e da sociedade
A atuação de grupos organizados contra a aprovação do projeto, sobretudo ligados à elite do funcionalismo, pode ser uma preocupação, segundo Latif. A questão, no entanto, não exclui a responsabilidade individual de todos os brasileiros durante este processo. “Quando uma pessoa se manifesta nas redes sociais criticando a reforma gera um movimento de onda que acaba colocando pressão no Congresso. Cada um de nós tem sua dose de responsabilidade. A postura dos deputados vai depender da reação da sociedade, há também um grande trabalho que precisa ser feito de convencimento, diálogo e articulação do governo. Não sabemos como vai ser pois será a primeira matéria de peso debatida, então há uma certa dose de incerteza. Estou convencida de que teremos a reforma da Previdência, mas a questão é se ela será suficiente”.
José Márcio também acredita na aprovação e reforça que o combate a boatos é fundamental para trazer informação de qualidade à opinião pública. “A primeira coisa importante é mostrar o que é notícia falsa e em como o projeto afeta a vida das pessoas efetivamente. Ele será bastante positivo, exceto para aqueles grupos que são privilegiados e que recebem aposentadorias extremamente elevadas. Estou otimista e acho que ela será aprovada rapidamente, com um conteúdo bastante parecido com o enviado pelo governo ao Congresso”.
Por que reformar?
Ainda que não acompanhe o dia a dia das contas públicas, o brasileiro pode sentir os efeitos do desequilíbrio fiscal nos serviços públicos oferecidos no país. À beira do colapso fiscal, Zeina reforça que o Brasil não tem como evitar este momento. No entanto, além da reforma da Previdência, é preciso pensar em outras medidas que alinhariam o crescimento do país ao restante do mundo:
“O Brasil está quebrado. Observamos isso porque não tem dinheiro para mais nada. Há dificuldade em pagar a folha do funcionalismo, falta remédio no SUS e a manutenção da infraestrutura não está sendo feita. Estamos atrasados na reforma da Previdência. Além disso, o país está envelhecendo rapidamente. Não só diminuiu o número de filhos que as mulheres têm, como também estamos vivemos mais. Algumas regras são excessivamente generosas, o que agrava o quadro. Com uma despesa que só faz crescer, e portanto a dívida pública cresce também, é uma questão de tempo para a inflação voltar e, obviamente, mais taxas de juros e menos crescimento”.