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Recursos públicos e a Copa do Mundo

Diante da má qualidade de tantos serviços oferecidos à população, onde a eficiência deixa muito a desejar, é razoável que uma grande parcela dos recursos públicos seja destinada a obras para a Copa do Mundo e Olimpíadas? Esta é a pergunta feita pelo artigo de Ruy Martins Altenfelder Silva, Presidente do Conselho de Administração do Ciee/SP e da Academia Paulista de Letras Jurídicas, na seção de opinião do Correio Braziliense […] Leia mais

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Da Redação

Publicado em 9 de setembro de 2010 às 21h04.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 11h17.

Diante da má qualidade de tantos serviços oferecidos à população, onde a eficiência deixa muito a desejar, é razoável que uma grande parcela dos recursos públicos seja destinada a obras para a Copa do Mundo e Olimpíadas? Esta é a pergunta feita pelo artigo de Ruy Martins Altenfelder Silva, Presidente do Conselho de Administração do Ciee/SP e da Academia Paulista de Letras Jurídicas, na seção de opinião do Correio Braziliense de 09 de setembro:

“Perguntar não ofende: num país em que a saúde, a educação e outros serviços essenciais deixam a desejar, o leitor contribuinte é favorável a que os escassos recursos públicos sejam utilizados para pagar a construção de estádios que sediarão os jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014? A resposta deverá ser precedida por uma análise serena do orçamento do país. Mas não basta cotejar apenas receitas e despesas, para verificar se sobra algum para fazer a festa da Copa. Aliás, essa é uma boa oportunidade para, mais uma vez, a sociedade lançar um olhar crítico sobre a qualidade das despesas cobertas pelos cofres públicos.

Em recente trabalho, o jurista Ives Gandra Martins mostra que, apesar de a carga tributária atingir a marca estratosférica de 37% do PIB, uma fatia da ordem de R$ 183 bilhões/ano é canalizada para remunerar os menos de 1 milhão de servidores federais, que recebem vencimentos e aposentadorias muito superiores aos dos cidadãos que labutam na iniciativa privada — e, além disso, vêm sendo autorizados novos aumentos de até 56%. Gandra Martins ainda compara esse montante com o Bolsa Família: R$ 12 bilhões/ano para atender 11 milhões de brasileiros.

Esse é apenas um dos exemplos para evidenciar que o aumento da carga tributária não é acompanhado de contrapartidas para a sociedade como um todo. O investimento público para o desenvolvimento, que gera empregos e infla o setor produtivo, decresceu quatro vezes em relação ao período em que a carga tributária era de 24% do PIB, caindo de 4% para 1% do PIB. O resultado está aí, à vista de quem quer ver: infraestrutura sucateada, educação precária, saúde deficiente, aumento da violência e outras mazelas. Nós, os contribuintes, não recebemos serviços públicos a que temos direito pelo que pagamos de impostos. Basta lembrar a situação caótica dos aeroportos nacionais escancarada com a perspectiva de receber a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, mas velha conhecida dos milhões de passageiros que há anos amargam saguões superlotados, filas intermináveis para check-in e checkout, atrasos nos voos, etc. Portanto, não deveria ter sido necessário que os executivos da bola pressionassem para eliminar esse gargalo, uma das mais graves deficiências da infraestrutura do país.

Se os governos gastassem menos com o custeio da máquina e com mão de obra oficial, o país teria desenvolvimento socioeconômico bem mais elevado e justo. Mas não é isso que ocorre, em especial nesta época pré-eleitoral pois, ao que tudo indica, está mantida a tradição de abrir as torneiras dos cofres públicos para seduzir eleitores incautos — sem a menor preocupação com os reflexos de tais medidas nos orçamentos futuros, como adverte o professor Delfim Netto em artigo: “Não deixa de ser aterradora a verdadeira orgia de despesas recentemente criadas sob pressão do processo eleitoral que assola o Congresso”.

Outro ponto a considerar é o já anunciado — e publicamente criticado pela Fifa — atraso nas obras incluídas nos compromissos assumidos para que o Brasil sediasse a próxima Copa. Historicamente, tais atrasos quase sempre significam estouros orçamentários, obrigando a reajustes que chegam até a mais do que duplicar os custos inicialmente previstos, dispensas de licitação e projetos concluídos a toque de caixa, com sérios riscos para a qualidade das obras. Segundo cálculos divulgados pela imprensa, a previsão de gastos com construção e reforma dos 12 estádios indicados para a realização de 64 jogos (se mantido o atual número de seleções em competição) já saltou de R$ 1,9 bilhão para R$ 5,1 bilhões (a arena paulista não foi incluída nessa conta), entre 2007 e 2010. Portanto, nem bem as obras começaram, já se estima acréscimo de 168%.

Incluindo as obras de infraestrutura e outras (aeroportos, malha viária, hotelaria, treinamento de mão de obra, etc.), o investimento previsto oficialmente para a Copa deve bater nos R$ 33 bilhões, com pouco mais de 10% bancados pela iniciativa privada e o restante saindo dos cofres públicos, na forma de aplicação direta ou de financiamento do BNDES em condições favorecidas. Por tudo isso, comprometer recursos públicos para construção de estádios, como ocorreu nos últimos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro, representa desvio de dinheiro indispensável para as atividades públicas essenciais. Como dizem as vozes mais respeitáveis, a Confederação Brasileira de Futebol, a Fifa e seus patrocinadores — que organizam o alentado calendário de competições amistosas e oficiais que culminam com a Copa do Mundo — bem que poderiam destinar parte das centenas de milhões de dólares que arrecadam com tais eventos para financiar a maior festa do planeta bola. Nada mais justo. Recursos públicos para esse fim, nunca!”

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Diante da má qualidade de tantos serviços oferecidos à população, onde a eficiência deixa muito a desejar, é razoável que uma grande parcela dos recursos públicos seja destinada a obras para a Copa do Mundo e Olimpíadas? Esta é a pergunta feita pelo artigo de Ruy Martins Altenfelder Silva, Presidente do Conselho de Administração do Ciee/SP e da Academia Paulista de Letras Jurídicas, na seção de opinião do Correio Braziliense de 09 de setembro:

“Perguntar não ofende: num país em que a saúde, a educação e outros serviços essenciais deixam a desejar, o leitor contribuinte é favorável a que os escassos recursos públicos sejam utilizados para pagar a construção de estádios que sediarão os jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014? A resposta deverá ser precedida por uma análise serena do orçamento do país. Mas não basta cotejar apenas receitas e despesas, para verificar se sobra algum para fazer a festa da Copa. Aliás, essa é uma boa oportunidade para, mais uma vez, a sociedade lançar um olhar crítico sobre a qualidade das despesas cobertas pelos cofres públicos.

Em recente trabalho, o jurista Ives Gandra Martins mostra que, apesar de a carga tributária atingir a marca estratosférica de 37% do PIB, uma fatia da ordem de R$ 183 bilhões/ano é canalizada para remunerar os menos de 1 milhão de servidores federais, que recebem vencimentos e aposentadorias muito superiores aos dos cidadãos que labutam na iniciativa privada — e, além disso, vêm sendo autorizados novos aumentos de até 56%. Gandra Martins ainda compara esse montante com o Bolsa Família: R$ 12 bilhões/ano para atender 11 milhões de brasileiros.

Esse é apenas um dos exemplos para evidenciar que o aumento da carga tributária não é acompanhado de contrapartidas para a sociedade como um todo. O investimento público para o desenvolvimento, que gera empregos e infla o setor produtivo, decresceu quatro vezes em relação ao período em que a carga tributária era de 24% do PIB, caindo de 4% para 1% do PIB. O resultado está aí, à vista de quem quer ver: infraestrutura sucateada, educação precária, saúde deficiente, aumento da violência e outras mazelas. Nós, os contribuintes, não recebemos serviços públicos a que temos direito pelo que pagamos de impostos. Basta lembrar a situação caótica dos aeroportos nacionais escancarada com a perspectiva de receber a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, mas velha conhecida dos milhões de passageiros que há anos amargam saguões superlotados, filas intermináveis para check-in e checkout, atrasos nos voos, etc. Portanto, não deveria ter sido necessário que os executivos da bola pressionassem para eliminar esse gargalo, uma das mais graves deficiências da infraestrutura do país.

Se os governos gastassem menos com o custeio da máquina e com mão de obra oficial, o país teria desenvolvimento socioeconômico bem mais elevado e justo. Mas não é isso que ocorre, em especial nesta época pré-eleitoral pois, ao que tudo indica, está mantida a tradição de abrir as torneiras dos cofres públicos para seduzir eleitores incautos — sem a menor preocupação com os reflexos de tais medidas nos orçamentos futuros, como adverte o professor Delfim Netto em artigo: “Não deixa de ser aterradora a verdadeira orgia de despesas recentemente criadas sob pressão do processo eleitoral que assola o Congresso”.

Outro ponto a considerar é o já anunciado — e publicamente criticado pela Fifa — atraso nas obras incluídas nos compromissos assumidos para que o Brasil sediasse a próxima Copa. Historicamente, tais atrasos quase sempre significam estouros orçamentários, obrigando a reajustes que chegam até a mais do que duplicar os custos inicialmente previstos, dispensas de licitação e projetos concluídos a toque de caixa, com sérios riscos para a qualidade das obras. Segundo cálculos divulgados pela imprensa, a previsão de gastos com construção e reforma dos 12 estádios indicados para a realização de 64 jogos (se mantido o atual número de seleções em competição) já saltou de R$ 1,9 bilhão para R$ 5,1 bilhões (a arena paulista não foi incluída nessa conta), entre 2007 e 2010. Portanto, nem bem as obras começaram, já se estima acréscimo de 168%.

Incluindo as obras de infraestrutura e outras (aeroportos, malha viária, hotelaria, treinamento de mão de obra, etc.), o investimento previsto oficialmente para a Copa deve bater nos R$ 33 bilhões, com pouco mais de 10% bancados pela iniciativa privada e o restante saindo dos cofres públicos, na forma de aplicação direta ou de financiamento do BNDES em condições favorecidas. Por tudo isso, comprometer recursos públicos para construção de estádios, como ocorreu nos últimos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro, representa desvio de dinheiro indispensável para as atividades públicas essenciais. Como dizem as vozes mais respeitáveis, a Confederação Brasileira de Futebol, a Fifa e seus patrocinadores — que organizam o alentado calendário de competições amistosas e oficiais que culminam com a Copa do Mundo — bem que poderiam destinar parte das centenas de milhões de dólares que arrecadam com tais eventos para financiar a maior festa do planeta bola. Nada mais justo. Recursos públicos para esse fim, nunca!”

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