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Quando as contas não fecham

A equipe econômica do Governo traçou para si própria a ousada meta do déficit zero – ou seja, as contas têm que fechar. Mas não se sabe como

A equipe econômica do Governo traçou para si própria a ousada meta do déficit zero, mas ainda não se sabe como (Marcello Casal/Agência Brasil)
Maria Carolina Gontijo

Diretora de tributos da Moore Brasil

Publicado em 22 de setembro de 2023 às 09h33.

Se existe algo impiedoso nesta vida, é a matemática. Não há retórica, não há floreio, não há meias verdades. É de uma simplicidade que não raras vezes coloca homens e mulheres poderosíssimos em situações pouco agradáveis. Explicar o que não tem explicação. Pior: explicar o que, por si só, já está claramente explicado.

Quando os valores que entram são menores que os valores que saem, todos sabemos o resultado. Acontece em nossas casas. Todos temos um orçamento familiar. Planejamos os gastos, programamos as férias e, quando a coisa aperta, cortamos despesas. É assim que funciona, porque é assim que a matemática funciona. E quando essas contas não fecham, não há opção: é aí que mora o triste endividamento das famílias brasileiras – um problema crônico, mas que costuma ser apenas a ponta do iceberg.

Um país também precisa fechar suas contas. A isso chamamos de responsabilidade fiscal. Uma administração que, como a maioria dos brasileiros faz na própria casa, precisa gastar até o limite do que consegue arrecadar. Ou cortar gastos até o limite daquilo que arrecada. A matemática pode até ser impiedosa, mas sempre dá opções.

No último dia 31 de agosto, o Governo apresentou a proposta de lei orçamentária para 2024. A equipe econômica traçou para si própria a ousada meta do déficit zero. Ou seja, as contas tem que fechar. Mas não é isso que parece que vai acontecer. Segundo o próprio governo, seriam necessários R$ 168 bilhões em novas receitas para zerar o déficit. E quando nos debruçamos sobre estas novas receitas apontadas pela equipe econômica, tudo fica ainda mais nebuloso.

A maior parte do valor, R$ 98 bilhões, está atribuída a uma estranha denominação “recuperação de créditos no CARF”. Para quem não está familiarizado, CARF é o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Um órgão administrativo, de excelente capacidade técnica, que analisa e julga as contendas entre Receita Federal e contribuintes. Casos extremamente complexos, advindos de um sistema carinhosamente apelidado de “manicômio tributário”. Discussões extenuantes, pontos de vista, interpretações. Incontáveis livros inteiros escritos sobre um único tema de julgamento. Não seria espanto algum pensar que alguns desses casos possam terminar empatados, afinal as turmas de julgamento são compostas em paridade por representantes do Fisco e dos Contribuintes. E foi aí que algo técnico passou a ser visto como possível fonte arrecadatória.

A recém sancionada (e já apelidada) Lei do CARF (Lei 14.689/23) restaura o chamado voto de qualidade. Isto significa que as demandas que terminarem empatadas terão o voto de minerva proferido pelo representante do Fisco. Sim, precisamos destacar que várias contrapartidas foram alcançadas com a recente lei, como redução de multa e juros para contribuintes, possibilidade de parcelamento etc. Mas a grande preocupação que fica é: como considerar fonte arrecadatória um órgão técnico pensado para dirimir divergências entre fisco e contribuinte?

Para além disso: como considerar factível a recuperação, apenas para 2024, de um montante que equivale a quase 10% de todo o estoque de processos administrativos do Conselho (em dados apresentados pelo próprio governo em janeiro de 2023)?

Vale ressaltar todo o louvável esforço que a equipe econômica tem realizado em prol de uma agenda reformista e isonômica do ponto de vista tributário. A equalização de tratamento na tributação dos fundos abertos e fechados é mais do que necessária. A harmonização de regras no tratamento tributário de offshores também é um alento e um sinal de justiça tributária que aguardamos há tempos. Uma política arrecadatória sim, mas que respeita a capacidade contributiva do indivíduo. Todavia, sabemos também que esta é uma agenda espinhosa, difícil, que irá encontrar resistência nas altas castas políticas, como aconteceu nos dois últimos governos.

Mas apenas as reformas pontuais em nosso sistema tributário não serão a tábua de salvação do equilíbrio fiscal de um país inteiro. E a tão almejada reforma tributária sobre o consumo, a que realmente irá mexer nos alicerces do famoso manicômio e terá um enorme e relevante impacto quando implementada, demorará alguns anos até surtir efeitos.

Depositar única e exclusivamente no aumento de arrecadação a responsabilidade para alcançar o déficit zero é assumir publicamente a amarga missão de comunicar à sociedade o aumento na carga tributária. Sociedade esta que não é mais aquela mesma de 20 anos atrás, que aceitava compassiva a instituição de contribuições das mais diversas, sem questionar (até porque, ninguém sequer as compreendia).

Reafirmar o déficit zero sem dizer como alcançá-lo? Bom, aí entra a matemática. E ela costuma ser impiedosa.

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Se existe algo impiedoso nesta vida, é a matemática. Não há retórica, não há floreio, não há meias verdades. É de uma simplicidade que não raras vezes coloca homens e mulheres poderosíssimos em situações pouco agradáveis. Explicar o que não tem explicação. Pior: explicar o que, por si só, já está claramente explicado.

Quando os valores que entram são menores que os valores que saem, todos sabemos o resultado. Acontece em nossas casas. Todos temos um orçamento familiar. Planejamos os gastos, programamos as férias e, quando a coisa aperta, cortamos despesas. É assim que funciona, porque é assim que a matemática funciona. E quando essas contas não fecham, não há opção: é aí que mora o triste endividamento das famílias brasileiras – um problema crônico, mas que costuma ser apenas a ponta do iceberg.

Um país também precisa fechar suas contas. A isso chamamos de responsabilidade fiscal. Uma administração que, como a maioria dos brasileiros faz na própria casa, precisa gastar até o limite do que consegue arrecadar. Ou cortar gastos até o limite daquilo que arrecada. A matemática pode até ser impiedosa, mas sempre dá opções.

No último dia 31 de agosto, o Governo apresentou a proposta de lei orçamentária para 2024. A equipe econômica traçou para si própria a ousada meta do déficit zero. Ou seja, as contas tem que fechar. Mas não é isso que parece que vai acontecer. Segundo o próprio governo, seriam necessários R$ 168 bilhões em novas receitas para zerar o déficit. E quando nos debruçamos sobre estas novas receitas apontadas pela equipe econômica, tudo fica ainda mais nebuloso.

A maior parte do valor, R$ 98 bilhões, está atribuída a uma estranha denominação “recuperação de créditos no CARF”. Para quem não está familiarizado, CARF é o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Um órgão administrativo, de excelente capacidade técnica, que analisa e julga as contendas entre Receita Federal e contribuintes. Casos extremamente complexos, advindos de um sistema carinhosamente apelidado de “manicômio tributário”. Discussões extenuantes, pontos de vista, interpretações. Incontáveis livros inteiros escritos sobre um único tema de julgamento. Não seria espanto algum pensar que alguns desses casos possam terminar empatados, afinal as turmas de julgamento são compostas em paridade por representantes do Fisco e dos Contribuintes. E foi aí que algo técnico passou a ser visto como possível fonte arrecadatória.

A recém sancionada (e já apelidada) Lei do CARF (Lei 14.689/23) restaura o chamado voto de qualidade. Isto significa que as demandas que terminarem empatadas terão o voto de minerva proferido pelo representante do Fisco. Sim, precisamos destacar que várias contrapartidas foram alcançadas com a recente lei, como redução de multa e juros para contribuintes, possibilidade de parcelamento etc. Mas a grande preocupação que fica é: como considerar fonte arrecadatória um órgão técnico pensado para dirimir divergências entre fisco e contribuinte?

Para além disso: como considerar factível a recuperação, apenas para 2024, de um montante que equivale a quase 10% de todo o estoque de processos administrativos do Conselho (em dados apresentados pelo próprio governo em janeiro de 2023)?

Vale ressaltar todo o louvável esforço que a equipe econômica tem realizado em prol de uma agenda reformista e isonômica do ponto de vista tributário. A equalização de tratamento na tributação dos fundos abertos e fechados é mais do que necessária. A harmonização de regras no tratamento tributário de offshores também é um alento e um sinal de justiça tributária que aguardamos há tempos. Uma política arrecadatória sim, mas que respeita a capacidade contributiva do indivíduo. Todavia, sabemos também que esta é uma agenda espinhosa, difícil, que irá encontrar resistência nas altas castas políticas, como aconteceu nos dois últimos governos.

Mas apenas as reformas pontuais em nosso sistema tributário não serão a tábua de salvação do equilíbrio fiscal de um país inteiro. E a tão almejada reforma tributária sobre o consumo, a que realmente irá mexer nos alicerces do famoso manicômio e terá um enorme e relevante impacto quando implementada, demorará alguns anos até surtir efeitos.

Depositar única e exclusivamente no aumento de arrecadação a responsabilidade para alcançar o déficit zero é assumir publicamente a amarga missão de comunicar à sociedade o aumento na carga tributária. Sociedade esta que não é mais aquela mesma de 20 anos atrás, que aceitava compassiva a instituição de contribuições das mais diversas, sem questionar (até porque, ninguém sequer as compreendia).

Reafirmar o déficit zero sem dizer como alcançá-lo? Bom, aí entra a matemática. E ela costuma ser impiedosa.

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