“Precisamos criar um ambiente institucional robusto”
Por Wagner Vargas Como deve ser a participação do Estado no campo econômico? Qual ambiente é mais favorável? De que forma a gestão pode se tornar mais eficiente? Estas e outras questões nortearam os professores Sérgio Lazzarini, Ph.D. em Administração pela Universidade de Washington, e Aldo Musachio, professor associado de administração de empresas da Harvard Business School, na escrita do livro “Reinventando o capitalismo de Estado – O Leviatã nos negócios: Brasil […] Leia mais
Publicado em 5 de março de 2015 às, 15h01.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 08h07.
Por Wagner Vargas
Como deve ser a participação do Estado no campo econômico? Qual ambiente é mais favorável? De que forma a gestão pode se tornar mais eficiente? Estas e outras questões nortearam os professores Sérgio Lazzarini, Ph.D. em Administração pela Universidade de Washington, e Aldo Musachio, professor associado de administração de empresas da Harvard Business School, na escrita do livro “Reinventando o capitalismo de Estado – O Leviatã nos negócios: Brasil e outros países” (Companhia das Letras, 2015).
Com exclusividade para o Instituto Millenium, Lazzarini explicou como o livro analisa os modelos mais eficientes de gestão em uma realidade econômica que conta com o Estado como player, em menor ou maior grau, modelos chamados pelos autores de “Leviatã minoritário” e “Leviatã majoritário”.
Especialista do Imil, Lazzarini é diretor de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e escreve artigos para o jornal “O Estado de S. Paulo”. Leia a entrevista:
Wagner Vargas: O que é a reinvenção do capitalismo de Estado?
Sérgio Lazzarini: O mundo inteiro passou por mudanças em relação à participação do governo no controle das empresas. Ele passou do controle das grandes para as pequenas. Criaram-se novos mecanismos, como os fundos soberanos. No Brasil, temos, por exemplo, o BNDES, que participa com capital acionário em várias empresas. É um modelo que chamamos de “Leviatã minoritário”: o Estado participa das empresas, mas não é este grande ser (Leviatã). Ele não controla as empresas, mas está ali como minoritário. Esse é um grande movimento. No segundo movimento, as grandes estatais que não foram privatizadas, mas que sobreviveram, em certo sentido foram transformadas; com mais transparência, em tese. E muitas se listaram em bolsas já bem estabelecidas, como a bolsa de Nova Iorque. Muitas modernizaram sua governança e atraíram investidores privados com fundos para participar de projetos com as estatais. Este é um modelo chamado de “Leviatã majoritário”. A gente descreve no livro estes dois grandes movimentos.
Vargas: Mas estes dois movimentos trouxeram avanços ou, na verdade, provocaram mais problemas?
Lazzarini: Depende. Em alguns países, por exemplo, há grandes estatais blindadas de interferência política, que seguem objetivos, mandatos claros e são bem eficientes. Mas, infelizmente, em alguns países, os governos não resistiram à tentação de usar toda a máquina para fins políticos. Ou seja, para intervir nestas empresas e usá-las para tomar decisões que não seriam as melhores para a empresa e para a sociedade, como, infelizmente, a gente acabou vendo no caso da Petrobras.
Vargas: A obra aponta trade-offs entre os modelos de gestão em empresas públicas e privadas. Tivemos há pouco um ministro da Fazenda presidindo o conselho da Petrobras. Como criar um ambiente mais transparente para blindar este tipo de ingerência política na gestão?
Lazzarini: É necessário ter uma gestão profissional, um conselho, pessoas que estão monitorando a empresa e que não são ligados ao governo em exercício. Pessoas reconhecidas, profissionais de mercado com o papel de monitorar o que está sendo feito. O problema é que só isso não basta. O governo vai querer mudar todos os nomes, colocar pessoas do partido político. O que precisamos fazer? Precisamos criar um ambiente institucional robusto, com um sistema de freios e contrapesos. Por exemplo, agências reguladoras estáveis, agências fortes. ‘Ah, mas eu quero utilizar a estatal para intervir em determinado setor’. Não vai conseguir se a agência reguladora tiver regras para o setor.
No Brasil, também há espaço para se criar uma lei específica para estas sociedades, chamadas de capital misto, que eu chamei de “Leviatã majoritário”, empresas controladas pelo Estado, mas com investidores privados. Precisamos de uma lei mais clara, que determine o que haverá no estatuto, caraterística dos gestores e dos conselheiros, e regras até para a intervenção do Estado. Há várias mudanças institucionais que devem ser feitas e garantidas.
Vargas: Em seu livro “Capitalismo de laços” (Elsevier, 2011), o senhor analisa o aumento do papel do Estado no campo econômico, apesar das privatizações. Você acredita que, de lá para cá, de que forma isso se intensificou no Brasil?
Lazzarini: O Estado não foi removido nas privatizações. Ele permaneceu lá, minoritário, com o BNDES e os Fundos de Pensão em várias empresas. Isso acabou gerando determinados tipos de intervenção, que a gente conheceu como “campeãs nacionais”. Teve aporte de capital do BNDES para apoiar determinadas empresas, as mais conectadas [com o governo] receberam mais capital. Isso foi até o segundo mandato do Lula. Foi esse modelo basicamente que tentou se estabelecer.
Com a Dilma, existiu a volta do “Leviatã majoritário”, as grandes estatais voltaram a fazer grandes intervenções diretas na economia, o que foi um desastre. Na Petrobras, a intervenção no preço da gasolina danificou o fluxo de caixa da empresa e sua capacidade de investir. Idem no setor elétrico. Este foi mais ou menos o pêndulo que a gente teve. O Estado nunca saiu, na verdade. Com o Lula, ele foi minoritário e, com Dilma, a gente volta na linha de ser majoritário, com grandes intervenções. Agora, por necessidade, talvez menos por convicção, teremos que nos voltar novamente para o menor uso destas intervenções diretas, mas a perspectiva é que o BNDES, os Fundos de Pensão e outros atores estatais ainda permaneçam apoiando empresas.
Vargas: Algumas experiências evidenciaram que a escolha estatal de “campeãs nacionais” prescinde de transparência e não é sinônimo de eficiência. O senhor acredita que, ainda sim, a política de financiar grandes grupos a juros abaixo do mercado deve seguir?
Lazzarini: Criar campeãs nacionais, ou seja, promover fusões setoriais com capital do Estado já repercutiu muito mal na imprensa. O governo decidiu, então, “vamos parar um pouco com isso”. O que continua no BNDES é dar apoio para grandes empresas, inclusive para projetos que poderiam ser financiados pelo setor privado. Isso continuou. Vai continuar assim? Vai. Talvez em menor escala porque não dá mais para o governo fazer transferências do tesouro para o BNDES com a finalidade de capitalizá-lo para realizar estes empréstimos, pois está começando a bater no limite, temos que fazer este ajuste macro senão vamos perder grau de investimento. Perder grau de investimento vai ser um desastre para o Brasil. Levy já está com isso na cabeça, creio que Dilma também. Mas, de novo, não por convicção e sim por necessidade.
Vargas: Em “Reinventando o capitalismo de Estado”, vocês buscam fugir um pouco do senso comum, “é melhor com o Estado, é melhor sem o Estado”, mas, de fato, é possível discutirmos neste momento a privatização da Petrobras, que acabou de perder o grau de investimento?
Lazzarini: A discussão sobre a privatização da Petrobras, neste momento, não é a saída. Geraria um debate público intenso. Iria por outra linha: é preciso sanear o resultado da empresa, fazer uma auditoria etc. Você melhora a gestão com pessoas muito respeitadas e faz a mudança institucional, sem falar no reforço das agências reguladoras. É preciso pensar de uma forma particular para essas empresas de capital misto. Com restrições de doação de campanha para empresas com algum relacionamento ou contrato com as estatais.
Vargas: Há alguma relação com o lucro?
Lazzarini: Isso, limitar um pouco. E, ao mesmo tempo, melhorar a competição do setor, garantir que tenham mais empresas. Mais empresas disciplinam mais estatais. Eu digo isso pelas evidências que vemos em outros países de que mais competição melhora a eficiência das estatais. O marco regulatório melhora sem que necessariamente tenha sido privatizada.
Vargas: Mas acabar com o monopólio é importante?
Lazzarini: Sim, ter mais empresas competindo com a Petrobras. Infelizmente, existe no imaginário popular a ideia do “Petróleo é nosso”. Eles acham que estão perdendo petróleo com mais empresas atuando no mercado. Mas com mais empresas participando do processo a gente vai ter mais petróleo. A Petrobras não precisaria de mais recursos de investimento, o que é necessário para que ela faça a extração sozinha.
Vargas: Ainda no campo das ideias, qual a importância dos think tanks para fortalecer o arcabouço institucional e a formulação de políticas econômicas mais prósperas e responsáveis?
Lazzarini: Análise com base em dados. Não estão falando com base em ideologia. Não podemos partir da ideia: sou favorável a uma ideologia e vou fazer toda a minha análise com base nisso. Não. Eu tenho que fazer o seguinte, estatais funcionam ou não funcionam? A partir de quais condições? Vamos pegar dados, comparar, fazer análises detalhadas e profundas.
Vargas: Além do aumento da carga tributária, quais outros males o excesso de intervenção causa na vida do cidadão comum?
Lazzarini: As intervenções criaram muita incerteza para os investimentos privados. O empresário não vai investir neste cenário e isso prejudica a sociedade. O governo fez muitas intervenções: no preço da gasolina, que não resolveu o problema e ainda reduziu a capacidade de investimento da Petrobras, gerando um grande efeito negativo para o setor de etanol. E a inflação está aí… No setor elétrico foi feita uma negociação para reduzir o preço da tarifa, mas ela travou os investimentos privados. As estatais tiveram que assumir tudo. O consumidor está numa situação muito ruim porque não houve os investimentos necessários.