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Possibilidade de custear programa com precatórios gera instabilidade

Proposta de financiar Renda Cidadã com utilização de dívidas públicas; Carlos Cardoso e Fabio Giambiagi explicam os impactos

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Instituto Millenium

Publicado em 1 de outubro de 2020 às, 15h00.

Última atualização em 6 de outubro de 2020 às, 12h57.

A notícia sobre a criação do programa social Renda Cidadã, que seria financiado com a utilização de precatórios, gerou muito debate no governo, na sociedade civil organizada e no mercado financeiro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, descartou, nesta quinta-feira (1º), a possibilidade. Mas qual a razão desta medida ter gerado tanto pânico nos mercados? Para entender melhor os impactos desta proposta para a economia e para o país, o Instituto Millenium ouviu o especialista em finanças públicas, Fabio Giambiagi; e o engenheiro e mestre em gestão e análise de políticas públicas, Carlos Cardoso.

Primeiro, é preciso explicar o que é precatório: este é um termo técnico que se refere a uma dívida pública com contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, com possibilidade de adiamento por longo período de tempo. Carlos Cardoso explicou que precatórios são reconhecimento de dividas que o órgão público tem com o cidadão ou empresa. “Os precatórios não são títulos, mas funcionam da mesma forma, eles são um reconhecimento de uma dívida”, explicou. Giambiagi, por sua vez, destacou uma característica deste tipo de procedimento: o débito é reconhecido, mas não necessariamente pago. “São dividas que já deveriam ter sido pagas e não foram, e mesmo com o seu reconhecimento, cogita-se não pagar”, afirmou.

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E aí é que está o problema: a possibilidade de postergação por um longo período do pagamento dos precatórios é o principal fator da instabilidade econômica. Se a ação fosse tomada, o governo estaria assumindo, na prática, um jargão popular: “devo, não nego, pago quando puder”. Por conta da insegurança jurídica que a medida poderia gerar, uma vez que os credores retornariam à Justiça para buscar seus direitos, houve grande instabilidade no mercado financeiro.

“Quando mexemos na segurança jurídica, com o risco de um “calote” ou “empurrar com a barriga”, como se costuma dizer, influenciamos também o mercado, porque toda suspeita gera uma tendência de retirada de investimentos. Com isso, o custo de oportunidade também fica mais caro. Nessa situação os juros acabam subindo”, destacou Carlos Cardoso.

Da perspectiva do governo, o uso da tabela de precatórios pode ser entendido como uma forma de financiamento de projetos. Mas há muitos efeitos negativos para as pessoas físicas, já que grande parte desses precatórios tem ligação com verbas trabalhistas e de aposentadoria. Para pessoa jurídica também: há o risco de uma empresa do setor privado, eventualmente, lesionada pelo governo, ter o direito ao pagamento reconhecido e ser reembolsada pelo governo, normalmente via precatório, com um prazo ainda mais longo.

“É como se fosse um empréstimo invertido, constituído contra a vontade da pessoa que foi lesionada. O viés positivo é a possibilidade de expandir a Renda Cidadã e abraçar mais famílias. Por outro lado, a medida prejudicaria muitas outras famílias, porque elas teriam o direito de receber algo do Estado e não receberiam. Há prejuízo para a própria economia, com empresas demorando muito para receber”, comentou Cardoso.

Fábio Giambiagi também destacou que o uso de precatórios para a Renda Cidadã seria o “calote ao quadrado”, e que isso poderia gerar uma enxurrada de ações judiciais. Para ele, é necessário fazer estudos para que a Renda Cidadã se torne uma realidade assim que o Auxílio Emergencial seja concluído, mas conciliando com a saúde financeira do governo federal. O especialista em contas públicas alerta: não existe solução fácil. “O que tem que ficar claro é que, se o governo defende o Teto de Gastos – e acho bom que assim o faça – o programa tem que cumprir o teto. E não há espaço fiscal para R$ 20 bilhões ou R$ 30 bilhões a mais. Não existem soluções fáceis. Governar é fazer escolhas, negociar, articular”, afirmou.