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PL 3954/2023: Bruno Carazza discute mudanças na Lei de Licitações

Projeto de lei altera as normas de transparência em licitações municipais

Bruno Carazza (Leonor Calasans/IEA-USP/Reprodução)
Instituto Millenium

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Publicado em 6 de dezembro de 2023 às 15h40.

A recente aprovação do PL 3954/2023 pela Câmara dos Deputados, que altera as normas de transparência em licitações municipais, levantou questões significativas sobre o processo legislativo e democrático no Brasil. Aprovado de maneira acelerada e sem o usual debate em comissões, este projeto de lei representa um marco notável na legislação brasileira.

Para discutir este tema, o Instituto Millenium entrevistou Bruno Carazza, um especialista reconhecido nas áreas de Direito, Economia e Ciência Política. Carazza possui um doutorado em Direito Econômico pela UFMG e vasta experiência no setor público, além de ser autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” e colunista em jornais de destaque. Na entrevista, Carazza explora a natureza e os efeitos do PL 3954/2023, enfatizando a rapidez incomum de sua aprovação e as consequências para a administração de licitações no Brasil. Ele analisa como escândalos de corrupção anteriores influenciaram a legislação vigente e avalia criticamente a qualidade do processo legislativo no país.

Instituto Millenium: Poderia explicar o que é o PL 3954/2023 e qual seu objetivo principal? Quais alterações significativas esse projeto traz para a Lei de Licitações e Contratos Administrativos?

Bruno Carazza: Em 2021, o Congresso aprovou uma nova lei de licitações e contratos administrativos no Brasil, substituindo a lei 8666 de 1993. Esta lei, considerada ultrapassada, foi modernizada após anos de discussão. Agora, antes mesmo de sua plena vigência, o PL 3954 de 2023 propõe alterações nesta nova lei.

O destaque da nova lei é a introdução de duas formas de disputa em licitações: aberta e fechada. Na aberta, como nos pregões eletrônicos, o governo define um preço básico e os concorrentes fazem lances públicos até chegar ao menor preço. Na fechada, aplicável a situações técnicas ou concessões públicas, as empresas apresentam propostas em envelopes fechados em um dia e horário determinados, e a melhor proposta é escolhida. Esses métodos permitem que a administração pública escolha o mais adequado para cada situação.

O PL 3954, apresentado pela senadora Tereza Cristina (PP/MS), propõe uma regra específica para serviços de engenharia acima de R$ 1,5 milhão, exigindo a disputa fechada. Isso elimina a transparência e concorrência da disputa aberta, podendo levar a preços mais altos e incentivando a cartelização. Além disso, o projeto estende essa regra aos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, setores já marcados por problemas de corrupção. Portanto, esta proposta levanta preocupações significativas sobre transparência e integridade nas licitações públicas.

IM: A rápida aprovação do PL indica um consenso amplo entre os políticos. Isso sugere que a lei é equilibrada, ou reflete um acordo mais abrangente para enfraquecer os mecanismos de transparência e integridade nas compras públicas?

BC: A tramitação do PL 3954 ocorreu de maneira surpreendentemente rápida, algo raro no Congresso Nacional. O projeto, introduzido pela senadora Teresa Cristina em 16 de agosto, passou apenas pela Comissão de Constituição e Justiça, sendo aprovado no início de novembro sem ir a plenário no Senado. Foi um caso de aprovação tácita, com mínima discussão sobre o mérito.

Na Câmara, a tramitação foi ainda mais rápida, durando menos de uma semana, sem passar por nenhuma comissão, incluindo a de Constituição e Justiça. Conduzido pelo deputado Elmar Nascimento (UB/BA), o projeto foi apresentado em plenário, votado e aprovado na madrugada, majoritariamente por votação remota, com 307 votos a favor e apenas 27 contra.

Esta rápida aprovação, com escassa discussão e debate, sugere um forte interesse dos setores beneficiados, que mobilizaram os deputados. O projeto, com potencial para gerar escândalos de corrupção e superfaturamento em contratos de engenharia e serviços de limpeza urbana, reflete uma postura da classe política brasileira contrária à transparência, competição e bom uso dos recursos públicos. A ausência de um debate aprofundado com especialistas, de acompanhamento pela imprensa e de envolvimento da sociedade é preocupante.

IM: Na sua visão, tal aumento na agilidade das licitações implica em maior risco de corrupção? Existem mecanismos que possam assegurar tanto a rapidez quanto a integridade no processo?

BC: O dilema entre desburocratizar as licitações, tornando-as mais rápidas e ágeis, e ao mesmo tempo manter controles efetivos contra a corrupção, é na verdade um falso dilema. É possível ter um processo de licitação que seja tanto ágil quanto íntegro. A chave para isso é a transparência, que permite o acompanhamento da imprensa, organizações sociais e da população, sem que o processo se torne excessivamente moroso ou burocrático.

A transparência facilita a competição e a concorrência, reduzindo as chances de conluios e cartéis. O sistema de disputa aberta, como o pregão eletrônico, exemplifica um processo que é rápido e atende aos interesses da administração e da sociedade, contratando produtos de qualidade pelo menor preço.

A nova lei de licitações tenta equilibrar integridade e agilidade, permeada pela transparência. No entanto, o Congresso está prejudicando esse novo sistema antes de sua plena implementação, alterando as regras antes de entrarem plenamente em vigor no final de dezembro deste ano.

IM: Quais lições os históricos escândalos de corrupção no Brasil, como os que inspiraram a Lei 8.666 e a Operação Lava Jato, trazem para a gestão e fiscalização de licitações? Como essas lições poderiam influenciar a formulação do PL 3954/2023?

BC: Historicamente, o Brasil tem reagido a grandes escândalos de corrupção com a modernização do direito administrativo. A Lei 8.666 surgiu em resposta a escândalos no final dos anos 80 e início dos 90, como o caso da Ferrovia Norte-Sul e o escândalo do PC Farias. Logo após a implementação desta lei, surgiu o escândalo dos anões do orçamento. Esses eventos levaram o Congresso a reforçar as regras sobre licitações.

Com o tempo, outros escândalos emergiram, como a Operação Castelo de Areia, o escândalo dos sanguessugas, e a Operação Lava Jato, todos ligados à licitações e contratos, revelando a formação de cartéis e práticas de superfaturamento. A nova Lei de Licitações e a Lei de Responsabilidade das Estatais surgiram como respostas a esses escândalos, visando dificultar práticas corruptas.

Portanto, ao observar o Congresso enfraquecer essas novas regras com projetos como o PL 3954/2023, fica evidente uma tendência preocupante. A mobilização do Congresso, abrangendo todo o espectro político, para enfraquecer medidas anticorrupção é desanimadora e reflete negativamente no sistema político e na percepção da democracia pelo povo brasileiro. Isso mostra um passo adiante seguido por dois passos atrás, o que é lamentável para o ambiente político no Brasil.

IM: A aprovação relâmpago do PL 3954/2023 levanta questões importantes sobre o funcionamento da nossa democracia e a qualidade do processo legislativo no Brasil. Como você avalia o fato de uma lei com impactos tão significativos ser aprovada rapidamente, sem o mínimo debate público?

BC: A aprovação acelerada e sem debate do PL 3954/2023 evidencia a necessidade de aprimorar as regras do nosso processo legislativo. É crucial retomar e respeitar os ritos processuais previstos nos regimentos da Câmara e do Senado. Atualmente, observamos uma diminuição no debate em comissões temáticas, essenciais para análise aprofundada de projetos.

Um processo legislativo eficiente requer discussões amplas na sociedade, a realização de audiências públicas com participação de especialistas, interessados e avaliação técnica prévia dos impactos dos projetos. Infelizmente, estas práticas não têm sido respeitadas, e este caso é apenas um exemplo dentre muitos.

A consequência é a criação de legislações pobres, muitas vezes contrárias ao interesse público, e a abertura de espaços para corrupção e mau uso de recursos públicos. O descumprimento dessas práticas de debate e transparência prejudica significativamente a qualidade do processo legislativo no Brasil.

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A recente aprovação do PL 3954/2023 pela Câmara dos Deputados, que altera as normas de transparência em licitações municipais, levantou questões significativas sobre o processo legislativo e democrático no Brasil. Aprovado de maneira acelerada e sem o usual debate em comissões, este projeto de lei representa um marco notável na legislação brasileira.

Para discutir este tema, o Instituto Millenium entrevistou Bruno Carazza, um especialista reconhecido nas áreas de Direito, Economia e Ciência Política. Carazza possui um doutorado em Direito Econômico pela UFMG e vasta experiência no setor público, além de ser autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” e colunista em jornais de destaque. Na entrevista, Carazza explora a natureza e os efeitos do PL 3954/2023, enfatizando a rapidez incomum de sua aprovação e as consequências para a administração de licitações no Brasil. Ele analisa como escândalos de corrupção anteriores influenciaram a legislação vigente e avalia criticamente a qualidade do processo legislativo no país.

Instituto Millenium: Poderia explicar o que é o PL 3954/2023 e qual seu objetivo principal? Quais alterações significativas esse projeto traz para a Lei de Licitações e Contratos Administrativos?

Bruno Carazza: Em 2021, o Congresso aprovou uma nova lei de licitações e contratos administrativos no Brasil, substituindo a lei 8666 de 1993. Esta lei, considerada ultrapassada, foi modernizada após anos de discussão. Agora, antes mesmo de sua plena vigência, o PL 3954 de 2023 propõe alterações nesta nova lei.

O destaque da nova lei é a introdução de duas formas de disputa em licitações: aberta e fechada. Na aberta, como nos pregões eletrônicos, o governo define um preço básico e os concorrentes fazem lances públicos até chegar ao menor preço. Na fechada, aplicável a situações técnicas ou concessões públicas, as empresas apresentam propostas em envelopes fechados em um dia e horário determinados, e a melhor proposta é escolhida. Esses métodos permitem que a administração pública escolha o mais adequado para cada situação.

O PL 3954, apresentado pela senadora Tereza Cristina (PP/MS), propõe uma regra específica para serviços de engenharia acima de R$ 1,5 milhão, exigindo a disputa fechada. Isso elimina a transparência e concorrência da disputa aberta, podendo levar a preços mais altos e incentivando a cartelização. Além disso, o projeto estende essa regra aos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, setores já marcados por problemas de corrupção. Portanto, esta proposta levanta preocupações significativas sobre transparência e integridade nas licitações públicas.

IM: A rápida aprovação do PL indica um consenso amplo entre os políticos. Isso sugere que a lei é equilibrada, ou reflete um acordo mais abrangente para enfraquecer os mecanismos de transparência e integridade nas compras públicas?

BC: A tramitação do PL 3954 ocorreu de maneira surpreendentemente rápida, algo raro no Congresso Nacional. O projeto, introduzido pela senadora Teresa Cristina em 16 de agosto, passou apenas pela Comissão de Constituição e Justiça, sendo aprovado no início de novembro sem ir a plenário no Senado. Foi um caso de aprovação tácita, com mínima discussão sobre o mérito.

Na Câmara, a tramitação foi ainda mais rápida, durando menos de uma semana, sem passar por nenhuma comissão, incluindo a de Constituição e Justiça. Conduzido pelo deputado Elmar Nascimento (UB/BA), o projeto foi apresentado em plenário, votado e aprovado na madrugada, majoritariamente por votação remota, com 307 votos a favor e apenas 27 contra.

Esta rápida aprovação, com escassa discussão e debate, sugere um forte interesse dos setores beneficiados, que mobilizaram os deputados. O projeto, com potencial para gerar escândalos de corrupção e superfaturamento em contratos de engenharia e serviços de limpeza urbana, reflete uma postura da classe política brasileira contrária à transparência, competição e bom uso dos recursos públicos. A ausência de um debate aprofundado com especialistas, de acompanhamento pela imprensa e de envolvimento da sociedade é preocupante.

IM: Na sua visão, tal aumento na agilidade das licitações implica em maior risco de corrupção? Existem mecanismos que possam assegurar tanto a rapidez quanto a integridade no processo?

BC: O dilema entre desburocratizar as licitações, tornando-as mais rápidas e ágeis, e ao mesmo tempo manter controles efetivos contra a corrupção, é na verdade um falso dilema. É possível ter um processo de licitação que seja tanto ágil quanto íntegro. A chave para isso é a transparência, que permite o acompanhamento da imprensa, organizações sociais e da população, sem que o processo se torne excessivamente moroso ou burocrático.

A transparência facilita a competição e a concorrência, reduzindo as chances de conluios e cartéis. O sistema de disputa aberta, como o pregão eletrônico, exemplifica um processo que é rápido e atende aos interesses da administração e da sociedade, contratando produtos de qualidade pelo menor preço.

A nova lei de licitações tenta equilibrar integridade e agilidade, permeada pela transparência. No entanto, o Congresso está prejudicando esse novo sistema antes de sua plena implementação, alterando as regras antes de entrarem plenamente em vigor no final de dezembro deste ano.

IM: Quais lições os históricos escândalos de corrupção no Brasil, como os que inspiraram a Lei 8.666 e a Operação Lava Jato, trazem para a gestão e fiscalização de licitações? Como essas lições poderiam influenciar a formulação do PL 3954/2023?

BC: Historicamente, o Brasil tem reagido a grandes escândalos de corrupção com a modernização do direito administrativo. A Lei 8.666 surgiu em resposta a escândalos no final dos anos 80 e início dos 90, como o caso da Ferrovia Norte-Sul e o escândalo do PC Farias. Logo após a implementação desta lei, surgiu o escândalo dos anões do orçamento. Esses eventos levaram o Congresso a reforçar as regras sobre licitações.

Com o tempo, outros escândalos emergiram, como a Operação Castelo de Areia, o escândalo dos sanguessugas, e a Operação Lava Jato, todos ligados à licitações e contratos, revelando a formação de cartéis e práticas de superfaturamento. A nova Lei de Licitações e a Lei de Responsabilidade das Estatais surgiram como respostas a esses escândalos, visando dificultar práticas corruptas.

Portanto, ao observar o Congresso enfraquecer essas novas regras com projetos como o PL 3954/2023, fica evidente uma tendência preocupante. A mobilização do Congresso, abrangendo todo o espectro político, para enfraquecer medidas anticorrupção é desanimadora e reflete negativamente no sistema político e na percepção da democracia pelo povo brasileiro. Isso mostra um passo adiante seguido por dois passos atrás, o que é lamentável para o ambiente político no Brasil.

IM: A aprovação relâmpago do PL 3954/2023 levanta questões importantes sobre o funcionamento da nossa democracia e a qualidade do processo legislativo no Brasil. Como você avalia o fato de uma lei com impactos tão significativos ser aprovada rapidamente, sem o mínimo debate público?

BC: A aprovação acelerada e sem debate do PL 3954/2023 evidencia a necessidade de aprimorar as regras do nosso processo legislativo. É crucial retomar e respeitar os ritos processuais previstos nos regimentos da Câmara e do Senado. Atualmente, observamos uma diminuição no debate em comissões temáticas, essenciais para análise aprofundada de projetos.

Um processo legislativo eficiente requer discussões amplas na sociedade, a realização de audiências públicas com participação de especialistas, interessados e avaliação técnica prévia dos impactos dos projetos. Infelizmente, estas práticas não têm sido respeitadas, e este caso é apenas um exemplo dentre muitos.

A consequência é a criação de legislações pobres, muitas vezes contrárias ao interesse público, e a abertura de espaços para corrupção e mau uso de recursos públicos. O descumprimento dessas práticas de debate e transparência prejudica significativamente a qualidade do processo legislativo no Brasil.

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