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Para que a reforma tributária avance

É preciso ter pragmatismo e humildade para copiar o que deu certo e dispensar o que deu errado

Reforma tributária (Sergio Lima/Getty Images)
Cristiane Schmidt

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 10 de setembro de 2024 às 17h10.

A reforma tributária do consumo é, depois do Plano Real , talvez a mais relevante dos últimos 30 anos para fomentar o crescimento no Brasil. Foram encaminhados pela Câmara ao Senado a regulamentação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e a do Comitê Gestor (CG), faltando o projeto dos Fundos, que ainda precisa ser enviado pelo governo ao Congresso. Os textos, derivados do trabalho conjunto de entes federativos nos três níveis (municípios, estados e União), serão aprimorados no Parlamento. Há dois pontos aos quais precisamos prestar atenção: o CG e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).

O CG, formado por auditores fiscais, é o coração do IBS, imposto a ser cobrado por estados e municípios, enquanto o CBS, similar, é de competência da Receita Federal . Digo coração por sua função de coordenação, e não porque o órgão tenha a pretensão de ser um quarto Poder ou atuar à revelia de prefeitos e governadores. Pelo contrário. Sem a atuação do CG, o IVA dual (a ser arrecadado por estados e municípios) não seria viável. Pela primeira vez, teremos, no tocante à área tributária, um federalismo cooperativo entre os entes, em vez de guerra fiscal.

Caberá ao CG organizar, coordenar, planejar e operacionalizar as atividades dos auditores de estados e municípios; mas nunca fixar alíquotas, tarefa de prefeituras e governos estaduais. Graças ao órgão, os contribuintes terão a garantia de que não serão fiscalizados e autuados por diversos Fiscos (de estados e municípios diferentes, como acontece hoje). Além disso, o CG permitirá aos empresários receber 100% de seus créditos (financeiros) e em curto período, independentemente da situação fiscal dos Tesouros das unidades estaduais e municipais da Federação, outro fato inédito.

O presidente do CG deveria ser um profissional com notório saber e experiência e que atue na função em tempo integral, dada a sua imensa reponsabilidade. Não seria adequado que ocupasse o cargo um secretário de Fazenda, que já tem uma agenda diária assoberbada. Outro aspecto importante diz respeito às situações de litígio e contestação. Considerando-se que IBS e CBS são dois tributos idênticos (com a diferença de serem cobrados por diferentes entes federativos), e ainda que o modelo proposto seja um avanço em relação ao que temos hoje, seria melhor haver um único Conselho Administrativo Tributário Nacional (CATN), e não dois, como proposto. Facilitaria a vida do contribuinte. Na formação do CATN, o CG e a Receita Federal deveriam atuar conjuntamente. São modificações pontuais, mas que trariam agilidade e eficiência.

Outra questão relevante diz respeito ao FNDR. Considerando-se a fragilidade fiscal do país (o Ministério do Planejamento e Orçamento projeta que em 2032 não haverá dinheiro para despesa discricionária) e que a reforma não pode falhar no futuro, de onde virá o financiamento do FNDR? Uma possibilidade é redirecionar 10% dos R$ 600 bilhões de gastos tributários e subsídios para o FNDR e que as fontes fossem indicadas de uma vez no Projeto Legislativo dos Fundos. Vinte bilhões de reais poderiam vir dos Fundos Constitucionais do Centro-Oeste, Norte e Nordeste; R$ 30 bilhões, da diminuição da renúncia do Simples Nacional (R$ 90 bilhões); R$ 10 bilhões, de outras rubricas. A propósito da governança do FNDR, o CG poderia agir como a Comunidade Europeia. Lá, os países têm acesso ao recurso do fundo de desenvolvimento mediante aprovação prévia dos projetos pela comissão e de acordo com a sua execução, aos poucos. Os projetos são apresentados detalhadamente e têm de estar ligados às áreas de inovação e infraestrutura. Isso garantiu a Portugal ter rodovias invejáveis. Se o objetivo é desenvolver o Brasil e evitar que os ditos recursos sejam (ou continuem sendo) desperdiçados, é preciso ter pragmatismo e humildade para copiar o que deu certo e dispensar o que deu errado.

*Cristiane Schmidt, presidente da MSGas e doutora em economia pela EPGE/FGV, foi consultora do Banco Mundial para a reforma tributária e secretária da Economia de Goiás

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A reforma tributária do consumo é, depois do Plano Real , talvez a mais relevante dos últimos 30 anos para fomentar o crescimento no Brasil. Foram encaminhados pela Câmara ao Senado a regulamentação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e a do Comitê Gestor (CG), faltando o projeto dos Fundos, que ainda precisa ser enviado pelo governo ao Congresso. Os textos, derivados do trabalho conjunto de entes federativos nos três níveis (municípios, estados e União), serão aprimorados no Parlamento. Há dois pontos aos quais precisamos prestar atenção: o CG e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).

O CG, formado por auditores fiscais, é o coração do IBS, imposto a ser cobrado por estados e municípios, enquanto o CBS, similar, é de competência da Receita Federal . Digo coração por sua função de coordenação, e não porque o órgão tenha a pretensão de ser um quarto Poder ou atuar à revelia de prefeitos e governadores. Pelo contrário. Sem a atuação do CG, o IVA dual (a ser arrecadado por estados e municípios) não seria viável. Pela primeira vez, teremos, no tocante à área tributária, um federalismo cooperativo entre os entes, em vez de guerra fiscal.

Caberá ao CG organizar, coordenar, planejar e operacionalizar as atividades dos auditores de estados e municípios; mas nunca fixar alíquotas, tarefa de prefeituras e governos estaduais. Graças ao órgão, os contribuintes terão a garantia de que não serão fiscalizados e autuados por diversos Fiscos (de estados e municípios diferentes, como acontece hoje). Além disso, o CG permitirá aos empresários receber 100% de seus créditos (financeiros) e em curto período, independentemente da situação fiscal dos Tesouros das unidades estaduais e municipais da Federação, outro fato inédito.

O presidente do CG deveria ser um profissional com notório saber e experiência e que atue na função em tempo integral, dada a sua imensa reponsabilidade. Não seria adequado que ocupasse o cargo um secretário de Fazenda, que já tem uma agenda diária assoberbada. Outro aspecto importante diz respeito às situações de litígio e contestação. Considerando-se que IBS e CBS são dois tributos idênticos (com a diferença de serem cobrados por diferentes entes federativos), e ainda que o modelo proposto seja um avanço em relação ao que temos hoje, seria melhor haver um único Conselho Administrativo Tributário Nacional (CATN), e não dois, como proposto. Facilitaria a vida do contribuinte. Na formação do CATN, o CG e a Receita Federal deveriam atuar conjuntamente. São modificações pontuais, mas que trariam agilidade e eficiência.

Outra questão relevante diz respeito ao FNDR. Considerando-se a fragilidade fiscal do país (o Ministério do Planejamento e Orçamento projeta que em 2032 não haverá dinheiro para despesa discricionária) e que a reforma não pode falhar no futuro, de onde virá o financiamento do FNDR? Uma possibilidade é redirecionar 10% dos R$ 600 bilhões de gastos tributários e subsídios para o FNDR e que as fontes fossem indicadas de uma vez no Projeto Legislativo dos Fundos. Vinte bilhões de reais poderiam vir dos Fundos Constitucionais do Centro-Oeste, Norte e Nordeste; R$ 30 bilhões, da diminuição da renúncia do Simples Nacional (R$ 90 bilhões); R$ 10 bilhões, de outras rubricas. A propósito da governança do FNDR, o CG poderia agir como a Comunidade Europeia. Lá, os países têm acesso ao recurso do fundo de desenvolvimento mediante aprovação prévia dos projetos pela comissão e de acordo com a sua execução, aos poucos. Os projetos são apresentados detalhadamente e têm de estar ligados às áreas de inovação e infraestrutura. Isso garantiu a Portugal ter rodovias invejáveis. Se o objetivo é desenvolver o Brasil e evitar que os ditos recursos sejam (ou continuem sendo) desperdiçados, é preciso ter pragmatismo e humildade para copiar o que deu certo e dispensar o que deu errado.

*Cristiane Schmidt, presidente da MSGas e doutora em economia pela EPGE/FGV, foi consultora do Banco Mundial para a reforma tributária e secretária da Economia de Goiás

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