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Padre americano criou instituto que une livre mercado e princípios religiosos

Padre norte-americano Robert Sirico, co-fundador e presidente do Instituto Acton, uma organização dedicada à promoção dos princípios da liberdade individual

 (Instituto Millenium/Reprodução)
(Instituto Millenium/Reprodução)
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Instituto Millenium

Publicado em 4 de abril de 2023 às, 16h14.

Última atualização em 5 de abril de 2023 às, 14h10.

O que há de errado com a forma como combatemos a pobreza no mundo? Por que países que recebem grandes volumes de ajuda humanitária, no geral, não conseguem se erguer acima da pobreza? Esse é um dos temas sob o qual se dedica o padre norte-americano Robert Sirico, co-fundador e presidente do Instituto Acton, uma organização sem fins lucrativos dedicada à promoção dos princípios da liberdade individual, economia de mercado e moralidade cristã.

Com vasta experiência em teologia, economia e política pública, Padre Sirico tem sido uma voz influente no debate sobre a intersecção entre fé, liberdade e economia. Autor de diversos livros e artigos, ele contribui frequentemente para publicações acadêmicas e populares, além de ser um palestrante procurado em eventos ao redor do mundo. Como líder do Instituto Acton, Padre Sirico busca promover um diálogo construtivo entre teólogos, estudiosos, políticos e empresários para uma melhor compreensão da relação entre os princípios cristãos e as liberdades humanas.

Ele virá ao Brasil na próxima semana, para participar do  Fórum da Liberdade, maior evento liberal da América Latina, que ocorre entre os dias 13 e 14 de abril, em Porto Alegre. Confira abaixo a entrevista de Sirico para o Instituto Millenium.

1)       Para começar, pode nos contar um pouco sobre sua história de vida, e como ela se relaciona à fundação do Instituto Acton? Qual era o objetivo principal na época, e como você percebeu essa necessidade?

Eu nasci em uma família de classe trabalhadora, ítalo-americana nos anos 50, no Brooklyn, Nova York. Embora fôssemos católicos, não éramos praticantes regulares da fé. Quando cheguei à adolescência, havia me afastado de minha fé católica, primeiro para o envolvimento com o Movimento Jesus (um movimento evangélico juvenil nos EUA, na década de 1960) e mais tarde, com o ativismo político progressista e de esquerda, em grande parte na Califórnia do Sul. No meio de meu ativismo de esquerda (advogando por direitos gay, feminismo, sindicalismo, etc.), eu encontrei alguém que me desafiou a pensar mais profundamente sobre os modelos econômicos que eu estava propondo. Ele me deu livros de autores seculares como Milton Friedman, Fredrich Hayek e outros. Em muitas discussões intensas, vim a ver que a redistribuição de riqueza, ao invés de sua produção, não ajudaria as próprias pessoas que eu me preocupava: os pobres e marginalizados.

Isso precipitou, em primeiro lugar, uma mudança em minhas ideias políticas e econômicas; mas eventualmente resultou em uma consideração mais profunda de minha visão de mundo, o que me levou a voltar às minhas raízes católicas. Durante vários anos, durante os quais completei meus estudos universitários, assistia à missa, fazia confissão regularmente e recebia direção espiritual. Decidi procurar ingresso no seminário e continuar a discernir minha vocação ao sacerdócio católico. Uma vez no seminário, porém, descobri que a ideologia de esquerda que abandonei em Hollywood era amplamente aceita no seminário, tanto por meus colegas seminaristas quanto por meus professores. Comecei um estudo filosófico e teológico aprofundado da relação entre economia e teologia e antropologia cristã e, uma vez ordenado sacerdote, decidi que o modo mais eficaz de contra-atacar o progressismo em movimentos como a Teologia da Libertação era fundar uma organização.

Essa foi a origem do Instituto Acton, que em sua concepção era inter-religioso (uma vez que o problema com o qual eu me confrontava era inter-religioso).  O Instituto Acton, que fundei com um amigo e leigo, Kris Mauren, cresceu de uma pequena operação em uma rede internacional de acadêmicos, clérigos e professores com escritórios em Grand Rapids, Roma e Buenos Aires e realiza seminários e conferências em todo o mundo a cada ano para líderes empresariais, clérigos e seminaristas de todas as denominações.

2)       A luta contra a pobreza em todo o mundo é um tema cheio de dogmas e boas intenções. Na sua opinião, o que fizemos errado, especialmente em relação a países mais pobres? Por que eles não conseguem sair da pobreza, mesmo depois de décadas de ajuda humanitária?

Se tivesse que resumir o que vejo como um problema conceitual crítico em relação à pobreza internacional, seria que a maioria dos principais pensadores neste campo permitiu que suas boas intenções ofuscassem um pensamento claro sobre a cura da pobreza. Em grande parte, todo o foco tem sido em modelos de caridade e redistribuição de riqueza de um tipo ou outro. Não há dúvida de que a caridade é um elemento essencial para ajudar as pessoas necessitadas. O erro está em pensar que esse é o modelo normativo para elevar nações inteiras acima da pobreza sistêmica. Nenhuma nação na história saiu da pobreza por meio da redistribuição de riqueza, mas por sua criação.

Agora temos um período de cerca de dois séculos, em que presenciamos o crescimento econômico mais expansivo que o mundo já viu, e todo esse crescimento não foi o resultado das melhores caridades. Foi o resultado da divisão do trabalho e da expansão das oportunidades de negócios internacionalmente. Em outras palavras, a caridade é útil e necessária e precisa em situações de emergência, mas é a expansão dos negócios e o acesso ao trabalho que é a causa da ascensão acima da pobreza.

Além disso, deve ser óbvio que qualquer coisa que dificulte a capacidade das pessoas de trabalhar e reter o produto do seu trabalho, seja tributação excessiva ou regulamentação (que é uma forma de tributação), ou impedimentos ao comércio (como conluio por parte do governo com os negócios - conhecido como capitalismo de compadrio -, agências internacionais ou sindicatos), também prejudica a prosperidade e o florescimento humano. Precisamos de empresas vibrantes e verdadeiramente livres se quisermos comunidades vibrantes e prósperas.

3) E qual é a melhor maneira de ajudar estas pessoas, estes países, que enfrentam tão sérias dificuldades? Você é contra a caridade e a ajuda humanitária?

Como disse, a ajuda humanitária e a caridade são necessárias para situações extraordinárias mais próximas dos problemas, mas que deve ser vista como temporária e não como substituto da função normal da economia privada.

O grande rabino medieval Maimonides desenvolveu a "Escada da Caridade" que é muito instrutiva e aplicável aqui. O degrau mais alto desta escada é o tipo de caridade que permite ao beneficiário ser auto-suficiente. Esse é o meu ponto. Deixe as pessoas serem livres para ser criativas e se relacionarem entre si, e não as penalize por seu sucesso.

A melhor maneira de ajudar esses países e pessoas é por meio do estabelecimento de condições políticas e econômicas que permitam o florescimento dos negócios e o acesso ao trabalho. Isso deve ser feito não penalizando o sucesso econômico e a iniciativa privada, por meio de políticas macroeconômicas sólidas, controle da inflação, propriedade privada segura, baixa tributação e regulação mínima. Essas são as condições que realmente levam à ascensão duradoura acima da pobreza.  A ajuda humanitária deve ser usada para socorrer vítimas de desastres ou situações de emergência, e nunca deve substituir essas políticas fundamentais baseadas no mercado. Quando isso acontece, a pobreza se torna crônica.

Em resumo, a melhor maneira de ajudar não é por meio de esmolas, mas sim criando condições para que as pessoas possam ajudar a si mesmas por meio do trabalho, da iniciativa e da criatividade humanas.

4) O Instituto Acton tem um foco significativo na educação e na formação de lideranças. Quais são os principais princípios e valores que você espera transmitir aos futuros líderes e como você acredita que eles podem contribuir para uma sociedade melhor e mais próspera?

O trabalho do Instituto Acton começa com um foco na antropologia, ou seja, em uma compreensão da pessoa humana, criada à imagem de Deus, que é individualmente única, racional, sujeita à agência moral e chamada a ser co-criadora com Deus. Portanto, ela possui valor intrínseco e dignidade, implicando certos direitos e deveres tanto para ela mesma quanto para outras pessoas. Se a visão de uma pessoa é que elas são intrinsicamente dependentes ou em conflito com outras pessoas devido a distinções de classe ou raça, então os tipos de intuições sociais que serão construídas serão diferentes: as primeiras serão criativas e de solução de problemas e as segundas serão conflituosas e agressivas. É precisamente o contraste entre as sociedades livres e as inspiradas pelo marxismo ou socialismo.

A isso acrescentamos uma compreensão de que os seres humanos são socialmente naturais juntamente com o princípio da subsidiariedade (ou seja, as necessidades são atendidas de forma mais adequada no nível mais local primeiro, em vez de recorrer às esferas maiores. E o Estado deve deixar recursos nos níveis locais para esse fim.

Os futuros líderes poderão contribuir para uma sociedade melhor e mais próspera aplicando esses princípios básicos em suas decisões políticas, econômicas e sociais. Promovendo políticas que defendam e ampliem a liberdade humana, a propriedade privada e a iniciativa privada. Reconhecendo que a criatividade e a produtividade humanas, e não a redistribuição ou o controle do estado, são as fontes do progresso. E vendo o Estado como servo da própria sociedade civil e dos indivíduos em seu interior, e não como mestre absoluto. Se essas ideias forem amplamente adotadas, veremos o florescimento da liberdade humana, a redução da pobreza e uma sociedade mais próspera e pacífica.

5) Como você vê a pobreza no Brasil? Quais são as suas causas? Acredita que o auxílio financeiro aos pobres tem sido uma política eficaz para enfrentar este problema?

Minha próxima viagem ao Brasil é a terceira vez que visito seu belo país, por isso continuo a aprender mais e mais. Se estiver falando aqui sobre os programas de bem-estar chamados Bolsa Família e semelhantes, claro, não estou em uma posição de avaliar os detalhes de tais programas, não sendo brasileiro. Entendo, no entanto, por que tais programas de redistribuição seriam populares: há um aumento imediato na quantidade de dinheiro disponível para os pobres.  Mas se alguém realmente se interessar em aliviar a pobreza estruturalmente, em vez de apenas aumentar sua base política de apoio ou oferecer soluções temporárias, deveria se fazer perguntas mais profundas: Esses programas representam uma mudança permanente na situação econômica das pessoas ou aumentam o tamanho do governo central, que retira recursos que seriam de outra forma colocados na economia produtiva? Esses programas são projetados para serem permanentes ou são vistos como transitórios, diminuindo assim que os empregos se tornam disponíveis?

Estas são perguntas difíceis de responder, especialmente quando sabemos da difícil situação econômica com a qual os pobres se defrontam no Brasil. Mas nunca devemos amar os pobres tanto, a ponto de criarmos programas que os mantenham na pobreza, ou que criem mais pobres.

A pobreza no Brasil tem suas raízes em uma combinação de fatores, incluindo baixos níveis de investimento, educação deficiente, intervenção excessiva do governo e corrupção. Transferências de renda podem trazer algum alívio imediato, mas não são uma solução sustentável a longo prazo. O que realmente levantará os pobres da pobreza é o crescimento econômico inclusivo que cria postos de trabalho, ao mesmo tempo em que incentiva a inovação e o desenvolvimento de negócios para produzir bens e serviços de mais valor. Políticas de desenvolvimento humano, como o investimento na educação básica e profissional de qualidade, são fundamentais para capacitar os pobres a participarem do mercado de trabalho.

Portanto, em resumo, a pobreza brasileira não pode ser resolvida com simples esmolas, mas em vez disso requer políticas econômicas e sociais mais amplas para criar oportunidades reais para os pobres alcançarem a prosperidade por meio do trabalho. A assistência financeira direta deve ser vista como temporária, não como uma solução permanente.

6) Ainda sobre o Brasil, qual seria a solução mais eficaz para superar a pobreza, na sua opinião?

Vamos olhar a situação honestamente: Do que entendo da história recente do Brasil, vocês tentaram muitas coisas nos últimos quatorze anos, com grandes experimentos estatais que resultaram em lento crescimento do PIB. Houve aumento do desemprego, inflação e ampla intervenção econômica. Lembre-se de que, quando os políticos prometem coisas que eles não têm dinheiro para, eles acabam imprimindo mais dinheiro, o que por sua vez valoriza o pouco dinheiro que as pessoas com rendas fixas têm à sua disposição. Isso é inflação, que é insidiosa.

Vocês tiveram pelo menos duas recessões durante o mandato de Dilma Roussef devido a suas políticas intervencionistas de bem-estar social, juntamente com alta inflação ao manipular as taxas de juros por motivos políticos, resultando em uma taxa de desemprego de quase 12%.

O que teria acontecido no mesmo período, se seus líderes tivessem tomado uma direção oposta: desregulamentando restrições trabalhistas e permitindo que as taxas dos serviços públicos atendessem às demandas reais dos consumidores, em vez de mantê-las em níveis artificialmente baixos, o que só resultou em custos de energia mais altos para esses consumidores; e o que teria acontecido se o governo não interviesse para manter as taxas de juros artificialmente baixas, resultando em inflação enorme - digo que se você não tivesse todas essas e outras formas de forte intervenção estatal, hoje estaríamos falando sobre uma realidade econômica muito diferente no Brasil.

A cura para a pobreza não é fundamentalmente sobre esquemas políticos, mas sobre permitir que as pessoas utilizem seus vários talentos para criar meios de subsistência para si e suas famílias.

Por que o bem-estar econômico do Brasil é tão baixo em várias avaliações internacionais, como as do Índice do Banco Mundial ou o Índice de Liberdade Econômica? E por que é assim apesar de o Brasil desfrutar de grande parcela dos recursos naturais mundiais? É porque o maior recurso que o Brasil possui é o seu povo - e quando essas pessoas não podem ser livres para perseguir oportunidades econômicas, não pode haver estabilidade social e prosperidade. O Brasil teve uma sucessão de políticos que prejudicaram essa criatividade, quer quisessem ou não.

Quando o Brasil se afastar da tomada de decisões econômicas centralizadas e respeitar a independência do setor financeiro, desfrutará de taxas de inflação mais baixas. Mas quando você tem grupos de interesse que promovem mais e mais ação política alinhada com o Estado e o capitalismo de compadrio, você enfraquece sua economia, favorece pessoas com influência e poder e reduz a quantia de dinheiro disponível para investimento em empreendimentos empresariais e as reais necessidades das pessoas.

Quando os trabalhadores e suas famílias têm acesso a empregos, eles começam a prosperar - o que significa muito mais do que apenas ter mais dinheiro. O dinheiro é realmente apenas oportunidade. A oportunidade de estabilizar a vida familiar e o bem-estar, os padrões espirituais do ambiente doméstico e preparar as crianças para o futuro, com educação sólida e formação moral. O trabalho seguro e estável pode proporcionar essas oportunidades. É assim que os mercados ajudam a fundamentar a cultura moral da família e da sociedade.