“Pacote é esquálido, insuficiente e deve trazer mais problemas”, avalia especialista
Instituto Millenium entrevistou Izak Carlos da Silva, economista chefe do BDMG, sobre pacote fiscal anunciado entre ontem e hoje pelo governo
Publicado em 28 de novembro de 2024 às, 13h53.
Aguardado por mais de um mês, o pacote fiscal do governo foi finalmente apresentado. E o mercado reagiu mal, com o dólar abrindo em alta nesta quinta-feira, enquanto a bolsa operava em queda. Nesta entrevista com Izak Carlos da Silva, economista chefe do BDMG, o especialista explica que, além de não resolver o problema fiscal do país, as medidas anunciadas ainda têm o potencial de agravar o rombo nas contas públicas. “Para compensar essa isenção, o governo anunciou uma tributação para quem recebe salários superiores a R$ 50 mil ao mês. O ponto é que é muito difícil conseguir capturar esse efeito das camadas mais favorecidas, porque elas conseguem ter muitos mecanismos financeiros para se esquivar desse pagamento de impostos (elisão fiscal), então é muito difícil que se concretize o valor que foi projetado pelo governo, o que cria um novo problema”, explicou.
Ele também falou da dificuldade de aprovar no Congresso outras medidas anunciadas, como a que acaba com supersalários e a que endurece o regime de aposentadoria e pensões de militares. “É muito difícil que essas medidas sejam aprovadas sem grandes modificações. Tanto os militares quanto os servidores públicos com supersalários são grupos com forte poder de barganha no Congresso”, opinou.
Veja abaixo a entrevista completa e entenda os pontos fortes e fracos do anúncio de ontem:
Instituto Millenium: Como o mercado recebeu o pacote fiscal anunciado pelo governo?
Izak Carlos da Silva: O mercado recebeu o pacote com cautela. Embora haja um alívio momentâneo pela tentativa de ajuste, há um consenso de que as medidas são insuficientes para resolver os problemas fiscais estruturais do país. A percepção é que, mais uma vez, o governo combina medidas de contenção de gastos com ações de expansão fiscal, o que gera ruídos e incertezas sobre a sustentabilidade do ajuste proposto. O impacto sobre o dólar deve ser limitado, e as expectativas de inflação e juros para os próximos anos não devem mudar de forma significativa. O pacote de ajuste fiscal, além de magro, parece mais ter o objetivo de ganhar tempo e não estrangular o gasto discricionário em 2026 do que efetivamente resolver o problema pelo lado gasto.
IM: O governo estima que, com as medidas, economizará R$ 70 bilhões em dois anos. Na sua opinião, este número é realista? O valor é suficiente, ou o governo precisaria ampliar os esforços um pouco mais?
ICS: O número de R$ 70 bilhões parece otimista. Algumas medidas, como a limitação do crescimento do salário mínimo e o redirecionamento de emendas impositivas, têm potencial de gerar economias, mas não são transformadoras. Além disso, medidas mais complexas, como a reforma das aposentadorias dos militares e o fim dos supersalários, enfrentam grande resistência política e podem ser diluídas no Congresso. Mesmo que o número seja atingido, ele não seria suficiente para resolver o problema fiscal, especialmente considerando o impacto da isenção ampliada do IR, que cria uma nova pressão orçamentária. Já a proposta de limitar o abono salarial a quem recebe até um salário mínimo e meio tem um regra de transição longa, o que só deve surtir efeito significativo a partir de 2027. Até lá, a economia deve ser pouco expressiva.
IM: Como forma de compensação à isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil por mês, o governo propõe a taxação de lucros e dividendos superiores a R$ 50 mil por mês, que hoje estão isentos. A estimativa do Planalto é a de que essa taxação compensaria integralmente a elevação do gasto com a isenção ampliada do IR. Considerando também as formas de elisão fiscal dessa camada mais endinheirada, essa conta fecha?
ICS: Essa conta não fecha. A estimativa do governo para o impacto fiscal da isenção do IR está em torno de R$ 35 bilhões, mas o mercado avalia que o número real pode ser maior, chegando a R$ 45 ou até R$ 50 bilhões. Mesmo que a taxação de rendas acima de R$ 50 mil seja aprovada, as camadas mais altas têm à disposição mecanismos legais de elisão fiscal que reduzem significativamente o potencial de arrecadação. Na prática, é muito difícil capturar o montante necessário para compensar a isenção, o que significa que o governo terá de buscar outras fontes de receita no futuro.
IM: Ainda sobre a taxação de lucros e dividendos, considerando que ela se somaria aos tributos já existentes para empresas, acredita que isso desestimula investimentos privados no país?
ICS: Sim, há um risco claro de desestímulo ao investimento privado. A taxação adicional aumenta o custo do capital e pode levar empresas e investidores a buscar alternativas menos tributadas, dentro ou fora do Brasil. Além disso, pode desincentivar o registro de domicílios fiscais no país, o que afeta ainda mais a capacidade do governo de arrecadar. Em última análise, essas medidas podem prejudicar o ambiente de negócios e limitar o crescimento econômico no longo prazo.
IM: Entre as propostas de cortes de gastos, estão o fim dos supersalários do Judiciário e o endurecimento nas regras de aposentadorias e pensões dos militares, dois assuntos polêmicos, que mexem com grupos de pressão com grande força no Congresso. Acredita que as medidas passem? Como estão as expectativas do mercado em relação a isso?
ICS: É muito difícil que essas medidas sejam aprovadas sem grandes modificações. Tanto os militares quanto os servidores públicos com supersalários são grupos com forte poder de barganha no Congresso. Ainda que haja consenso sobre a necessidade de corrigir distorções, as propostas enfrentam resistência significativa. Mesmo que sejam aprovadas, é provável que sejam reintroduzidas por meio de penduricalhos, como o retorno do quinquênio ou de outros auxílios. O mercado vê essas propostas como importantes, mas não deposita muita confiança na sua viabilidade política.