Orçamento de guerra: entenda o que é e por que foi proposto
Proposta de Emenda à Constituição, apresentada pelo presidente da Câmara, cria regime especial de gastos
Publicado em 10 de abril de 2020 às, 11h30.
Última atualização em 10 de abril de 2020 às, 11h31.
Nesta semana, o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), apresentou Proposta de Emenda à Constituição que cria uma espécie de “Orçamento de Guerra”. A PEC 10/2020 é um instrumento para impedir que os gastos emergenciais que serão gerados por conta da pandemia do novo coronavírus sejam misturados ao Orçamento da União. A condição especial tem o condão de garantir agilidade ao atendimento às vítimas e evitar um colapso social no país. Para esclarecer melhor a questão, o Instituto Millenium conversou com o economista, Sérvulo Dias. Ouça!
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A proposta foi aprovada pela Câmara, em decisão praticamente consensual: 505 votos a favor, contra apenas dois no primeiro turno; no segundo, 423 deputados aprovaram a medida, e apenas um foi contra. Agora, a proposta passa por duas votações no Senado, precisando do aval de 49 dos 81 parlamentares da Casa Alta. Apesar da aprovação com grande maioria entre os deputados federais, no Senado o debate deverá se estender, uma vez que há resistência de uma parcela dos parlamentares em votar uma alteração da Constituição por meio virtual. A primeira sessão para deliberar sobre o assunto está agendada para a próxima segunda-feira (13).
Em entrevista ao Millenium, Sérvulo Dias explicou os objetivos da proposta, e analisou o projeto. “A PEC cria um regime extraordinário, que irá facilitar a execução orçamentária de medidas emergenciais, afastando dispositivos constitucionais e legais aplicados em situações de normalidade. Com isso, busca dar mais agilidade à execução de despesas com pessoal, obras, serviços e compras do Poder Executivo durante o estado de calamidade pública”, afirmou.
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Na avaliação do economista, e medida é necessária devido à excepcionalidade do momento vivido pelo país, com uma pandemia nunca antes vista. “Trata-se de uma crise de saúde pública sem precedentes na história da humanidade. Veremos uma rápida e contundente erosão do nível de emprego, com reflexos nos gastos das empresas e das famílias e com um total redesenho das expectativas de crescimento do PIB nacional e global”, afirmou. “A crise é um ‘cisne negro’ com o qual teremos que lidar, agora e no futuro, e representa uma situação tão nova e anormal que não adianta tratar com as ferramentas econômicas convencionais. Planos convencionais servem para tratar problemas convencionais, ordinários. Diante de condições tão extraordinárias, não nos resta outra opção senão implementar ações extraordinárias. O governo não tem outro papel social que não seja a proteção dos mais vulneráveis nesse momento de grave crise econômica”, lembrou.
Sérvulo Dias destacou que, além da questão de saúde e da falta de circulação na economia, as faces mais visíveis da pandemia, há outros problemas, como o risco de solvência de famílias e de empresas; além da crise de liquidez, com uma possível escassez do crédito por parte do sistema bancário. “Essa é a grande diferença quando comparamos o momento atual com a crise de 2008. Naquele momento, o cenário era majoritariamente uma crise do mercado bancário, onde políticas de afrouxamento monetário e garantia de liquidez surtiam efeito com relativa rapidez. Agora, com a crise originando-se no lado real da economia, a política monetária tem um efeito bastante limitado, o que obrigará os governos a implementarem políticas fiscais agressivas, como é o caso do 'Orçamento de Crise'”, disse, ressaltando a necessidade das medidas neste momento.
O que muda?
Mas, na prática, o que muda caso o Orçamento de Guerra seja aprovado? Sérvulo Dias esclareceu que a principal e maior flexibilidade é com relação aos gastos públicos. Uma das medidas, por exemplo, é a suspensão da Regra de Ouro – que impede o governo federal de contrair dívida para cobrir os gastos correntes. Além disso, a PEC estabelece que o regime fiscal terá validade enquanto vigorar o estado de calamidade pública, e permite que o governo central combata a crise nos dois principais flancos: saúde pública e consequência econômica.
O terceiro pilar da PEC é com relação à autorização dada ao Banco Central para injetar recursos na economia, através de títulos públicos e privados. Sérvulo Dias explica como isso funciona: “O BC passa a atuar como ‘fiador em última instância’, garantindo a liquidez do sistema financeiro. Esse tipo de política monetária foi muito utilizado durante a crise de 2008, quando os bancos centrais de todo o mundo compraram trilhões de dólares em títulos públicos e privados, e em alguns casos tornando-se acionista de empresas que estavam à beira da insolvência”, lembrou.
Se, por um lado, o governo terá menos trâmites burocráticos para comprar produtos, serviços e obras, além da contratação de pessoal; por outro, um dos vetores da PEC tem o objetivo de gerar maior transparência neste processo, com a criação de um comitê gestor da crise, que irá avaliar compras e contratações. Os atos deverão ser divulgados pela internet, através de um portal com acesso público. A medida também prevê que o Congresso poderá suspender qualquer decisão deste comitê de crise ou do Banco Central. Sérvulo destacou que as ações serão acompanhadas pelo Poder Judiciário, que poderá intervir em eventuais divergências.
“Trata-se de um esforço supra-poderes, onde por um lado busca-se dar maior margem de manobra para o governo federal sem perder de vista a atuação dos poderes legislativo e judiciário, numa ação coordenada para combater a crise de saúde pública e seus desdobramentos em todos os setores da economia”, disse.
Depois da tempestade, de volta à austeridade
Apesar de ser uma medida necessária como resposta à crise, com o Orçamento de Guerra haverá consequências, sendo a mais nítida delas o agravamento da situação fiscal. Na opinião de Sérvulo Dias, é necessário voltar à política de austeridade após esta fase crítica passar. Mas ele vê um lado positivo em todo esse processo: o economista acredita que o COVID-19 pode ser um catalisador histórico, que fará com que vários aspectos possam ser repensados – inclusive os gastos públicos.
“Se as reformas tributária e administrativa já eram essenciais antes da crise, agora elas passam a ser ainda mais relevantes, e espero que isso seja suficiente para nos conscientizar como cidadãos, eleitores e políticos. A reforma previdenciária dos estados, que nunca foi devidamente priorizada no Brasil, passa a ser inevitável e emergencial a partir de agora. Considero importantíssimo que o poder legislativo consiga paralelizar seus trabalhos, de um lado criando leis, decretos e medidas provisórias para o combate direto e imediato da crise, e de outro lado conseguindo manter a cadência das votações importantes que estavam na pauta do Congresso no começo do ano”, afirmou.
Sérvulo criticou, ainda, outros recursos que poderiam ser mais bem aplicados, como o fundo eleitoral. “Qual a racionalidade em mantermos um fundo eleitoral bilionário com recursos públicos que poderiam ser aplicados diretamente no combate ao COVID-19 ou em mecanismos de proteção à população mais vulnerável nesse momento? O fato é que, como sociedade, estamos fazendo escolhas ruins sobre como aplicar nossos escassos recursos. Também há o absurdo de mantermos fundos públicos congelados nesse momento de tanta necessidade. Apenas para exemplificar com alguns números alarmantes, temos um total de 280 fundos públicos federais que totalizam astronômicos R$ 220 bi, congelados, que poderiam ser utilizados imediatamente. Temos ainda outros R$ 100 bi congelados no FGTS”, destacou o especialista do Instituto Millenium.