Exame.com
Continua após a publicidade

O que o STF e o Fogo de Chão têm em comum para explicar o Brasil?

Segundo o especialista do Instituto Millenium André Bolini, compara como o STF e a churrascaria Fogo de Chão tem coisas em comum para explicar o Brasil

I
Instituto Millenium

Publicado em 19 de março de 2021 às, 15h36.

Última atualização em 19 de março de 2021 às, 15h37.

Algumas verdades são absolutas em Pindorama: a morte, os impostos e a certeza de que não vamos morrer de tédio. A cada dia, uma decisão diferente pega o brasileiro de surpresa: mudam as regras do jogo enquanto ainda estamos jogando. Talvez, a frase com melhor síntese do nosso drama tenha surgido no Twitter: “Sabe por que o gringo não investe no Brasil? Exemplificando: um jogo de basquete. Você está na linha do garrafão, prestes a fazer uma cesta de três pontos. O juiz apita. O jogo vira futebol, você está com a bola na mão, dentro da área. É um pênalti. E contra você.”

Insegurança jurídica: esse é o retrato da instabilidade das instituições brasileiras. Recentemente, o Brasil assistiu pasmo a uma dose dessa insegurança ao ver a anulação da sentença do ex-criminoso, ex-corrupto e ex-Presidente Lula. Depois de tanto tempo e de reconhecida competência da Justiça Federal de Curitiba no julgamento da Lava Jato, altera-se o entendimento da Suprema Corte de um dia para o outro, de modo que todas as consequências jurídicas outrora válidas sejam repentinamente alteradas e anuladas. O episódio de Lula é simbólico, mas não é o único: há casos igualmente prejudiciais ao País e que acontecem na calada da noite. É o caso, por exemplo, da churrascaria Fogo de Chão.

É público e notório o fato do setor de bares e restaurantes encarar uma das mais severas crises com a pandemia do COVID-19. Seja pelas políticas de restrição à circulação de pessoas, pela permanência do home office como hábito em grande parte das empresas ou pelo receio do cidadão em sair às ruas, o fato é que, há um ano, bares e restaurantes sofreram quedas drásticas de seu faturamento. No Brasil como um todo, um a cada quatro bares ou restaurantes fechou as portas de vez. E o restaurante Fogo de Chão não foge à regra: não é porque uma empresa tem lucro que ela sobreviverá, afinal, o que de fato quebra empresas é seu fluxo de caixa, isto é, sua capacidade de pagar as contas.

Mas faltam os ensinamentos mais básicos de finanças e economia àquelas que detém o poder da caneta nas mãos: após demissão de 100 funcionários da churrascaria, o Ministério Público do Trabalho ingressou com ação para a condenação da empresa. Aparentemente, a batalha do empreendimento que busca sobreviver não é reconhecida como válida. E – pasme o leitor – o Judiciário brasileiro, de fato, julgou pela condenação da sociedade Fogo de Chão com o pagamento de multa em R$17 milhões, além da manutenção dos empregos dispensados.

Essa decisão contraria expressamente o artigo 477-A da CLT, que dispõe: “as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”. Nas palavras da Juíza, redigidas na própria decisão, seria “necessário ter em mente que nenhuma norma legal pode ser interpretada sem o parâmetro constitucional”, ou seja, vale tudo se usar princípios abstratos para chegar à conclusão que queira, independente da letra da lei.

Isto é, apesar de fazer exatamente o que a lei permite, a atividade empresarial está sujeita às graças de um Juiz e suas visões de mundo particulares. Afinal, escrito na sentença da iluminada e sábia Juíza, consta que “o artigo 477-A agride diversos princípios constitucionais, tais como os da justiça social; da subordinação da propriedade à sua função social; da proporcionalidade; da valorização do trabalho e do emprego; e da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, além do princípio da dignidade da pessoa humana”. De uma hora para a outra, a regra – que era clara – é alterada e usada contra o mesmo cidadão que seguia os conformes da lei. Esse é só mais um exemplo da insegurança jurídica do País e daquilo que chamamos de “custo Brasil”. Caro leitor, será que ficou claro agora por que o investidor gringo foge daqui?

Não há solução única para nos salvar. Evitar absurdos como estes levam tempo e requerem consensos na sociedade. Começar pela revogação de normas abstratas e subjetivas seria um bom começo aliado ao cumprimento, de fato, de jurisprudências já consolidadas. A imprevisibilidade pode fazer ruir o País. Mais do que nunca, inclusive para superar a crise com geração de emprego e renda em massa, precisamos abandonar de vez práticas que tumultuam nosso cotidiano.

A instabilidade político-institucional pode parecer distante à realidade do trabalhador, mas está diretamente relacionada à nossa baixa produtividade e pobreza generalizada. Até quando, afinal, o Judiciário brasileiro agirá com total discricionariedade e sem respeitar as regras do jogo? Até quando nós brasileiros iremos conviver com a perda de investimentos e empregos em virtude do subjetivismo de Juízes que parecem viver no mundo da Lua? Até quando aqueles que nada produzem poderão decidir, sem critério algum, o destino daqueles que trabalham, criam e geram riqueza? O parasitismo brasileiro não se contenta em apenas sugar o sangue: ao que parece, seu objetivo final é destruir o próprio hospedeiro.

*André Bolini é formado em Administração de Empresas pela FGV-SP e estudante de Direito pela USP. Com experiência no mercado financeiro, já trabalhou com a estruturação de títulos e análise de crédito do agronegócio. Sempre em busca de real impacto na sociedade, como ativista político em prol das liberdades econômicas e sociais.