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O preço do diesel e o capitalismo de compadrio

No capitalismo de compadrio, o sistema econômico é moldado por um relacionamento espúrio entre governo, grandes empresas e/ou grandes sindicatos

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institutomillenium

Publicado em 16 de abril de 2019 às 10h01.

Por João Luiz Mauad*

A recente decisão de Jair Bolsonaro de bloquear temporariamente o aumento do preço do diesel - na tentativa de acalmar os inquietos caminhoneiros, que ano passado provocaram um verdadeiro caos no país, a fim de obter benesses do governo à categoria - demonstra o quanto nosso país ainda é refém do chamado capitalismo de compadrio (também chamado de ‘capitalismo de estado’), malgrado atualmente contar com um ministro da economia francamente liberal.

A palavra “capitalismo” é usada de duas maneiras diferentes e antagônicas. Às vezes é usada como sinônimo de liberalismo, onde impera a liberdade econômica, a livre iniciativa, o livre comércio com poucas regulamentações e baixa interferência do estado na economia. Outras vezes é usado para significar uma economia que, apesar de manter a propriedade dos meios de produção em mãos privadas, é orientada a partir de vasta intervenção do governo nos assuntos privados, com muita interferência deste no domínio econômico.

Logicamente, o mesmo capitalismo não pode ser as duas coisas. Ou os mercados são livres (ou pelo menos majoritariamente livres), ou o governo os controla de forma estreita.

No capitalismo de compadrio, o sistema econômico é substancialmente moldado por um relacionamento espúrio entre governo, grandes empresas e/ou grandes sindicatos de trabalhadores. Misturando interesses públicos e privados, o governo concede uma variedade de privilégios ao setor privado, os quais seriam simplesmente impensáveis num sistema efetivamente liberal.

Leia mais
O que é capitalismo de Estado?

No capitalismo de compadrio, o governo é capturado por grupos de interesses, que o utilizam para promover transferência de riqueza e status, de uma parte da sociedade para os ‘amigos do rei’. Num processo lento, porém ininterrupto, castas influentes e bem articuladas obtêm privilégios especiais, contratos, empregos, benefícios fiscais, créditos baratos, resgates e proteções diversas, sempre às custas do imposto alheio. Não raro, depois de certo tempo, muitos dos empreendimentos financiados e protegidos pelo governo vão à bancarrota, deixando um rastro de prejuízos e dívidas para a sociedade. Por conta disso, diz-se que, no capitalismo de estado, os lucros são privados, mas os prejuízos são públicos

O capitalismo de compadrio é tão antigo quanto a nossa própria República, e não precisamos procurar muito para ver como o sistema econômico tupiniquim é dominado por ele.

Talvez o maior exemplo de quão danoso é o nosso capitalismo de compadrio seja o problema previdenciário que hoje enfrentamos. Castas de servidores públicos privilegiados e muito próximos dos poderosos obtiveram, ao longo do tempo, vantagens indevidas em suas aposentadorias e pensões, às custas dos demais contribuintes. Com o envelhecimento da população, a conta chegou e simplesmente não sabemos o que fazer com ela.

Mas há muitos outros exemplos. No passado recente, testemunhamos a vasta obtenção de vantagens por empresas enormes e bem articuladas politicamente junto ao BNDES, as quais deixaram para trás um rastro de corrupção e prejuízos ao Erário, difíceis de serem resgatados.

Querem mais? Graças a um poderoso "lobby" industrial, o Brasil tornou-se, ao longo do último século, uma das economias mais fechadas do mundo, para prejuízo do consumidor e benefício de grandes indústrias. Com a agravante de que a falta de concorrência ainda tornou nossa economia uma das últimas no ranking mundial de competitividade.

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Sem falar dos vastos subsídios agrícolas, que ainda fazem a cabeça de muitos políticos, burocratas e da própria opinião pública, como se viu recentemente, quando o presidente (dito liberal) impediu que fossem reduzidas as tarifas do leite em pó e proibiu a importação de bananas.

Diariamente, os jornais dão conta de renúncias fiscais maciças para empresas "nascentes", torrentes de dinheiro despejadas no sistema via subsídios de crédito e outros, além da produção de centenas de milhares de novas regulamentações todos os anos, as quais, na grande maioria dos casos, visam a proteger alguns setores, categorias profissionais (guildas?) e empresas da concorrência.

Apesar de tudo isso, os arautos do capitalismo de compadrio, na ilusão de que todos os problemas econômicos podem ser resolvidos pela vontade política, insistem em que o mundo precisa de ainda mais supervisão, mais intervenção, mais gastos e mais regulação estatal, o que fatalmente redundará em mais corporativismo e mais favorecimento. Até quando?

*Administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ), João Luiz Mauad é articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”. Escreve regularmente para o site do Instituto Liberal.

Por João Luiz Mauad*

A recente decisão de Jair Bolsonaro de bloquear temporariamente o aumento do preço do diesel - na tentativa de acalmar os inquietos caminhoneiros, que ano passado provocaram um verdadeiro caos no país, a fim de obter benesses do governo à categoria - demonstra o quanto nosso país ainda é refém do chamado capitalismo de compadrio (também chamado de ‘capitalismo de estado’), malgrado atualmente contar com um ministro da economia francamente liberal.

A palavra “capitalismo” é usada de duas maneiras diferentes e antagônicas. Às vezes é usada como sinônimo de liberalismo, onde impera a liberdade econômica, a livre iniciativa, o livre comércio com poucas regulamentações e baixa interferência do estado na economia. Outras vezes é usado para significar uma economia que, apesar de manter a propriedade dos meios de produção em mãos privadas, é orientada a partir de vasta intervenção do governo nos assuntos privados, com muita interferência deste no domínio econômico.

Logicamente, o mesmo capitalismo não pode ser as duas coisas. Ou os mercados são livres (ou pelo menos majoritariamente livres), ou o governo os controla de forma estreita.

No capitalismo de compadrio, o sistema econômico é substancialmente moldado por um relacionamento espúrio entre governo, grandes empresas e/ou grandes sindicatos de trabalhadores. Misturando interesses públicos e privados, o governo concede uma variedade de privilégios ao setor privado, os quais seriam simplesmente impensáveis num sistema efetivamente liberal.

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O capitalismo de compadrio é tão antigo quanto a nossa própria República, e não precisamos procurar muito para ver como o sistema econômico tupiniquim é dominado por ele.

Talvez o maior exemplo de quão danoso é o nosso capitalismo de compadrio seja o problema previdenciário que hoje enfrentamos. Castas de servidores públicos privilegiados e muito próximos dos poderosos obtiveram, ao longo do tempo, vantagens indevidas em suas aposentadorias e pensões, às custas dos demais contribuintes. Com o envelhecimento da população, a conta chegou e simplesmente não sabemos o que fazer com ela.

Mas há muitos outros exemplos. No passado recente, testemunhamos a vasta obtenção de vantagens por empresas enormes e bem articuladas politicamente junto ao BNDES, as quais deixaram para trás um rastro de corrupção e prejuízos ao Erário, difíceis de serem resgatados.

Querem mais? Graças a um poderoso "lobby" industrial, o Brasil tornou-se, ao longo do último século, uma das economias mais fechadas do mundo, para prejuízo do consumidor e benefício de grandes indústrias. Com a agravante de que a falta de concorrência ainda tornou nossa economia uma das últimas no ranking mundial de competitividade.

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Diariamente, os jornais dão conta de renúncias fiscais maciças para empresas "nascentes", torrentes de dinheiro despejadas no sistema via subsídios de crédito e outros, além da produção de centenas de milhares de novas regulamentações todos os anos, as quais, na grande maioria dos casos, visam a proteger alguns setores, categorias profissionais (guildas?) e empresas da concorrência.

Apesar de tudo isso, os arautos do capitalismo de compadrio, na ilusão de que todos os problemas econômicos podem ser resolvidos pela vontade política, insistem em que o mundo precisa de ainda mais supervisão, mais intervenção, mais gastos e mais regulação estatal, o que fatalmente redundará em mais corporativismo e mais favorecimento. Até quando?

*Administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ), João Luiz Mauad é articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”. Escreve regularmente para o site do Instituto Liberal.

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