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O Pensamento Científico como Norte para Políticas em Saúde Pública

A ciência é uma ferramenta. Uma bússola, não uma algema

O Pensamento Científico como Norte para Políticas em Saúde Públicablog (SILVIO AVILA / AFP/AFP)
O Pensamento Científico como Norte para Políticas em Saúde Públicablog (SILVIO AVILA / AFP/AFP)

O exame de papanicolaou tem capacidade de identificar quase 100% dos casos de câncer de colo do útero antes de se tornarem avançados. No Brasil, cerca de 30% das mulheres com câncer de colo do útero avançado fizeram o exame de papanicolaou conforme indicação adequada. Então por que sua acurácia na prática é inferior a encontrada nos estudos clínicos? A explicação serve como metáfora para uma discussão mais ampla.

Seja na academia ou fora dela, é tanto comum quanto curioso observarmos cientistas e intelectuais não adotarem a mesma ferramenta que utilizam em sua rotina de trabalho para oferecerem propostas em políticas públicas em saúde. O método científico, que levou a descobertas de tantas soluções e tecnologias, muitas vezes é negligenciado quando se trata de implementá-las. E antes de alguém, simploriamente, pensar que se trata de uma postura positivista ou tecnocrática, é de bom tom explicitar que a prática baseada em evidências leva em conta, além do conhecimento científico, a experiência pessoal e a vontade do beneficiário (no presente caso a população). A ciência é uma ferramenta. Uma bússola, não uma algema.

Nosso atual modelo de saúde pública tem se mostrado falho e piorado ao longo dos anos. Enquanto outros países de realidades econômicas semelhantes têm aumentado os casos de detecção precoce de câncer, no Brasil, vimos um aumento de 53% para 62% nos casos de câncer avançado ao diagnóstico nos últimos 13 anos, por exemplo.

Continuamos, ano após ano, a negar a capacidade inventiva e de solucionar problemas da iniciativa privada, em especial na área da saúde. A consecução da lei do terceiro setor, com diversas OSs e OSCIPs associadas à corrupção, é outro exemplo do nosso fracasso. Investimos em burocracia, não em soluções. Muitas leis e regimentos que separam a sociedade civil da prestação de serviço em saúde para toda a população. Repassamos também cada vez mais recursos públicos às fundações centenárias que poucas tecnologias inventam na prática. Quando iremos começar a fazer as contas diretas e indiretas dos recursos empregados em Butantan ou FioCruz e qual seu saldo em soluções criadas (e não replicadas) para a sociedade? O que poderíamos obter da iniciativa privada com esse recurso? Quantas empresas brasileiras de biotecnologia não poderiam ter se desenvolvido sem a sombra e o protecionismo inócuo a entidades enormes e pouco eficientes?

Outra questão relevante é nossa cultura universitária, que muitas vezes valoriza a produção científica em quantidade, em detrimento a avanços científicos significativos. Devemos buscar não apenas gerar (replicar) ciência, mas sim soluções práticas que beneficiem a sociedade. Em artigo recente, Johan S. G. Chu da Northwestern University, demonstrou que o estímulo à produção científica em quantidade gera perniciosas distorções que impedem paradoxalmente o avanço científico. Em 2017, a USP tinha menos de 1300 patentes depositadas em toda sua história. Apenas naquele ano a Universidade da Califórnia depositou 478 patentes. E o que mais assusta não é essa discrepância quantitativa, mas a quase nulidade da utilização desses produtos para geração de riqueza ou soluções para sociedade. Os royalties de R$1,4 milhões do Vonau Flash® correspondem a quase 60% de tudo o que a USP arrecadou com royalties em 2017. As outras 1.298 patentes renderam aproximadamente R$1 milhão. A USP, segundo artigo publicado por ela, está classificada como a “12ª universidade que mais produziu ciência em 2022”. Ao olharmos para produção de tecnologias em si, não seria errado dizermos que geramos muitos artigos científicos, mas pouca ciência. O que nossa sociedade busca? Que nossas universidades produzam cientista que por sua vez gerem soluções à sociedade? Se for isso, somos ineficientes.

Voltando ao exemplo do papanicolaou, fica claro que a diferença entre eficácia medida em laboratório e efetividade na vida real é crucial. Os desafios práticos, como a capacitação adequada de profissionais de saúde, os recursos disponíveis e a adesão dos pacientes, afetam o sucesso do exame. De maneira similar, nossa política de saúde pública muitas vezes se mostra ineficiente e baseada mais em princípios ideológicos do que em evidências sólidas.

Para melhorar nossa saúde pública, é fundamental que o modelo adotado seja construído a partir dos resultados que se espera alcançar, e não escolher o modelo pautado por teorias a priori ou de gabinete, como diria Burke. Devemos aplicar o método científico para orientar nossas políticas públicas de saúde, buscando soluções com base em evidências reais. Ao fazer isso, podemos enfrentar os desafios de forma mais eficiente e impactante.

Neste espaço, pretendo discutir mensalmente exemplos reais e possíveis soluções para nossos desafios em saúde pública, utilizando uma abordagem fundamentada no pensamento científico.