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O paradoxo da IA: mais inteligente do que nunca, mas ainda bastante limitada

Segundo o Paradoxo de Jevons, o aumento da eficiência no uso de um recurso não necessariamente leva à redução do seu consumo total

O Paradoxo da IA: mais inteligente do que nunca, mas ainda bastante limitada (Reprodução/Thinkstock)
O Paradoxo da IA: mais inteligente do que nunca, mas ainda bastante limitada (Reprodução/Thinkstock)

Enquanto reflito sobre o futuro da inteligência artificial, não posso deixar de pensar no famoso Paradoxo de Jevons. Esse fenômeno econômico, observado pelo britânico William Stanley Jevons durante a Revolução Industrial, nos ensinou que o aumento da eficiência no uso de um recurso não necessariamente leva à redução do seu consumo total. Pelo contrário, a maior eficiência tende a aumentar a demanda e, consequentemente, o consumo desse recurso [1]. Mas o que isso tem a ver com IA, você pode estar se perguntando. Bem, assim como as máquinas a vapor se tornaram mais eficientes e amplamente adotadas na época de Jevons, levando a um aumento no consumo de carvão, a IA está se tornando cada vez mais sofisticada e integrada em nossas vidas. No entanto, assim como o carvão, a IA é um recurso que deve ser utilizado com cuidado e sabedoria. 

Marc Andreessen, o visionário da internet por trás da Netscape e agora um proeminente investidor de venture capital, recentemente refletiu sobre o paradoxo da IA em um podcast fascinante [2]. Ele observou que, à medida que a IA se torna mais avançada, fica cada vez mais claro o quanto ela ainda luta para realmente entender o mundo ao seu redor. É como se estivéssemos criando papagaios estatísticos cada vez mais sofisticados, capazes de imitar a inteligência humana de maneira impressionante, mas sem compreensão genuína. Andreessen cita exemplos como a dificuldade da IA em entender piadas, sarcasmo ou contexto cultural, apesar de sua capacidade de gerar textos aparentemente coerentes e persuasivos. 

Isso me lembra a obra-prima distópica de Aldous Huxley, "Admirável Mundo Novo". Nesse futuro sombrio, a tecnologia não apenas facilita a vida das pessoas, mas acaba por dominá-las de maneiras imprevistas, cerceando a liberdade e a criatividade humanas [3]. É um alerta poderoso sobre os perigos de abraçar cegamente o progresso tecnológico sem considerar suas possíveis consequências. 

Mas nem tudo são trevas e pessimismo. A IA tem o potencial de transformar muito positivamente a educação, como argumenta Salman Khan em seu recente livro "Brave New Words: How AI Will Revolutionize Education (and Why That's a Good Thing)" [4]. Khan compartilha uma experiência fascinante em que sua filha Diya criou uma história interativa com a ajuda de uma personagem fictícia chamada Samantha, que respondia em tempo real às perguntas e interações de Diya. Esse exemplo notável ilustra como a IA pode ser usada para criar experiências de aprendizagem altamente personalizadas e envolventes. 

No entanto, como o próprio título do livro de Khan sugere, numa clara alusão à obra de Huxley, devemos ser corajosos ao navegar por essas palavras – e mundos – novos e desconhecidos. A implementação da IA na educação deve ser feita com cuidado e intencionalidade, sempre com o objetivo de capacitar os alunos e expandir seu potencial, não limitá-los ou substituir o elemento humano essencial da aprendizagem. 

Voltando ao Paradoxo de Jevons, podemos esperar que, à medida que a IA se torna mais eficiente e amplamente adotada, seu uso total provavelmente aumentará. Mas cabe a nós, como sociedade, garantir que esse uso seja direcionado para fins positivos e construtivos. Assim como Jevons argumentou que o aumento da eficiência energética poderia ajudar a conservar recursos limitados como o carvão, devemos nos esforçar para aproveitar a IA de maneiras que nos ajudem a enfrentar os desafios globais e melhorar a condição humana. 

Isso significa usar a IA para personalizar e otimizar a educação, sim, mas também para enfrentar as mudanças climáticas e tentar evitar calamidades como a ocorrida no sul do Brasil [5], avançar na pesquisa médica, reduzir a desigualdade e promover a compreensão e a cooperação globais. Em outras palavras, devemos nos esforçar para criar não um admirável mundo novo, mas um mundo melhor e mais nobre, um que aproveite o poder da tecnologia sem se curvar a ela. 

Podemos observar esse paradoxo no Brasil em diversas áreas. Por exemplo, temos visto um aumento do consumo de energia apesar dos ganhos de eficiência energética ao longo das décadas [6]. A mesma lógica se aplica ao crescimento da frota de veículos particulares e os desafios de mobilidade urbana, mesmo com investimentos em infraestrutura rodoviária [7]. Além disso, a expansão do agronegócio e o desmatamento continuam a ocorrer, apesar dos avanços tecnológicos na agricultura [8]. 

Pode parecer uma tarefa assustadora, navegar nesse estranho novo mundo de IA e possibilidades tecnológicas. Mas com coragem, sabedoria e um compromisso inabalável com nossos valores mais elevados, acredito que podemos enfrentar o paradoxo da IA e moldar um futuro que seja não apenas mais inteligente, mas verdadeiramente melhor. Afinal, a verdadeira inteligência não é medida apenas pelo QI ou pelo poder de processamento, mas pela empatia, compaixão, criatividade e uma busca incansável para melhorar a nossa realidade. E nesses aspectos, por enquanto, ainda somos insuperáveis. 

Referências: 

[1] Jevons, W. S. (1865). The Coal Question; An Inquiry Concerning the Progress of the Nation, and the Probable Exhaustion of Our Coal Mines. Macmillan and Co.   

[2] Andreessen, M. (2023, April 14). AI and the Future of Technology [Audio podcast episode]. In Andreessen Horowitz Podcast. a16z. https://a16z.com/2023/04/14/ai-and-the-future-of-technology/  

[3] Huxley, A. (1932). Brave New World. Chatto & Windus. 

[4] Khan, S. (2024). Brave New Words: How AI Will Revolutionize Education (and Why That's a Good Thing). Viking. 

[5] BBC News Brasil. (2023, June 10). Chuvas causam mortes e destruição no Sul do Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62218304  

[6] Empresa de Pesquisa Energética. (2022). Balanço Energético Nacional 2022. https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-2022  

[7] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2021). Frota de Veículos. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/transporte-e-comunicacao/9787-frota-de-veiculos.html  

[8] MapBiomas. (2021). Relatório Anual do Desmatamento no Brasil 2021. https://mapbiomas.org/relatorios