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O Papai Noel ainda não chegou no Brasil?

A chamada “brasilidade", frequentemente celebrada como criatividade e adaptação, revela seu custo quando elevada a método econômico

 (Redes Sociais/@e_oliveira_one/Reprodução)

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Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 19 de dezembro de 2025 às 20h15.

Por Maria Eduarda Vargas, diretora de Projetos do Instituto Atlantos

 

O que Portugal esperava do Brasil no século XVI: construir um país ou receber um presente? Quando a Coroa portuguesa aportou nestas terras, não trouxe um projeto de desenvolvimento, mas uma expectativa. Ouro, açúcar, pau-brasil. Riquezas extraídas, enviadas e consumidas do outro lado do Atlântico. A lógica econômica era simples: aproveitar o fluxo enquanto durasse. Planejamento institucional, poupança interna e diversificação produtiva ficariam para depois.

Cinco séculos depois, o ano fiscal se encerra e a pergunta permanece incômoda. O Brasil fecha as contas ou segue esperando recompensas? Os dados de 2024 indicam crescimento moderado, consumo resiliente e arrecadação elevada, mas também revelam uma dívida bruta próxima de 76% do PIB, déficit primário recorrente e investimento público estruturalmente baixo. Se a arrecadação cresce, por que a sensação de instabilidade fiscal persiste? A resposta não está apenas na política econômica do presente, mas na herança institucional do passado.

A economia colonial ensinou que prosperidade não era construída, mas recebida. Não se tratava de criar riqueza, mas de capturá-la. Essa mentalidade atravessou os séculos e reapareceu sob novas formas. Hoje, a expectativa não recai mais sobre navios vindos de Lisboa, mas sobre um Estado paternalista. Sempre haverá um novo ciclo de crescimento, um novo programa, uma nova política pública capaz de compensar desequilíbrios estruturais sem exigir escolhas difíceis.

O fechamento de 2025 explicita esse padrão. A arrecadação federal cresce impulsionada por inflação passada, aumento de carga efetiva e receitas extraordinárias, enquanto a despesa obrigatória segue pressionando o orçamento. Regras fiscais são reformuladas antes de produzirem efeitos de médio prazo. Arcabouços recebem exceções sucessivas. Assim, a previsibilidade, elemento central para decisões de investimento, se dilui. Dessa forma, até quando as receitas temporárias continuarão sendo tratadas como permanentes?

Além disso, exclusivamente, o mês de dezembro reforça esse fenômeno. Enquanto economias maduras utilizam o fim do ano para ajuste de expectativas, o Brasil entra em modo festivo. O consumo acelera, o crédito se expande e a lógica econômica cede espaço ao presente. O imaginário coletivo se organiza em torno de uma figura que entrega sem perguntar: O Papai Noel.

Afinal, o Papai Noel não cobra contrapartidas. Ele distribui. Não exige produtividade, não questiona orçamento, não explica de onde vem o dinheiro. Essa lógica infantilizada do consumo dialoga diretamente com a forma como o Estado é percebido. Benefícios são esperados como direito imediato; limites fiscais, como obstáculo abstrato. Quando o presente não chega, a frustração recai sobre quem não distribuiu o suficiente. Não é essa a lógica que sustenta o paternalismo estatal?

Do ponto de vista econômico, esse comportamento produz efeitos mensuráveis. O investimento privado permanece contido, apesar do mercado consumidor robusto. A taxa de juros real segue entre as mais altas do mundo, reflexo direto de risco fiscal e insegurança institucional. Não se trata de uma opção ideológica da política monetária, mas do prêmio exigido por investidores diante de um ambiente em que compromissos são constantemente reavaliados.

A chamada “brasilidade", frequentemente celebrada como criatividade e adaptação, revela seu custo quando elevada a método econômico. O improviso pode funcionar no cotidiano, mas cobra um preço elevado quando institucionalizado. Douglass North já demonstrava que as economias prosperam não apenas por recursos ou talento, mas pela qualidade das instituições e pela estabilidade das regras. Sem isso, o crescimento tende a ser episódico, não cumulativo.

Nesse ponto, o liberalismo econômico costuma ser mal interpretado no debate público brasileiro. Não propõe negar a identidade nacional nem eliminar o papel do Estado, mas exigir responsabilidade intertemporal. Não se trata de menos proteção social, mas de proteção financiável. Economias não se fortalecem distribuindo presentes, mas organizando incentivos que alinhem crescimento, produtividade e sustentabilidade fiscal.

Ao final do ano fiscal, o retrato é claro. O Brasil já não envia ouro para Portugal, mas preserva a lógica de esperar que a prosperidade chegue pronta, como se viesse de fora. A economia deixou de ser colônia formal, mas ainda opera sob reflexos coloniais: consumo no presente, promessa no futuro, ajuste sempre adiado.

Talvez a pergunta que encerra este ano não seja se o Papai Noel chegou, mas se o país ainda espera, como no século XVI, que alguém traga de fora aquilo que só pode ser construído por dentro.