As terras-raras são um grupo de 17 metais indispensáveis para a fabricação de produtos de alta tecnologia (Frederic J. Brown/AFP)
Instituto Millenium
Publicado em 5 de dezembro de 2025 às 20h55.
*Matheus Gonzalez, sócio e head da Liberta Wealth e associado do Instituto de Estudos Empresariais (IEE)
Terras raras. O termo soa exótico, mas esses dezessete elementos químicos já definem o futuro da economia global. Ímãs de neodímio em motores de data centers de inteligência artificial, cátodos em baterias de veículos elétricos, componentes essenciais em sistemas de defesa militar, drones e satélites. Enquanto o mundo investe bilhões em transição energética e corrida tecnológica, a China mantém sob seu controle 90% do processamento global desses minerais. Não é hegemonia comercial, é arma geopolítica.
O Brasil possui a segunda maior reserva mundial de terras raras, com 21 milhões de toneladas, 23% do total global, distribuídas em cinco estados: Minas Gerais, Goiás, Amazonas, Bahia e Sergipe. A natureza nos foi generosa, nos concedeu uma vantagem comparativa. Aqui os depósitos encontram-se em forma de argila, não em rochas. A erosão natural eliminou etapas caras de beneficiamento e garantiu menor impacto ambiental no processo de separação dos minerais. Combinação perfeita para atrair capital externo. O custo operacional estimado é de apenas US$ 8,8 por quilo de óxido, o que torna a exploração viável mesmo em cenários de preços baixos. Projetos brasileiros competem economicamente com qualquer produtor global. A oportunidade está aqui. A pergunta é: faremos algo com ela?
Há trinta projetos em desenvolvimento hoje no Brasil, porém apenas um está em operação, o de Serra Verde, em Minaçu (GO), após quatorze anos de preparação e US$ 150 milhões investidos. Quatorze anos. Uma década e meia de estudos geológicos, licenças ambientais e capital intensivo. É nesse ritmo que o Brasil quer andar em um mercado competitivo?
Enquanto isso, a demanda global cresce rapidamente. A Agência Internacional de Energia aponta que até 2040 haverá necessidade de ampliar a oferta desses minerais em sete vezes. Atualmente, a China controla 60% da extração e utiliza esse monopólio como arma política. Durante a guerra tarifária, suspendeu a exportação para os Estados Unidos. Washington não ficou para trás e anunciou investimento de US$ 1,4 bilhão em startups de terras raras, Vulcan Elements e ReElement Technologies, sinalizando que compreendeu a criticidade estratégica do setor. Hoje todo país desenvolvido reconhece que quem controla esse fornecimento define quem lidera a economia do futuro.
O Brasil reconheceu. Lula ressuscitou o Conselho Nacional de Política Mineral em outubro, incluindo terras raras na agenda. O Projeto de Lei 2.780 tramita em Brasília, propondo incentivos fiscais, crédito facilitado e aportes em pesquisa. Tudo correto, mas insuficiente.
A realidade é que o governo sinalizou apoio com R$ 5 bilhões. A demanda do setor privado para transformação de minerais estratégicos soma R$ 85 bilhões. Dezessete vezes menor. O hiato não é de política, é de comprometimento. Tecnicamente, o desafio é conhecido. Refino de terras
raras leva, no mínimo, quatro anos para entrar em operação. Considerando a defasagem tecnológica brasileira em separação e purificação, além dos trâmites ambientais imprevisíveis, esse prazo pode se estender para quinze a vinte anos.
Mas por que o refino é importante? O valor capturado é significativo. A exportação do concentrado misto vale US$ 10 por quilo. Já os óxidos separados variam entre US$ 50 a US$ 200, e ímãs permanentes de performance, milhares de dólares por quilo. Sem refino local, o Brasil exporta riqueza bruta. É muito dinheiro deixado na mesa.
Perder uma oportunidade infelizmente é um cenário que já conhecemos – vide o bônus demográfico desperdiçado, a exploração do pré-sal mal estruturada e a Copa do Mundo de 2014 com obras incompletas. O padrão brasileiro é a improvisação institucional disfarçada de política pública estruturada. Agora, terras raras. A janela de oportunidade é estreita. Exigências geológicas robustas, capital paciente, horizonte de quinze a vinte anos. Risco técnico alto, retorno longo. Investidores globais cogitam, mas aguardam sinais de comprometimento político real.
O Brasil pode ser protagonista. Temos recursos abundantes, matriz energética limpa, estabilidade democrática, depósitos de alta qualidade. Mas política industrial coordenada que agregue valor localmente não é luxo, é mandatório. Sem ela, repetimos o erro colonial de exportamos minério bruto enquanto outros beneficiam e ficam com a maior parte do lucro. Desta vez, não há desculpa. A oportunidade está mapeada, a demanda é crescente e o mercado está em expansão. A decisão é política, e a janela não permanecerá aberta para sempre.