O melhor de dois mundos
Desenhar mecanismos para capturar o que há de mais eficiente nos setores público e privado é o xis da questão
Especialista em parcerias público-privadas
Publicado em 5 de setembro de 2023 às 11h51.
O debate sobre os limites da intervenção do Estado na liberdade de empresas e pessoas sempre acirrou os ânimos. Muitas vezes abordado numa dicotomia partidária e ideológica, deveria se pautar mais pelas necessidades e contextos no qual está inserido e sempre com foco no bem-estar das pessoas e no meio ambiente. É fato que em determinadas circunstâncias, as entidades privadas agindo livremente segundo seus interesses podem gerar prejuízos para a coletividade, exigindo algum grau de controle estatal. O que não significa, entretanto, que o poder público é necessariamente melhor, pois este também enfrenta desafios relacionados à falta de recursos, burocracia excessiva e patrimonialismo, entre outros. Desenhar mecanismos para capturar o melhor dos mundos privado e público é o xis da questão.
A criação das unidades de conservação para promover a preservação do meio ambiente é um bom exemplo da busca por esse equilíbrio. Isso porque a natureza e seus serviços ecossistêmicos, como a melhor regulação das chuvas ou a manutenção de polinizadores em áreas vizinhas às regiões de produção agrícola, para citar alguns, são bens públicos (na literatura econômica, não excludentes e não rivais), o que faz com que sob a perspectiva privada, o investimento em sua conservação não seja compensado pelos benefícios gerados, por mais meritórios que sejam, pois estes são compartilhados com todos.
A qualidade do ar ilustra bem a questão. O fato de um indivíduo cuidar da qualidade do ar não impede que todos os demais respirem um ar mais limpo. Como resultado, há um incentivo para que todos fiquem esperando que alguém se movimente primeiro para aproveitar os benefícios gerados e acaba que ninguém se mexe. Nessas situações, a mão do estado se faz necessária para garantir ou incentivar que o conjunto da sociedade caminhe na direção que melhore o bem-estar de todos.
Outro caso é a competição pela ocupação e uso do solo, que, se não adequadamente regrada, pode representar uma ameaça ao meio ambiente. A título de exemplo, entre meados do século XIX e XX, o cultivo desenfreado de café no Brasil e o desenvolvimento imobiliário no entorno das lavouras foram importantes responsáveis pela degradação da Mata Atlântica, que hoje possui pouco mais de 24% de sua cobertura original. Somente nos anos 1930 que o Brasil começou a contar com legislações ambientais específicas e a criação de unidades de conservação no intento de mudar essa trajetória, arcabouço atualmente alicerçado principalmente na Constituição de 1988 e no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), formalmente criado em 2000.
Mas ainda que a criação de uma unidade de conservação seja uma resposta do poder público para regular a preservação da natureza, sua implementação e gestão, assim como a provisão de infraestrutura e serviços em seu território, não são necessariamente exclusividade do Estado. Há possibilidades de mecanismos regulatórios e incentivos, que se adequadamente desenhados, podem garantir sua oferta pela iniciativa privada de forma atrativa e alinhada aos interesses da sociedade, se beneficiando ainda da flexibilidade, conhecimento especializado e capacidade de investimento das empresas.
Esse entendimento tem prevalecido no Brasil nos últimos anos. A adoção de parcerias entre os setores público e privado para apoiar o desenvolvimento das unidades de conservação têm crescido velozmente como alternativa para superar os desafios da gestão estatal e potencializar o papel catalizador das transformações socioambientais desses espaços.
Somente nos últimos cinco anos, 21 parques naturais foram objeto de parcerias público-privadas para o aprimoramento da oferta de infraestrutura e serviços turísticos, além da promoção de iniciativas de conservação e desenvolvimento local. Atualmente, outros 39 projetos se encontram em gestação, em distintos níveis de maturidade e abarcando inúmeros governos estaduais e municipais, além do federal, independentemente de inclinações político-partidárias.
O mesmo ocorre com a recente retomada dos programasde concessões em florestas públicasvoltadas ao manejo florestal sustentável ou restauro da cobertura vegetal nativa. O Serviço Florestal Brasileiro e alguns órgãos gestores estaduais, além de importantes entidades de fomento, como o BNDES e o BID, tem dado passos promissores nessa direção. Recentemente, a ministra Marina Silva declarou que pretende buscar empresas para um programa de recuperação de florestas para reflorestamento de 12 milhões de hectares até 2030, a partir concessões de manejo florestal, incluindo créditos de carbono.
São movimentos que caminham na direção de construir relações de complementaridade entre governos e a iniciativa privada e que sinalizam o amadurecimento necessário para superar posicionamentos meramente dogmáticos e partidários, que por tantas vezes atrasaram iniciativas relevantes para o desenvolvimento do país. Espera-se que com essa movimentação conjunta seja possível avançar com os programas de valorização socioeconômica de nosso patrimônio ambiental, com responsabilidade, de maneira inclusiva e sustentável, e promovendo o desenvolvimento econômico que tanto precisamos.
*Fernando Pieroni é diretor-presidente do Instituto Semeia
O debate sobre os limites da intervenção do Estado na liberdade de empresas e pessoas sempre acirrou os ânimos. Muitas vezes abordado numa dicotomia partidária e ideológica, deveria se pautar mais pelas necessidades e contextos no qual está inserido e sempre com foco no bem-estar das pessoas e no meio ambiente. É fato que em determinadas circunstâncias, as entidades privadas agindo livremente segundo seus interesses podem gerar prejuízos para a coletividade, exigindo algum grau de controle estatal. O que não significa, entretanto, que o poder público é necessariamente melhor, pois este também enfrenta desafios relacionados à falta de recursos, burocracia excessiva e patrimonialismo, entre outros. Desenhar mecanismos para capturar o melhor dos mundos privado e público é o xis da questão.
A criação das unidades de conservação para promover a preservação do meio ambiente é um bom exemplo da busca por esse equilíbrio. Isso porque a natureza e seus serviços ecossistêmicos, como a melhor regulação das chuvas ou a manutenção de polinizadores em áreas vizinhas às regiões de produção agrícola, para citar alguns, são bens públicos (na literatura econômica, não excludentes e não rivais), o que faz com que sob a perspectiva privada, o investimento em sua conservação não seja compensado pelos benefícios gerados, por mais meritórios que sejam, pois estes são compartilhados com todos.
A qualidade do ar ilustra bem a questão. O fato de um indivíduo cuidar da qualidade do ar não impede que todos os demais respirem um ar mais limpo. Como resultado, há um incentivo para que todos fiquem esperando que alguém se movimente primeiro para aproveitar os benefícios gerados e acaba que ninguém se mexe. Nessas situações, a mão do estado se faz necessária para garantir ou incentivar que o conjunto da sociedade caminhe na direção que melhore o bem-estar de todos.
Outro caso é a competição pela ocupação e uso do solo, que, se não adequadamente regrada, pode representar uma ameaça ao meio ambiente. A título de exemplo, entre meados do século XIX e XX, o cultivo desenfreado de café no Brasil e o desenvolvimento imobiliário no entorno das lavouras foram importantes responsáveis pela degradação da Mata Atlântica, que hoje possui pouco mais de 24% de sua cobertura original. Somente nos anos 1930 que o Brasil começou a contar com legislações ambientais específicas e a criação de unidades de conservação no intento de mudar essa trajetória, arcabouço atualmente alicerçado principalmente na Constituição de 1988 e no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), formalmente criado em 2000.
Mas ainda que a criação de uma unidade de conservação seja uma resposta do poder público para regular a preservação da natureza, sua implementação e gestão, assim como a provisão de infraestrutura e serviços em seu território, não são necessariamente exclusividade do Estado. Há possibilidades de mecanismos regulatórios e incentivos, que se adequadamente desenhados, podem garantir sua oferta pela iniciativa privada de forma atrativa e alinhada aos interesses da sociedade, se beneficiando ainda da flexibilidade, conhecimento especializado e capacidade de investimento das empresas.
Esse entendimento tem prevalecido no Brasil nos últimos anos. A adoção de parcerias entre os setores público e privado para apoiar o desenvolvimento das unidades de conservação têm crescido velozmente como alternativa para superar os desafios da gestão estatal e potencializar o papel catalizador das transformações socioambientais desses espaços.
Somente nos últimos cinco anos, 21 parques naturais foram objeto de parcerias público-privadas para o aprimoramento da oferta de infraestrutura e serviços turísticos, além da promoção de iniciativas de conservação e desenvolvimento local. Atualmente, outros 39 projetos se encontram em gestação, em distintos níveis de maturidade e abarcando inúmeros governos estaduais e municipais, além do federal, independentemente de inclinações político-partidárias.
O mesmo ocorre com a recente retomada dos programasde concessões em florestas públicasvoltadas ao manejo florestal sustentável ou restauro da cobertura vegetal nativa. O Serviço Florestal Brasileiro e alguns órgãos gestores estaduais, além de importantes entidades de fomento, como o BNDES e o BID, tem dado passos promissores nessa direção. Recentemente, a ministra Marina Silva declarou que pretende buscar empresas para um programa de recuperação de florestas para reflorestamento de 12 milhões de hectares até 2030, a partir concessões de manejo florestal, incluindo créditos de carbono.
São movimentos que caminham na direção de construir relações de complementaridade entre governos e a iniciativa privada e que sinalizam o amadurecimento necessário para superar posicionamentos meramente dogmáticos e partidários, que por tantas vezes atrasaram iniciativas relevantes para o desenvolvimento do país. Espera-se que com essa movimentação conjunta seja possível avançar com os programas de valorização socioeconômica de nosso patrimônio ambiental, com responsabilidade, de maneira inclusiva e sustentável, e promovendo o desenvolvimento econômico que tanto precisamos.
*Fernando Pieroni é diretor-presidente do Instituto Semeia