O Futuro da IA e a Máquina do Tempo de Acemoglu
Concentração de poder na IA preocupa especialistas. Mas, será que o perigo real é justamente o contrário?
Instituto Millenium
Publicado em 30 de maio de 2023 às 17h48.
Última atualização em 31 de maio de 2023 às 08h35.
Por Diogo Costa, CEO do Instituto Millenium
Daron Acemoglu, economista do MIT, tem se tornado uma das vozes mais críticas no debate sobre o desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA). Junto ao também economista Simon Johnson, Acemoglu recentemente lançou o livro " Power and Progress " esclarecendo sua visão histórica do avanço tecnológico da humanidade, e expressando sua preocupação com os mais recentes desdobramentos. Apesar da promessa de automação reduzir o esforço e aumentar a capacidade humana, os autores se preocupam no poder de tecnologias digitais intensificarem a estratificação social, fazendo com que as diferenças sociais se tornem mais profundas e marcantes.
"Hoje estamos nos aproximando mais da distopia futurista da Máquina do Tempo de H.G. Wells", escrevem Acemoglu e Johnson. Wells retratava uma sociedade futura onde a tecnologia causaria uma divisão social tão drástica que as pessoas acabariam evoluindo para formar duas espécies distintas. De acordo com Acemoglu e Johnson, poderíamos estar à beira de uma situação similar. Um lado dessa divisão seria composto por uma grande massa de trabalhadores descartáveis, considerados "propensos a erros". Do outro lado, estariam as gigantes tecnológicas, como Google, Facebook e Microsoft, que, graças às tecnologias digitais, teriam uma concentração sem precedentes de poder e informação.
Essas gigantes tecnológicas estão de fato investindo recursos significativos para se posicionarem na vanguarda da IA, muitas vezes associando-se a empresas pioneiras na área. No entanto, podemos questionar se a IA, por sua natureza, confere a essas grandes empresas um controle e um poder monopolista sem precedentes.
Uma resposta possível a essa questão veio através de um memorando vazado do Google, cujo título, traduzido para o português, seria "Não possuímos fosso de proteção (e a OpenAI também não)". O documento, escrito por um engenheiro cuja identidade não foi divulgada, questiona suposições antigas sobre o equilíbrio de poder na indústria da IA. Enquanto Google e OpenAI se colocam numa corrida tecnológica, o texto chama a atenção pela capacidade de projetos de código aberto em resolver problemas de maneira rápida e eficiente.
Segundo o memorando, os modelos de IA de código aberto estão se desenvolvendo a um ritmo mais acelerado que os das grandes empresas de tecnologia. Além de resolverem problemas com mais eficácia e em menos tempo, esses modelos são ainda mais personalizáveis e respeitam mais a privacidade. Startups e pesquisadores dessa comunidade estão alcançando resultados similares aos de modelos proprietários mais avançados, usando recursos gratuitos disponíveis online. Isso desafia a ideia de que a IA será dominada por um pequeno grupo de empresas com recursos abundantes.
O documento pode ser interpretado como um sinal de possível mudança no ecossistema da IA. As barreiras para treinamento e experimentação em IA têm diminuído significativamente, o que democratiza o acesso à tecnologia. Portanto, grandes empresas de tecnologia não estão mais protegidas por barreiras à entrada de concorrentes de código aberto.
O valor de mercado da OpenAI, atualmente em torno de $30 bilhões, corrobora essa visão. Embora esse valor pareça elevado, é modesto quando comparado com gigantes da tecnologia como Apple (com valor de mercado de $2.7 trilhões), Google ($1.5 trilhões) ou até mesmo a surpreendente Nvidia, que em maio superou a marca de $1 trilhão. Isso sugere que os benefícios da IA não são exclusivos dos proprietários e criadores de grandes modelos algorítmicos. Existem oportunidades de geração de valor em outras áreas do ecossistema da IA - como em aplicações, análise de dados, hardware e serviços. A IA não é um jogo de soma zero, e seus benefícios podem ser compartilhados de maneira mais ampla.
Esse cenário em que a tecnologia de IA tenha sua cadeia de valor mais distribuída, e em que seu desenvolvimento possa ser realizado por indivíduos e entidades menores e sem fins lucrativos, contradiz a visão de Acemoglu da IA como uma tecnologia que, por conta própria, concentra riqueza e poder. A própria concentração de talentos na área, que Acemoglu vê como um componente de desigualdade em nosso futuro, não parece estar se concretizando no mundo da IA. Pelo contrário, o desenvolvimento de ferramentas de programação em linguagem natural e de geração de arte visual e musical através de comandos comuns, permite que mais pessoas criem software de forma mais fácil e democrática.
Na verdade, as preocupações de Acemoglu sobre a concentração de poder na indústria da IA podem virar 180 graus em breve. Talvez a atenção dos especialistas sobre a consolidação de poder econômico e político em breve passe para o temor da descentralização excessiva. Essa ampla distribuição de capacidades de IA pode levar a uma nova fronteira "faroeste" da tecnologia, mais difícil de controlar, regular e prever - um mundo onde a IA não está apenas nas mãos de algumas empresas, mas potencialmente nas mãos de todos.
Não podemos perder de vista a ironia: a própria democratização que deveria aliviar as preocupações de Acemoglu pode se tornar o novo vilão a ser enfrentado por especialistas e reguladores.
Por Diogo Costa, CEO do Instituto Millenium
Daron Acemoglu, economista do MIT, tem se tornado uma das vozes mais críticas no debate sobre o desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA). Junto ao também economista Simon Johnson, Acemoglu recentemente lançou o livro " Power and Progress " esclarecendo sua visão histórica do avanço tecnológico da humanidade, e expressando sua preocupação com os mais recentes desdobramentos. Apesar da promessa de automação reduzir o esforço e aumentar a capacidade humana, os autores se preocupam no poder de tecnologias digitais intensificarem a estratificação social, fazendo com que as diferenças sociais se tornem mais profundas e marcantes.
"Hoje estamos nos aproximando mais da distopia futurista da Máquina do Tempo de H.G. Wells", escrevem Acemoglu e Johnson. Wells retratava uma sociedade futura onde a tecnologia causaria uma divisão social tão drástica que as pessoas acabariam evoluindo para formar duas espécies distintas. De acordo com Acemoglu e Johnson, poderíamos estar à beira de uma situação similar. Um lado dessa divisão seria composto por uma grande massa de trabalhadores descartáveis, considerados "propensos a erros". Do outro lado, estariam as gigantes tecnológicas, como Google, Facebook e Microsoft, que, graças às tecnologias digitais, teriam uma concentração sem precedentes de poder e informação.
Essas gigantes tecnológicas estão de fato investindo recursos significativos para se posicionarem na vanguarda da IA, muitas vezes associando-se a empresas pioneiras na área. No entanto, podemos questionar se a IA, por sua natureza, confere a essas grandes empresas um controle e um poder monopolista sem precedentes.
Uma resposta possível a essa questão veio através de um memorando vazado do Google, cujo título, traduzido para o português, seria "Não possuímos fosso de proteção (e a OpenAI também não)". O documento, escrito por um engenheiro cuja identidade não foi divulgada, questiona suposições antigas sobre o equilíbrio de poder na indústria da IA. Enquanto Google e OpenAI se colocam numa corrida tecnológica, o texto chama a atenção pela capacidade de projetos de código aberto em resolver problemas de maneira rápida e eficiente.
Segundo o memorando, os modelos de IA de código aberto estão se desenvolvendo a um ritmo mais acelerado que os das grandes empresas de tecnologia. Além de resolverem problemas com mais eficácia e em menos tempo, esses modelos são ainda mais personalizáveis e respeitam mais a privacidade. Startups e pesquisadores dessa comunidade estão alcançando resultados similares aos de modelos proprietários mais avançados, usando recursos gratuitos disponíveis online. Isso desafia a ideia de que a IA será dominada por um pequeno grupo de empresas com recursos abundantes.
O documento pode ser interpretado como um sinal de possível mudança no ecossistema da IA. As barreiras para treinamento e experimentação em IA têm diminuído significativamente, o que democratiza o acesso à tecnologia. Portanto, grandes empresas de tecnologia não estão mais protegidas por barreiras à entrada de concorrentes de código aberto.
O valor de mercado da OpenAI, atualmente em torno de $30 bilhões, corrobora essa visão. Embora esse valor pareça elevado, é modesto quando comparado com gigantes da tecnologia como Apple (com valor de mercado de $2.7 trilhões), Google ($1.5 trilhões) ou até mesmo a surpreendente Nvidia, que em maio superou a marca de $1 trilhão. Isso sugere que os benefícios da IA não são exclusivos dos proprietários e criadores de grandes modelos algorítmicos. Existem oportunidades de geração de valor em outras áreas do ecossistema da IA - como em aplicações, análise de dados, hardware e serviços. A IA não é um jogo de soma zero, e seus benefícios podem ser compartilhados de maneira mais ampla.
Esse cenário em que a tecnologia de IA tenha sua cadeia de valor mais distribuída, e em que seu desenvolvimento possa ser realizado por indivíduos e entidades menores e sem fins lucrativos, contradiz a visão de Acemoglu da IA como uma tecnologia que, por conta própria, concentra riqueza e poder. A própria concentração de talentos na área, que Acemoglu vê como um componente de desigualdade em nosso futuro, não parece estar se concretizando no mundo da IA. Pelo contrário, o desenvolvimento de ferramentas de programação em linguagem natural e de geração de arte visual e musical através de comandos comuns, permite que mais pessoas criem software de forma mais fácil e democrática.
Na verdade, as preocupações de Acemoglu sobre a concentração de poder na indústria da IA podem virar 180 graus em breve. Talvez a atenção dos especialistas sobre a consolidação de poder econômico e político em breve passe para o temor da descentralização excessiva. Essa ampla distribuição de capacidades de IA pode levar a uma nova fronteira "faroeste" da tecnologia, mais difícil de controlar, regular e prever - um mundo onde a IA não está apenas nas mãos de algumas empresas, mas potencialmente nas mãos de todos.
Não podemos perder de vista a ironia: a própria democratização que deveria aliviar as preocupações de Acemoglu pode se tornar o novo vilão a ser enfrentado por especialistas e reguladores.