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O erro na política de vistos do Brasil

Nesta semana, reacendeu-se a discussão sobre a retomada da cobrança de vistos para cidadãos americanos, canadenses e australianos

Michael Cerqueira é mestre em Administração Pública na Harvard Kennedy School, com bolsa integral pela Jorge Paulo Lemann Fellowship (Leon Rodrigues / SECOM PMSP/Reprodução)
Michael Cerqueira é mestre em Administração Pública na Harvard Kennedy School, com bolsa integral pela Jorge Paulo Lemann Fellowship (Leon Rodrigues / SECOM PMSP/Reprodução)

Por Michael Cerqueira

Nesta semana, reacendeu-se a discussão sobre a retomada da cobrança de vistos para cidadãos americanos, canadenses e australianos, em virtude da política definida no ano passado. Para atenuar a pressão do setor turístico, foi criado um visto eletrônico para estes três países, com um custo de 80 dólares. Contudo, a questão é mais complexa e exige uma análise mais aprofundada: o Brasil enfrenta desafios com uma política de vistos confusa, marcada por critérios pouco claros, que fazem parte de uma política de turismo falida. 

Crescemos ouvindo que o Brasil é quase um paraíso. Com clima agradável o ano todo, praias entre as mais bonitas do mundo, parques nacionais variados, culinária única e rica cultura em cada canto do país. No entanto, isso não se traduz em um grande interesse de visitantes internacionais. Nossos resultados são pífios. Recebemos menos turistas internacionais do que a Tate Gallery em Londres ou o Louvre em Paris. A distância dos EUA e a da Europa e a violência são fatores relevantes, mas países tão distantes quanto o Brasil, como Argentina, Peru, Colômbia, Austrália e África do Sul, e países mais violentos, como República Dominicana e México, atraem muito mais turistas. Onde erramos? 

Recentemente, organizei uma viagem para o Brasil com 100 estudantes de Harvard, representando mais de 20 nacionalidades. Esta experiência me permitiu testemunhar o caos que é o serviço oferecido pelo Itamaraty a turistas estrangeiros. Quando se busca no Google, a primeira página que aparece é a do consulado de Boston, e não a de uma central de informações capaz de atender usuários de todos os tipos. Abrindo a página do Consulado de Miami, nota-se uma formatação diferente, assim como nos consulados de Paris, Beirute e assim sucessivamente, todos com processos e prazos variados. Para verificar a necessidade de visto, existe um PDF arcaico onde é preciso consultar números específicos. Um estudante de programação no início da faculdade poderia facilmente criar um site que informasse a necessidade de visto com base na nacionalidade do usuário. 

Se você tiver a sorte de ser de um país isento de visto, basta comprar sua passagem, chegar ao Brasil, apresentar seu passaporte e o agente da Polícia Federal mal olhará para você. No entanto, se precisar de visto, prepare-se. Com o e-visa, cidadãos americanos, canadenses e australianos podem pagar 80 dólares — o valor mais alto que já vi para um e-visa — e realizar todo o processo online. Para outras nacionalidades, é necessário preencher um formulário online, pagar a mesma taxa, enviar seu passaporte, foto, carta de intenção, comprovante de residência, prova de status imigratório, passagens, e é recomendável enviar uma carta de convite pelos correios, aguardando até quatro semanas por uma resposta. Nesse processo, colegas do Benin e da Índia desistiram da viagem, questionando como é possível ficar até quatro semanas sem um documento essencial. Durante a redação deste texto, consultei diversos sites de consulados. Em Miami, é possível enviar toda a documentação online. Em Boston, onde reside uma enorme comunidade de brasileiros, somente via correio. Qual a dificuldade em implementar um sistema centralizado? 

Isso tudo evidencia um processo equivocado desde o início. O Brasil perde ao exigir vistos de turistas desses países. Argumenta-se que adotamos o princípio da reciprocidade, mas isso não se aplica a vários países. Cidadãos libaneses precisam de visto para entrar no Brasil, mas nós não precisamos de visto para explorar as belezas do Líbano. Por outro lado, mexicanos não precisam de visto para o Brasil, mas brasileiros necessitam de visto para visitar o México. Existem muitos outros exemplos similares. Onde está a reciprocidade nesses casos? 

Há também o argumento de que é viralatismo - o que quer que isso signifique - e que não devemos aceitar um país cobrar vistos de brasileiros e nós não cobrarmos de volta. Nesse ponto é necessário ser frio e pensar no Brasil. Nós perdemos com menos turistas visitando o Brasil, uma vez que eles podem facilmente ir para outros lugares do mundo que terão políticas de visto e receptividade muito melhores. Dados mostram o aumento de 16% de turistas americanos, canadenses e australianos, mesmo durante a pandemia. Dados do Painel de Chegadas da Embratur mostram também que o número de americanos seguiu crescendo, mesmo com a queda de turistas de outros países.  

O Brasil possui um potencial imenso para fazer do turismo uma de suas principais indústrias. Todos os participantes da viagem de Harvard ficaram fascinados com nosso povo, cultura e belezas naturais. No entanto, sem uma política pública de turismo bem estruturada, um Itamaraty empenhado em promover o Brasil internacionalmente e em facilitar a experiência de turistas que desejam visitar o país, continuaremos com resultados insatisfatórios. Nossos vizinhos sul-americanos, exceto o Chile, necessitam de visto para entrar nos EUA, mas não exigem vistos de americanos, reconhecendo a importância do turismo para suas economias. É hora do Brasil valorizar essa indústria e seus empreendedores. 

*Michael Cerqueira é mestre em Administração Pública na Harvard Kennedy School, com bolsa integral pela Jorge Paulo Lemann Fellowship, pela Fundação Estudar e é Person of the Year Fellow pela Câmara de Comércio Brasil-EUA. É graduado com bolsa de mérito em Administração Pública na Fundação Getulio Vargas e foi bolsista ISMART. Atualmente trabalha como Coordenador na Fundação Lemann. Foi Diretor de Recursos Humanos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de SP. Também atuou como Gerente Geral de Recursos Humanos e Seleções da Prefeitura de Caruaru. No Vetor Brasil, foi Gerente de Projetos e Líder de Relacionamento com Governos. Em Harvard, foi co-fundador do First-Gen Low-Income Caucus e Presidente do Brasil Caucus da HKS. Participou de programas acadêmicos em Londres, Belo Horizonte, Brasília, Canoas, Bogotá e Medellín e já visitou 24 estados brasileiros e 62 países.