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O Banco Central e a taxa de juros: sadismo ou aversão ao risco?

Patamar de 15% é o mais elevado dos últimos anos e se mantém assim desde junho

Banco Central: política fiscal expansionista pressiona a inflação e deve levar a aumento de juros (Leandro Fonseca/Exame)

Banco Central: política fiscal expansionista pressiona a inflação e deve levar a aumento de juros (Leandro Fonseca/Exame)

Ronald Hillbrecht
Ronald Hillbrecht

Colunista - Instituto Millenium na Exame

Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 21h22.

O Banco Central decidiu, na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) de dez de dezembro, manter a meta da taxa de juros de curto prazo, a Selic, em 15% a.a. Este patamar é o mais elevado dos últimos anos e se mantém assim desde junho deste ano. Em seu comunicado, o Copom reconheceu a necessidade de cautela em função de incerteza elevada quanto à determinação da inflação futura, à resiliência dos preços de serviços, ao problema da desancoragem de expectativas, à condução da política fiscal e aos impactos possíveis do setor externo da economia.

Claro que uma taxa de juros alta assim gera críticas de todos os tipos. Jornalistas econômicos dizem que o Banco Central jogou um balde de água fria no mercado, que esperava um corte da taxa mais cedo; representantes do setor produtivo nacional criticaram a decisão porque “a manutenção dos juros nesse patamar tão elevado é excessiva e prejudicial, uma vez que intensifica a perda de ritmo da atividade econômica, encarece muito o crédito, inibe o investimento e penaliza a competitividade da indústria”. Alguns políticos avaliam a decisão politicamente e dizem que ela está errada devido aos seus impactos eleitorais negativos, outros a apoiam porque estes impactos podem lhes ser beneficiais. Como estas críticas permeiam todo o noticiário econômico, o cidadão comum pode inferir que a decisão do Banco Central deve estar mesmo errada. Então fica a pergunta: O Banco Central está certo ou errado em suas decisões de política monetária? Se estiver errado, trata-se de uma manifestação de sadismo ou de favorecimento imoral aos setores rentistas da economia, que lucram com juros altos?

Ocorre que bancos centrais, quando são independentes e contam com corpo técnico qualificado, como é o caso do Banco Central do Brasil, tomam decisões baseadas em alguns conceitos fundamentais para a condução apropriada de política monetária.

O primeiro conceito é o de “primeiro, não causar dano” (primum non nocere), que é um princípio da medicina, mas que se encaixa surpreendentemente bem na economia. Economistas aprenderam, ao longo do tempo, que políticas econômicas bem-intencionadas podem gerar efeitos indesejados. O Nobel em economia, Milton Friedman, por exemplo, frequentemente utilizava este princípio para argumentar que as autoridades de governo — especialmente os banqueiros centrais — deveriam ter cuidado para não agravar os problemas econômicos por meio de ações bem-intencionadas, porém mal executadas.

O problema é que as economias são sistemas complexos e as decisões de política econômica levam tempo para surtir efeito. Por exemplo, quando um banco central aumenta ou diminui as taxas de juros, o impacto total pode só se manifestar meses depois. Devido a esses atrasos e incertezas, os formuladores de políticas que tentam fazer “sintonia fina”, buscando corrigir

frequentemente pequenos desvios da economia, muitas vezes acabam reagindo de forma exagerada: estimulam demais quando a economia já está se recuperando ou apertam a política monetária excessivamente quando a inflação já está desacelerando. Ambos os erros podem causar danos reais, criando recessões desnecessárias, picos de inflação ou instabilidade financeira.

A solução de Friedman era manter as coisas simples e previsíveis. Em vez de fazer intervenções agressivas e pontuais, ele acreditava que os bancos centrais deveriam seguir regras claras e estáveis — como, por exemplo, o que os bancos centrais fazem hoje em dia, mantendo a taxa nominal de juros relativamente constante e previsível. A ideia é proporcionar às famílias e às empresas um ambiente previsível para o planejamento, evitando surpresas repentinas que possam abalar a confiança dos agentes econômicos.

Na prática, o princípio de “primeiro, não causar danos” na política monetária significa priorizar a estabilidade em vez do ativismo. Isso incentiva os bancos centrais a evitarem experimentos arriscados, a se comunicarem com clareza e a reconhecerem os limites do que a política pode alcançar. O objetivo não é resolver todos os problemas econômicos instantaneamente, mas evitar que a situação piore. Um ambiente monetário estável e previsível é a melhor base para o crescimento de longo prazo e para mercados saudáveis.

Milton Friedman conferiu à expressão “primeiro, não causar danos” uma das interpretações econômicas mais claras: Políticas ruins podem piorar uma situação já ruim; portanto, moderação e previsibilidade são virtudes. O regime de metas de inflação é um exemplo bem-sucedido de como regras claras de condução de política monetária ajudam a economia a funcionar melhor.

Associado à ideia de não causar danos, está o conceito de aversão ao risco. Bancos centrais tendem a ser mais avessos ao risco do que analistas econômicos e o público em geral. O motivo é que uma política monetária equivocada pode gerar consequências não intencionais desastrosas para a sociedade e, não custa lembrar, o Brasil tem vasta experiência com políticas econômicas que simplesmente pioram situações ruins.

No linguajar dos especialistas de mercado, um membro do banco central tem uma postura hawkish quando prioriza controle da inflação e da estabilidade do nível de preços e faz política monetária apertada, com juros mais altos; ele tem uma postura dovish quando prioriza crescimento econômico e faz política monetária frouxa, com juros mais baixos.

Banqueiros centrais tendem a ser mais cautelosos por aversão ao risco: Controlar inflação é o papel primordial da política monetária, em que seus efeitos de longo prazo são mais previsíveis, enquanto que, mesmo no curto prazo, uma política monetária mais expansionista pode não ter os efeitos desejados sobre o produto e redundar apenas em mais inflação. O ativismo de políticas de estímulo pode então criar consequências não intencionais que pioram o estado da economia. Com efeito, inflação elevada afeta principalmente os mais pobres, corrói salários e poupança, e é difícil de controlar depois que se acelera. Por isso, muitos bancos centrais preferem errar pelo excesso de cautela.

Na verdade, a elaboração de política monetária exige grandes doses de humildade para que não embarque em aventuras perigosas. Analistas que não têm a responsabilidade da condução de

política expressam frequentemente opiniões e avaliações diferentes das ações dos bancos centrais, o que nos leva a uma pergunta interessante: Como suas avaliações mudariam, no caso de se tornarem responsáveis pela política monetária? O atual presidente do BC é um bom exemplo desta mudança de postura: vindo de uma tradição de análise econômica mais expansionista, acabou adotando postura mais cautelosa, respeitando o princípio “primeiro, não causar danos”, quando se tornou responsável pela condução da política monetária.