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"Nosso problema educacional é conseguir aprender com os próprios exemplos", afirma Paes de Barros

Ricardo Paes de Barros é um nome de destaque entre os economistas brasileiros, sendo um dos mentores por trás do programa Bolsa Família

Ricardo Paes de Barros é um nome de destaque entre os economistas brasileiros, sendo um dos mentores por trás do programa Bolsa Família (Arquivo pessoal/Reprodução)
Ricardo Paes de Barros é um nome de destaque entre os economistas brasileiros, sendo um dos mentores por trás do programa Bolsa Família (Arquivo pessoal/Reprodução)

Ricardo Paes de Barros é um nome de destaque entre os economistas brasileiros, sendo um dos mentores por trás do programa Bolsa Família. Atualmente, ocupa o cargo de professor no Insper, coordena a Cátedra do Instituto Ayrton Senna e é membro do Conselho Acadêmico do Livres. 

Em uma masterclass patrocinada pelo Instituto Millenium e contando com o apoio do Ibmec, Paes de Barros conduziu uma análise aprofundada do sistema educacional brasileiro, destacando questões fundamentais para o futuro educacional do país. Ele abordou a preocupante dicotomia presente na educação pública brasileira, na qual coexistem escolas de alta performance e outras que se atolam em padrões medíocres. Sua observação incisiva foi: "Nosso grande problema educacional é conseguir aprender com os próprios exemplos". Para ele, o cerne do desafio está em propagar as melhores práticas às instituições que mais precisam. 

Ele também salientou a ineficiência dos gastos na educação pública brasileira, utilizando o exemplo do Ceará. Mesmo recebendo menos recursos que a maioria dos estados, o Ceará tem demonstrado progressos notáveis na qualidade da educação infantil. Tal fato evidencia a imperativa necessidade de governos que priorizem a simplicidade e a criação de incentivos apropriados. Ainda, Paes de Barros chamou atenção para uma alarmante perda anual de R$214 bilhões, resultado da evasão escolar no ensino básico. Essa perda, além de afetar de forma desproporcional a população mais carente, repercute negativamente na produtividade e dinâmica da economia brasileira como um todo. 

Após a masterclass, que ocorreu no campus do Ibmec em São Paulo, no dia 30 de agosto, o Instituto Millenium promoveu uma entrevista com Paes de Barros para explorar temas que não foram cobertos em sua apresentação. O vídeo completo da Masterclass será publicado no Youtube do Instituto Millenium, na semana que vem. 

Instituto Millenium: A publicação dos resultados mais recentes do censo demográfico indicam uma possível diminuição da demanda por recursos educacionais, devido à transição demográfica. Além da redução na necessidade de escolas e professores, quais impactos secundários e terciários dessa transição devemos considerar? Essa mudança poderia nos levar a priorizar a qualidade da educação em vez de simplesmente garantir o acesso aos serviços educacionais? 

Ricardo Paes de Barros: A queda no número de alunos é iminente por dois motivos principais. O primeiro é a própria mudança demográfica, e o segundo é a redução na defasagem de séries e a diminuição do índice de repetência e abandono escolar. Com isso, muito em breve teremos uma queda do número de alunos nas séries iniciais, o que pode levar a turmas menores e, consequentemente, à necessidade de menos professores. O benefício é que turmas menores tendem a favorecer o aprendizado. No entanto, um desafio que se apresenta é que, nos últimos anos, enviamos ao mercado a mensagem de que havia uma grande demanda por professores. Como resultado, temos formado um grande número de professores, especialmente em cursos oferecidos pela iniciativa privada. Se essa tendência de formação não diminuir em resposta às mudanças demográficas e à melhoria do fluxo educacional, o Brasil pode enfrentar uma superabundância de professores no mercado de trabalho.  

IM: Sabemos que a qualidade da educação não depende somente da disponibilidade de recursos tecnológicos, mas sobretudo da qualidade dos professores. Atualmente, há desafios na formação de docentes no Brasil. O que acredita ser mais crucial para melhorar a educação no curto prazo: otimizar os mecanismos de recrutamento e seleção de professores, visando atrair e selecionar melhores quadros para a docência, ou reformar o sistema de formação docente em universidades públicas e privadas? 

PB: Na verdade, a dinâmica da educação está em transformação. Há algumas décadas, o professor era a principal fonte de informação para o aluno. Agora, com a vasta disponibilidade de informações online, o papel do professor evoluiu para ajudar os alunos a sistematizar e interpretar informações de qualidade. Este é um grande desafio, principalmente para os professores mais antigos que foram formados sob um modelo pedagógico diferente. 

Contudo, o que me preocupa mais é a qualidade dos futuros professores. Se olharmos para os indicadores, como as notas no ENADE e no ENEM, percebemos que os cursos de licenciatura e pedagogia não atraem os talentos mais destacados, o que é fundamental para garantir uma educação de qualidade. Em países com sistemas educacionais mais efetivos, a carreira docente é uma das mais prestigiadas do mercado de trabalho, atraindo indivíduos altamente qualificados. 

Em minha avaliação, para transformar este contexto, investir na melhoria dos mecanismos de recrutamento e seleção de professores é crucial. Se conseguirmos atrair pessoas talentosas para a profissão, a formação subsequente tende a ser mais eficaz. Cito o exemplo do ITA, minha alma mater, onde a seleção rigorosa é o grande segredo do seu sucesso educacional. Organizações como o Ensina Brasil estão tentando atrair esses talentos para a docência, e precisamos de mais iniciativas como essa. 

IM: Com estados como o Ceará usando incentivos do ICMS para premiar municípios com melhores resultados educacionais, como poderíamos aprimorar essa abordagem? Além de incentivos financeiros, não deveríamos ter penalidades claras para redes educacionais sem progresso? Como, em sua visão, podemos equilibrar incentivos positivos com possíveis penalidades, como a perda de autonomia de gestão? 

PB: A abordagem do Ceará é um ótimo exemplo de como incentivos positivos podem promover avanços na educação. No entanto, no contexto mais amplo do federalismo brasileiro, acredito que ainda temos espaço para ampliar e diversificar esses incentivos, antes de pensarmos em penalidades. É crucial compreendermos a importância dos incentivos como ferramentas de melhoria. O atual marco legal já nos oferece uma variedade de possibilidades que ainda não foram exploradas em sua totalidade. Antes de avançarmos para discussões sobre penalizações, devemos nos concentrar em otimizar e expandir os incentivos positivos, garantindo que eles alcancem e beneficiem o máximo possível de municípios e estados. 

IM: A rede privada brasileira de educação atende, em sua maioria, alunos de maior capital cultural e social e apresenta bons resultados. Considerando o sucesso educacional de cidades no Piauí e Ceará, que trabalham com comunidades de baixo capital social e cultural, você acredita que a iniciativa privada poderia alcançar melhores resultados se responsabilizando por esse público, comparativamente ao setor público? 

PB: De fato, há muito a aprender com ambas as redes, privada e pública. No entanto, no Brasil, nunca desafiamos a rede privada de maneira substancial a atuar em regiões de baixo capital cultural e social. Não vimos essa rede ser responsabilizada por proporcionar educação de qualidade para crianças de famílias e bairros pobres e alcançar resultados tão expressivos quanto os observados em áreas do Piauí e do Ceará. Existem algumas iniciativas isoladas, como o Programa Impacta, que sinalizam esforços neste sentido, mas elas são pontuais. Em países como o Peru, houve uma verdadeira convocação do setor privado, que respondeu positivamente. Lá, empresários educacionais propuseram dar mais com menos e conseguiram. No Brasil, para replicar algo assim, precisamos de empresários dispostos a enfrentar os desafios educacionais não apenas em grandes centros, mas em todo o país. É um desafio gerencial enorme, mas potencialmente recompensador. O verdadeiro teste é verificar se temos empresários dispostos a assumir essa responsabilidade e se eles conseguirão entregar os resultados esperados.