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Murilo Medeiros analisa os confrontos entre os Poderes

Em entrevista ao Instituto Millenium, cientista analisou a relação entre os poderes e o cenário político atual do Brasil

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institutomillenium

Publicado em 4 de junho de 2020 às 13h59.

Última atualização em 4 de junho de 2020 às 15h28.

A tensão entre os poderes da República é um fato cada vez mais presente na vida pública nacional. Os conflitos entre Executivo, Legislativo e Judiciário se tornaram cada vez mais comuns. São divergências de posicionamentos, declarações desencontradas e até mesmo manifestações, em um cenário que traz um fantasma do passado: a ruptura institucional. Mas, afinal, há chance disso acontecer? Esse choque entre os poderes é algo natural? Quais são as alternativas para garantir a independência com harmonia? Para responder estas perguntas, o Instituto Millenium conversou com o cientista político Murilo Medeiros. Ouça o podcast!

Assessor legislativo no Senado, Medeiros explicou que o exercício da democracia faz com que o próprio sistema seja colocado sempre à prova, com estresses institucionais – aprofundados, nos últimos anos, pelo ambiente digital. No entanto, um golpe de Estado, que levaria o Brasil para um regime autoritário, não é visto como uma alternativa. Isso porque, de acordo com o especialista, não há clima para este tipo de atitude atualmente.

Murilo Medeiros destacou que o desafio da sociedade é garantir os conceitos de liberdades individuais e democráticas. O especialista do Instituto Millenium reforçou algo que é preciso levar em conta ao fazer qualquer análise: o modelo atual de República do Brasil é muito recente – a primeira eleição direta após o regime militar foi há apenas 30 anos, e houve uma série de turbulências, que resultaram no impedimento de dois presidentes da República (Fernando Collor e Dilma Rousseff).

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Medeiros lembrou a máxima de Thomas Jefferson: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Ou seja: é importante ficar atento e não aceitar qualquer retrocesso nos direitos civis e democráticos. “A América Latina sempre teve governos populistas, ligados ao militarismo e ao intervencionismo em excesso; por isso, é bom ficar atento, pelo histórico. No entanto, dificilmente vamos presenciar um cabo e um soldado em frente ao Congresso ou ao STF. Não há necessidade nem clima institucional para isso”, disse. Murilo Medeiros vê, no entanto, outro risco. “O que pode ocorrer é uma deterioração das estruturas democráticas por dentro, tal e qual cupins, mas qualquer chance de ruptura é difícil”, destacou.

Frisando que o país precisa superar este tipo de divergência com diálogo, equilíbrio e moderação, o cientista político acredita que este fenômeno recente foi gerado, em grande parte, pela opção do atual governo em mudar o perfil do diálogo com o Congresso. “Esse relacionamento com os poderes ficou atravancado. Além da imagem internacional, o que mais prejudica o país é que as reformas econômicas que deveriam ser adotadas ficam travadas por conta desses conflitos diários do Executivo com o Parlamento – e agora com o Poder Judiciário. No fim, os brasileiros saem perdendo, e o país tende a retardar o seu crescimento tão esperado pelo setor produtivo e pela sociedade brasileira”, destacou.

Análise deve ser mais profunda na hora de votar

Nesta semana, o governo oficializou o general Eduardo Pazuello como ministro interino da Saúde. Em meio às querelas institucionais da República e esse fantasma de ruptura institucional, esse fato mais uma vez chamou a atenção: o alto número de militares que ocupam cargos no primeiro escalão do governo federal. Na visão de Murilo Medeiros, a estratégia legítima leva em conta a própria eleição de Jair Bolsonaro. “É uma escolha de governo com viés estratégico, calcado na plataforma eleitoral do presidente. É legítimo que ele faça essas escolhas. Fernando Henrique, por exemplo, definiu como estratégia colocar intelectuais no governo. Lula, por sua vez, loteou os cargos com sindicalistas. A estratégia de Bolsonaro é fiel à plataforma eleitoral dele”, destacou.

Murilo Medeiros também destacou que o núcleo militar do governo não deseja “tomar o poder”, como é ventilado às vezes. “Os militares pagaram um preço alto por estarem no centro do poder por tanto tempo, mas hoje eu não vejo disposição por parte deles por isso. Além disso, também não vejo clima na sociedade brasileira para tamanha ruptura ou desgaste entre as instituições”, lembrou.

Quando se fala nas escolhas do presidente ou no perfil do ministério, outro ponto deve ser debatido: a importância de o eleitor ter uma visão ampla na hora de decidir o voto. Na prática, isso significa não pensar apenas em eleger o presidente, por exemplo; mas também saber quem é o vice, qual a composição de forças que apóia aquele projeto e as bases que o candidato traz. Para se ter uma ideia, nos últimos 60 anos, o vice-presidente virou titular em quatro vezes: João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961; José Sarney, após a morte de Tancredo Neves, em 1985; Itamar Franco, após o impeachment de Collor em 1992; e Michel Temer, após o impeachment de Dilma Rosuseff em 2016.

“Juntos, esses vices governaram por mais de uma década. Num sistema presidencialista no qual o chefe do Executivo é escolhido pela maioria dos eleitores, a escolha do vice representa, em tese, a continuidade e a estabilidade democrática, mas nem sempre a mesma plataforma de governo. Michel Temer, por exemplo, era vice-presidente de Dilma, e quando assumiu deu uma cara totalmente nova, com reformas no campo liberal que dificilmente Dilma iria encampar, como a Lei do Teto de Gastos, a Reforma Trabalhista e a Lei de Responsabilidade das Estatais. Pelas características das regras eleitorais, é bom ficar atento à chapa como um todo”, disse.

A CEO do Instituto Millenium, Priscila Pereira Pinto, destacou que o debate acerca do regime de governo já foi feito algumas vezes na República. Portanto, é preciso, de fato, estar atento à chapa. "Não adianta escolher um líder e pensar que a segunda pessoa que compõe a chapa é problemática. É preciso avaliar bem antes de eleger, pois as duas pessoas vão trabalhar em conjunto. É claro que o presidente é a cara do Executivo, mas o vice também tem o seu papel na interlocução com o Congresso, Estados e projetos variados", disse.

Alternativas

As crises institucionais somadas ao histórico conturbado da Nova República também geram outra reflexão: afinal de contas, o modelo do presidencialismo brasileiro faliu? Haveria alternativa? Murilo Medeiros destacou que há uma clara instabilidade do sistema, uma vez que não se pode considerar normal o fato de dois dos cinco presidentes eleitos desde a redemocratização terem sido afastados do cargo.

E como minorar esse problema? Uma opção é o semipresidencialismo, modelo usado na França, em Portugal e na Finlândia, unindo elementos do presidencialismo e do parlamentarismo, preservando a Presidência da República, com certo poder moderador; mas evitando as crises contínuas. Murilo Medeiros explica: “A figura do presidente seria mantida nos moldes atuais, escolhido em eleições diretas; mas a figura do primeiro ministro, indicado pelo presidente eleito, apareceria. Se bem desenhada, seria uma alternativa interessante para o Brasil se blindar das freqüentes crises políticas”, disse, ressaltando que as regras para a escolha do primeiro-ministro precisam ficar bem claras para evitar riscos de conflitos.

A tensão entre os poderes da República é um fato cada vez mais presente na vida pública nacional. Os conflitos entre Executivo, Legislativo e Judiciário se tornaram cada vez mais comuns. São divergências de posicionamentos, declarações desencontradas e até mesmo manifestações, em um cenário que traz um fantasma do passado: a ruptura institucional. Mas, afinal, há chance disso acontecer? Esse choque entre os poderes é algo natural? Quais são as alternativas para garantir a independência com harmonia? Para responder estas perguntas, o Instituto Millenium conversou com o cientista político Murilo Medeiros. Ouça o podcast!

Assessor legislativo no Senado, Medeiros explicou que o exercício da democracia faz com que o próprio sistema seja colocado sempre à prova, com estresses institucionais – aprofundados, nos últimos anos, pelo ambiente digital. No entanto, um golpe de Estado, que levaria o Brasil para um regime autoritário, não é visto como uma alternativa. Isso porque, de acordo com o especialista, não há clima para este tipo de atitude atualmente.

Murilo Medeiros destacou que o desafio da sociedade é garantir os conceitos de liberdades individuais e democráticas. O especialista do Instituto Millenium reforçou algo que é preciso levar em conta ao fazer qualquer análise: o modelo atual de República do Brasil é muito recente – a primeira eleição direta após o regime militar foi há apenas 30 anos, e houve uma série de turbulências, que resultaram no impedimento de dois presidentes da República (Fernando Collor e Dilma Rousseff).

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Medeiros lembrou a máxima de Thomas Jefferson: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Ou seja: é importante ficar atento e não aceitar qualquer retrocesso nos direitos civis e democráticos. “A América Latina sempre teve governos populistas, ligados ao militarismo e ao intervencionismo em excesso; por isso, é bom ficar atento, pelo histórico. No entanto, dificilmente vamos presenciar um cabo e um soldado em frente ao Congresso ou ao STF. Não há necessidade nem clima institucional para isso”, disse. Murilo Medeiros vê, no entanto, outro risco. “O que pode ocorrer é uma deterioração das estruturas democráticas por dentro, tal e qual cupins, mas qualquer chance de ruptura é difícil”, destacou.

Frisando que o país precisa superar este tipo de divergência com diálogo, equilíbrio e moderação, o cientista político acredita que este fenômeno recente foi gerado, em grande parte, pela opção do atual governo em mudar o perfil do diálogo com o Congresso. “Esse relacionamento com os poderes ficou atravancado. Além da imagem internacional, o que mais prejudica o país é que as reformas econômicas que deveriam ser adotadas ficam travadas por conta desses conflitos diários do Executivo com o Parlamento – e agora com o Poder Judiciário. No fim, os brasileiros saem perdendo, e o país tende a retardar o seu crescimento tão esperado pelo setor produtivo e pela sociedade brasileira”, destacou.

Análise deve ser mais profunda na hora de votar

Nesta semana, o governo oficializou o general Eduardo Pazuello como ministro interino da Saúde. Em meio às querelas institucionais da República e esse fantasma de ruptura institucional, esse fato mais uma vez chamou a atenção: o alto número de militares que ocupam cargos no primeiro escalão do governo federal. Na visão de Murilo Medeiros, a estratégia legítima leva em conta a própria eleição de Jair Bolsonaro. “É uma escolha de governo com viés estratégico, calcado na plataforma eleitoral do presidente. É legítimo que ele faça essas escolhas. Fernando Henrique, por exemplo, definiu como estratégia colocar intelectuais no governo. Lula, por sua vez, loteou os cargos com sindicalistas. A estratégia de Bolsonaro é fiel à plataforma eleitoral dele”, destacou.

Murilo Medeiros também destacou que o núcleo militar do governo não deseja “tomar o poder”, como é ventilado às vezes. “Os militares pagaram um preço alto por estarem no centro do poder por tanto tempo, mas hoje eu não vejo disposição por parte deles por isso. Além disso, também não vejo clima na sociedade brasileira para tamanha ruptura ou desgaste entre as instituições”, lembrou.

Quando se fala nas escolhas do presidente ou no perfil do ministério, outro ponto deve ser debatido: a importância de o eleitor ter uma visão ampla na hora de decidir o voto. Na prática, isso significa não pensar apenas em eleger o presidente, por exemplo; mas também saber quem é o vice, qual a composição de forças que apóia aquele projeto e as bases que o candidato traz. Para se ter uma ideia, nos últimos 60 anos, o vice-presidente virou titular em quatro vezes: João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961; José Sarney, após a morte de Tancredo Neves, em 1985; Itamar Franco, após o impeachment de Collor em 1992; e Michel Temer, após o impeachment de Dilma Rosuseff em 2016.

“Juntos, esses vices governaram por mais de uma década. Num sistema presidencialista no qual o chefe do Executivo é escolhido pela maioria dos eleitores, a escolha do vice representa, em tese, a continuidade e a estabilidade democrática, mas nem sempre a mesma plataforma de governo. Michel Temer, por exemplo, era vice-presidente de Dilma, e quando assumiu deu uma cara totalmente nova, com reformas no campo liberal que dificilmente Dilma iria encampar, como a Lei do Teto de Gastos, a Reforma Trabalhista e a Lei de Responsabilidade das Estatais. Pelas características das regras eleitorais, é bom ficar atento à chapa como um todo”, disse.

A CEO do Instituto Millenium, Priscila Pereira Pinto, destacou que o debate acerca do regime de governo já foi feito algumas vezes na República. Portanto, é preciso, de fato, estar atento à chapa. "Não adianta escolher um líder e pensar que a segunda pessoa que compõe a chapa é problemática. É preciso avaliar bem antes de eleger, pois as duas pessoas vão trabalhar em conjunto. É claro que o presidente é a cara do Executivo, mas o vice também tem o seu papel na interlocução com o Congresso, Estados e projetos variados", disse.

Alternativas

As crises institucionais somadas ao histórico conturbado da Nova República também geram outra reflexão: afinal de contas, o modelo do presidencialismo brasileiro faliu? Haveria alternativa? Murilo Medeiros destacou que há uma clara instabilidade do sistema, uma vez que não se pode considerar normal o fato de dois dos cinco presidentes eleitos desde a redemocratização terem sido afastados do cargo.

E como minorar esse problema? Uma opção é o semipresidencialismo, modelo usado na França, em Portugal e na Finlândia, unindo elementos do presidencialismo e do parlamentarismo, preservando a Presidência da República, com certo poder moderador; mas evitando as crises contínuas. Murilo Medeiros explica: “A figura do presidente seria mantida nos moldes atuais, escolhido em eleições diretas; mas a figura do primeiro ministro, indicado pelo presidente eleito, apareceria. Se bem desenhada, seria uma alternativa interessante para o Brasil se blindar das freqüentes crises políticas”, disse, ressaltando que as regras para a escolha do primeiro-ministro precisam ficar bem claras para evitar riscos de conflitos.

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