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MP da Liberdade Econômica: micro x macroeconomia

"Esperemos que o Congresso tenha a sensibilidade e o discernimento necessários para não derrubá-la"

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Instituto Millenium

Publicado em 30 de abril de 2019 às, 11h50.

*Por João Luiz Mauad

A esperada Medida Provisória da Liberdade Econômica deverá ser assinada hoje pelo presidente Bolsonaro. Prevista no programa de governo, a medida tem como principal objetivo simplificar regras e reduzir as exigências burocráticas sobre o empreendedorismo. Na avaliação da equipe de Bolsonaro, uma vez aprovada, a MP poderá facilitar a geração de emprego e de renda, aquecendo a economia. “Vamos tirar o governo do cangote das pessoas”, resumiu Onyx Lorenzoni há poucos dias.

Trata-se, sem dúvida, de uma grande notícia. Principalmente porque demonstra a mudança de foco e prioridade dos gestores da política econômica do governo - da macro para a microeconomia.

Sempre que você conversa sobre economia com um leigo, uma questão vem logo à tona. Quais são as diferenças entre macroeconomia e microeconomia? Não raro, a associação que as pessoas não habituadas ao jargão econômico fazem é a seguinte: a macroeconomia trata das “grandes” questões, enquanto as “pequenas” questões são tratadas pela microeconomia. Nada poderia ser mais equivocado.

A macroeconomia trabalha com agregados e médias a nível nacional como unidades básicas de análise – basicamente, produto interno bruto, demanda e oferta agregadas, taxa de desemprego e taxa de inflação. As teorias macroeconômicas (essencialmente keynesianas) envolvem as interações desses agregados e médias.

Para um microeconomista, as unidades de análise são as escolhas e os incentivos individuais. Portanto, uma explicação satisfatória para o macroeconomista sobre o fraco desempenho da economia - por exemplo, que a demanda agregada encontra-se em baixa - não satisfaria um microeconomista. Este último está interessado em que tipos de incentivos enfrentam as pessoas no mercado, tanto pelo lado da demanda quanto da oferta. Por exemplo, que incentivos ou desincentivos estão influenciando as decisões de poupadores, investidores e consumidores? O que fazer para reverter as expectativas dos agentes de mercado?

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Quando se tratam de recessões, como a que temos sofrido nos últimos anos, as políticas macroeconômicas, tipicamente keynesianas, normalmente visam simplesmente aumentar a demanda agregada, independentemente de onde essa demanda possa vir. Os gastos indiscriminados do governo tendem a ignorar detalhes da economia que operam em níveis muito mais restritos ou até individuais. A ausência desses detalhes podem muito bem (como sói acontecer) condenar as macro políticas ao fracasso, como já cansamos de assistir em Pindorama.

No processo de mercado, as pessoas que buscam lucros usam os preços de mercado e seus conhecimentos para orientar seus investimentos. Em geral, tentar adivinhar o que empreendedores, em todos os setores e regiões do país, fariam é no mínimo imprudente. Sangrar os contribuintes de seus recursos e injetá-los em áreas arbitrárias ou politicamente privilegiadas da economia não é um bom caminho, como restou demonstrado durante os anos do Governo Dilma, quando o Tesouro, através do BNDES, injetou meio trilhão de reais em incentivos em duas dúzias de campeões nacionais, com resultados catastróficos, como se viu.

Outra forma de incentivar a demanda é através da concessão de financiamentos a juros baixos, normalmente por bancos públicos. Tal política funciona por um tempo, mas logo o endividamento artificial dos consumidores vem cobrar a fatura, reduzindo novamente a demanda.

O economista austríaco Roger Garrison tem uma frase que resume bem a divisão entre macro e microeconomistas em relação às receitas para o desenvolvimento econômico: "Existem problemas macroeconômicos, mas apenas soluções microeconômicas".

Quem quiser ter uma ideia do que é necessário para destravar a economia brasileira, na visão microeconômica, para começar deveria esquecer um pouco os agregados macroeconômicos e concentrar-se no ambiente econômico que os investidores precisam enfrentar por aqui.

Dê uma olhada, por exemplo, num relatório divulgado anualmente pelo Banco Mundial, chamado “doing business”. Esse estudo minucioso é baseado na análise quantitativa e qualitativa de dez diferentes aspectos ligados ao ambiente institucional de negócios em centenas de países, com destaque para a burocracia envolvida na abertura e fechamento de empresas, licenciamentos governamentais, contratação de mão-de-obra — principalmente os encargos relacionados à admissão e demissão de pessoal —, registros de propriedade, acesso ao crédito, segurança jurídica dos empreendedores, qualidade da infraestrutura, pagamento de impostos, facilidades (dificuldades) de comércio com o exterior e respeito aos contratos.

+ Gustavo Franco: 27 milhões de empreendedores

No relatório de 2019, por exemplo, o Brasil ocupa a 109ª posição geral, entre 190 países. Para abrir um novo negócio por aqui são necessários, em média, 13 procedimentos burocráticos, que podem levar até 107 dias para cumprir. Para obter as 15 diferentes licenças para erguer um prédio pode-se levar até 400 dias. Quanto aos tributos, além de arcar com um peso de impostos que consomem perto de 70% dos lucros, as empresas precisam de, no mínimo, 2.000 horas anuais para lidar com as obrigações acessórias exigidas pelo fisco.
Tocar qualquer empreendimento por estas plagas é algo comparável a um filme de suspense e terror, em que fantasmas e vorazes monstros estão sempre à espreita, ansiosos para abocanhar a maior parte dos lucros e prontos a opor obstáculos no caminho dos empreendedores.

Qualquer novo investimento deve percorrer um labirinto sem fim de controles e processos, além da má vontade de burocratas e, em certos casos, a oposição de grupos ativistas raivosos e barulhentos. Cada etapa de um projeto envolve custos indiretos absurdos. Um incauto que pretenda construir um condomínio residencial, explorar uma mina, abrir uma pequena indústria ou mesmo furar um poço para precisa estar disposto a encarar uma burocracia asfixiante, uma intrincada teia de licenciamentos e um sem número de onipotentes agências reguladoras, com autoridade suficiente para paralisar por tempo indeterminado qualquer empreendimento.

Trata-se, portanto, de uma notícia alvissareira a intenção do governo de editar esta medida provisória. Esperemos que o Congresso tenha a sensibilidade e o discernimento necessários para não derrubá-la, em nome da burocracia e do intervencionismo que, desde sempre, prevaleceram por estas bandas.

*Administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ), João Luiz Mauad é articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”. Escreve regularmente para o site do Instituto Liberal.