Mauad: Sobre canudinhos, incentivos e consequências não intencionais
"Burocratas e os políticos que elaboram e aprovam leis e regulamentos não entendem nada de economia, e mais especificamente o conceito de incentivos"
Publicado em 10 de outubro de 2018 às, 15h02.
* Por João Luiz Mauad
Matéria recente de um jornal carioca dá conta de que a lei municipal promulgada em junho passado, que proibiu o uso de canudinhos plásticos no município do Rio de Janeiro, criou efeito contrário ao planejado pelos legisladores.
Conforme este escriba previu na época, em razão dos altos custos dos canudos biodegradáveis, os comerciantes da cidade passaram a usar copos e garrafas plásticas em substituição aos velhos canudinhos, aumentando em muito o lixo plástico da cidade.
Leis que geram conseqüências não intencionais, muitas vezes diametralmente opostas às desejadas, não são raras. Isso acontece porque os burocratas e os políticos que elaboram e aprovam as leis e regulamentos não entendem nada de economia, e mais especificamente o conceito de incentivos.
Grosso modo, incentivos são prêmios e punições que motivam e influenciam o comportamento humano. Eles estão em todo lugar e fazem parte de nossas vidas cotidianamente, ainda que muitas vezes sequer nos damos conta de suas presenças.
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Para entender melhor este conceito econômico importantíssimo, nada melhor do que alguns exemplos.
Em 1787, o governo britânico enviava seus presos para a colônia penal australiana. Para tanto, contratava capitães de navios para transportá-los através dos oceanos, em viagens longas, perigosas e insalubres. Não por acaso, as condições dos navios eram péssimas. A média de óbitos por viagem chegava a incríveis 1/3 dos embarcados e os que sobreviviam desembarcavam em péssimas condições de saúde.
Logo a imprensa londrina tomou conhecimento do fato, que revoltou os cidadãos britânicos, que passaram a exigir condições de transporte mais dignas para os condenados. O clero, por seu turno, clamava por mais senso de humanidade dos comandantes, enquanto o parlamento editava com voracidade novos regulamentos sobre o transporte marítimo dos presos.
Nada, entretanto, parecia funcionar e as mortes permaneciam chocantemente altas.
Até que um economista da Corte trouxe a solução: ao invés de pagar aos comandantes um preço por cada preso embarcado, o governo deveria pagar somente pelos homens desembarcados sãos e salvos na Austrália. Rapidamente, os incentivos dos capitães mudaram e com eles os índices de sobrevivência dos presos, que chegou a 99% em pouco tempo.
Esta, entretanto, não foi a única experiência histórica dos britânicos com as conseqüências não intencionais e os incentivos.
Conta a lenda que o governo britânico, durante a ocupação da Índia, estava preocupado com o aumento do número de cobras venenosas em Delhi e ofereceu uma recompensa para cada cobra morta. Inicialmente, esta foi uma estratégia bem sucedida com um grande número de serpentes mortas em troca da recompensa. Com o passar do tempo, no entanto, empreendedores começaram a criar cobras para obter renda. Quando o governo descobriu a malandragem, o programa foi abandonado, fazendo com que os criadores de cobra fossem obrigados a desfazer-se delas. Como resultado, aumentou ainda mais a população selvagem de cobras na cidade.
Um incidente semelhante ocorreu em Hanói, no Vietnam, sob o domínio colonial francês, só que com ratos. O regime colonial criou um programa de recompensas que pagava um preço para cada rato morto. Para obter as recompensas, as pessoas teriam de fornecer o rabo do rato decepado. Depois de certo tempo, no entanto, funcionários coloniais começaram a notar a existência de muitos ratos vivos, embora sem caudas. É que os coletores de rato vietnamitas capturavam os ratos, cortavam-lhes as caudas e então os liberavam de volta aos esgotos para que pudessem procriar e produzir mais ratos, aumentando assim as suas receitas.
Ninguém conseguiu resumir melhor as lições acima que o grande Bastiat:
“Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei, não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los… Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever.”
Se Bastiat fosse leitura obrigatória para burocratas e legisladores, talvez a quantidade de bobagens e propostas de leis e políticas oportunistas e sem sentido fosse bem menor.
* João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ), João Luiz Mauad é articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”. Escreve regularmente para o site do Instituto Liberal.
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