Lula é eleito "o cara", mas Itamaraty coleciona atritos
Mais um artigo sobre a política externa brasileira, desta vez de Eliane Cantanhêde na Folha de SP de hoje: “Elogios externos ao presidente contrastam com críticas a polêmicas diplomáticas Brasil entrou em impasse na crise em Honduras, recebeu o presidente do Irã e, apesar de elogios de Obama a Lula, trocou farpas com os EUA Em 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi chamado de “o cara” por […] Leia mais
Publicado em 28 de dezembro de 2009 às, 17h14.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 13h09.
Mais um artigo sobre a política externa brasileira, desta vez de Eliane Cantanhêde na Folha de SP de hoje:
“Elogios externos ao presidente contrastam com críticas a polêmicas diplomáticas
Brasil entrou em impasse na crise em Honduras, recebeu o presidente do Irã e, apesar de elogios de Obama a Lula, trocou farpas com os EUA
Em 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi chamado de “o cara” por Barack Obama e aclamado como “o personagem do ano” pelo jornal espanhol “El País” e “homem do ano” pelo francês “Le Monde”, mas a política externa do Brasil tem sido polêmica e duramente criticada à esquerda e, principalmente, à direita no mundo.
Pautada pela corrida por um lugar de liderança no mundo pós-crise econômica, a política externa é elogiada como “ousada” pelos aliados e como “megalomaníaca” por adversários.
Sai de 2009 deixando um rastro de gestos, ações e questões mal resolvidas. Os pontos centrais do ano da diplomacia brasileira atendem por dois nomes de países: Honduras e Irã. Mas é com um terceiro que o Brasil tenta -“infantilmente”, segundo a oposição- medir forças: os Estados Unidos.
O Brasil entrou bem na crise hondurenha, encabeçando a grita uníssona internacional contra o golpe de Estado e a favor da democracia, mas atrelou-se excessivamente a uma das partes, a do presidente deposto, Manuel Zelaya, e acabou perdendo as condições de intermediação no conflito.
Sem saída, Lula, o ministro Celso Amorim e o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, tiveram de cair na armadilha criada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que estimulou Zelaya a se abrigar na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Zelaya não se fez de rogado. Tomou conta da sede brasileira, com familiares e mais de uma centena de aliados.
O que foi considerado o principal erro do governo, porém, foi ter pedido socorro aos Estados Unidos, mas, quando eles apresentaram a solução para Honduras -acatar as eleições e ir em frente-, o Brasil não aceitou. Recusou-se a reconhecer o eleito, Porfírio Lobo, alongando a crise e colaborando para dividir a OEA (Organização dos Estados Americanos).
No caso do Irã, Planalto e Itamaraty conseguiram trazer ao país num só mês, novembro, os presidentes da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, de Israel, Shimon Peres, e do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.
O Brasil tem sido bastante criticado pelos que consideram o Irã uma ditadura sangrenta e por setores internacionais que veem no país um risco nuclear. A crítica aumentou quando o Brasil absteve-se de votar a favor de censura da ONU ao programa nuclear iraniano.
O argumento brasileiro é que a melhor política é a do não isolamento, mas a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, mandou um recado público, criticando os que “flertam” com o regime iraniano.
Provocações, inclusive pela imprensa, marcaram as relações de Brasília com Washington ao longo de 2009, enquanto Obama e Lula trocavam cartas e os diplomatas organizavam a vinda de Hillary e do presidente dos EUA no início de 2010.
As desavenças são muitas: as tarifas americanas ao etanol brasileiro, o fracasso da Rodada Doha de comércio, o desfecho da crise em Honduras, o arriscado jogo brasileiro com o Irã e a desconfiança gerada na América do Sul, Venezuela à frente, com a ampliação de tropas dos EUA na Colômbia.
“Frustração” e “decepção”
Amorim manifestou “frustração” e cobrou “maior franqueza” do governo Obama com a região. Garcia ecoou no Planalto falando em “decepção”.
Obama não atendeu ao pedido de Lula de uma reunião com os presidentes sul-americanos, que se reuniram três vezes para discutir as bases colombianas, sem sucesso.
Só na reta final do ano, o Conselho de Defesa da região, integrado por chanceleres e ministros de Defesa, conseguiu algo prático: qualquer acordo militar com terceiros países tem de ser previamente comunicado; tropas de fora da região ficam sujeitas à regra de interterritorialidade; e está sendo criado um banco de dados sobre gastos e armamentos de defesa de cada país.
Enquanto provoca os EUA, o Brasil aprofundou sua aliança estratégica com a França, que tem a forma de submarinos, helicópteros e, possivelmente, de aviões de caça. Além disso, Lula fechou com o francês Nicolas Sarkozy uma proposta comum para a Conferência do Clima de Copenhague.
Como grande vitória do ano, o Rio de Janeiro ganhou de Chicago, Madri e Tóquio o direito de sediar a Olimpíada de 2016. Como principal derrota, o Itamaraty descartou dois fortes candidatos a diretor-geral da Unesco, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) e o atual diretor-adjunto, Márcio Barbosa, para apoiar um egípcio suspeito de racismo. E que, além de tudo, perdeu a eleição.
Numa outra polêmica internacional, o Itamaraty votou contra o refúgio do terrorista Cesare Battisti, mas o ministro da Justiça, Tarso Genro, decidiu o contrário e gerou tensões entre Brasil e Itália. Crise criada, a questão foi parar no Supremo, que a devolveu para Lula. Amorim lavou as mãos. (Folha de SP 28/12/2009)“