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Lula, Dilma e o conto da privatização

O que Lula de fato pensa sobre a privatização, eu não sei, talvez ninguém saiba. O mais provável é que ele não tenha um pensamento coerente a respeito. Que tanto faz uma grande empresa ser estatal ou privada, contanto que o presidente e seu partido saibam usá-la em seu proveito . Tome-se o caso da Petrobras. Salta aos olhos que Lula não tem o menor pudor em envolvê-la no caldeirão […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 24 de outubro de 2010 às 00h40.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 10h58.

O que Lula de fato pensa sobre a privatização, eu não sei, talvez ninguém saiba. O mais provável é que ele não tenha um pensamento coerente a respeito. Que tanto faz uma grande empresa ser estatal ou privada, contanto que o presidente e seu partido saibam usá-la em seu proveito .

Tome-se o caso da Petrobras. Salta aos olhos que Lula não tem o menor pudor em envolvê-la no caldeirão eleitoral. Enquanto ela for capaz de produzir algum leite ideológico, ele continuará a lhe apertar as tetas, até o limite, sem dó nem piedade.

Isto, aliás, é o que ele vem fazendo pela boca do Sr. Gabrieli, que não parece perceber a necessidade de uma distinção clara entre o seu papel atual de presidente da empresa e a condição de militante petista.

Diferentemente da Petrobras, a Vale do Rio Doce é uma empresa privada. Através do BNDESpar e dos fundos de pensão das estatais, o governo detém a maioria do capital votante, mas não a maioria qualificada necessária para a tomada de certas decisões.

Foi por isso que Lula e Dilma Rousseff não conseguiram mandar na empresa tanto quanto gostariam, nem dar o passo seguinte, que seria a destituição de Roger Agnelli e a imposição de um novo presidente.

A dez dias da eleição, parece inútil especular sobre o que Lula e Dilma farão ou deixarão de fazer a respeito da Vale.

Muito mais proveitoso, no momento, é perguntar por que Lula, esse inimigo de morte das privatizações que temos visto na propaganda de Dilma Rousseff, não reverteu nenhuma das privatizações do período Fernando Henrique, e por que o PT não o encostou na parede, cobrando alguma coerência com o velho discurso.

Em 2007, o deputado Ivan Valente, do PSOL, propôs ao Congresso a realização de um plebiscito sobre se a Vale deveria permanecer privada ou ser reestatizada (Projeto de Decreto Legislativo número 374).

O relator da matéria na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Comércio e Indústria foi o deputado José Guimarães, do PT do Ceará. Transcrevo abaixo alguns trechos do relatório, já esclarecendo que se trata de documento público, disponível no site da Câmara; os grifos são meus.

[…] Do ponto de vista econômico, o primeiro foco de análise deveria se concentrar sobre a questão de se seria ou não um bom negócio para a economia brasileira reverter a privatização da Vale.

“Cabe ressaltar que tais considerações envolvem argumentações técnicas de relativa profundidade, que dificilmente poderiam ser abordadas de maneira completa em um debate público, no calor de um [plebiscito] eivado de argumentos simbólicos e simplistas que, muitas vezes, podem distorcer aspectos econômicos de maior complexidade.

Não há negar que a mudança das características societárias da Companhia Vale do Rio Doce foi passo fundamental para estabelecer uma estrutura de governança afinada com as exigências do mercado internacional, que possibilitou extraordinária expansão dos negócios e o acesso a meios gerenciais e mecanismos de financiamento que em muito contribuíram para este desempenho e o alcance dessa condição concorrencial privilegiada de hoje.

De fato, pode-se verificar que a privatização levou a Vale a efetuar investimentos numa escala nunca antes atingida pela empresa, graças à eliminação da necessidade de partilhar recursos com o Orçamento da União, o que, naturalmente, se refletiu em elevação da competitividade da empresa no cenário internacional e permitiu a série de aquisições necessárias para o crescimento do conglomerado minerador a nível internacional.

A despeito das mudanças societárias terem sido favoráveis aos negócios da empresa, ainda persiste muita controvérsia sobre os ganhos do setor público com o processo.

[…] É de difícil sustentação econômica o argumento de que houve perdas para a União. Houve ganhos patrimoniais, dado o extraordinário crescimento do valor da empresa, houve ganhos arrecadatórios significativos, além de ganhos econômicos indiretos com a geração de empregos e com o crescimento expressivo das exportações.

A rigor, a União desfez-se do controle da empresa, em favor de uma estrutura de governança mais ágil e moderna, adaptando a empresa à forte concorrência internacional, mantendo expressiva participação tanto nos ganhos econômicos da empresa, como na sua própria administração. E tal processo foi, inegavelmente, bem-sucedido.

Diante dos fatos, consideramos que a proposta de submeter a reversão de um processo econômico desta natureza e desta monta é desprovido de sentido econômico e pode trazer sérios prejuízos à própria empresa e a seus acionistas, entre os quais se inclui, como exposto, o próprio interesse da União”.

O projeto de decreto do deputado Ivan Valente foi ao âmago do que de fato nos interessa. Durante uma década os partidos de esquerda, capitaneados por Lula, venderam ao eleitorado o argumento de que as privatizações haviam sido um crime de lesa-pátria, uma “venda de patrimônio a preço de banana”, uma autêntica “privataria”.

Em 2006, o mencionado argumento foi peça-chave na disputa do segundo turno, do qual Lula saiu reeleito por ampla margem. Podemos pois presumir que os eleitores o aceitaram de bom grado, em suas mentes e corações.

Em tais condições, o resultado do plebiscito sugerido por Ivan Valente poderia ser previsto com extrema facilidade: a reestatização da Vale seria demandada por uma esmagadora maioria.

Mas a proposta foi fulminada na Comissão, com base num relatório substancioso e feito com muito cuidado. O que não sabemos é se o representante do PT cearense o fez de sua própria cabeça ou com ajuda e instruções de cima.

Publicado no blog de Bolívar Lamounier no site da revista “Exame”

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O que Lula de fato pensa sobre a privatização, eu não sei, talvez ninguém saiba. O mais provável é que ele não tenha um pensamento coerente a respeito. Que tanto faz uma grande empresa ser estatal ou privada, contanto que o presidente e seu partido saibam usá-la em seu proveito .

Tome-se o caso da Petrobras. Salta aos olhos que Lula não tem o menor pudor em envolvê-la no caldeirão eleitoral. Enquanto ela for capaz de produzir algum leite ideológico, ele continuará a lhe apertar as tetas, até o limite, sem dó nem piedade.

Isto, aliás, é o que ele vem fazendo pela boca do Sr. Gabrieli, que não parece perceber a necessidade de uma distinção clara entre o seu papel atual de presidente da empresa e a condição de militante petista.

Diferentemente da Petrobras, a Vale do Rio Doce é uma empresa privada. Através do BNDESpar e dos fundos de pensão das estatais, o governo detém a maioria do capital votante, mas não a maioria qualificada necessária para a tomada de certas decisões.

Foi por isso que Lula e Dilma Rousseff não conseguiram mandar na empresa tanto quanto gostariam, nem dar o passo seguinte, que seria a destituição de Roger Agnelli e a imposição de um novo presidente.

A dez dias da eleição, parece inútil especular sobre o que Lula e Dilma farão ou deixarão de fazer a respeito da Vale.

Muito mais proveitoso, no momento, é perguntar por que Lula, esse inimigo de morte das privatizações que temos visto na propaganda de Dilma Rousseff, não reverteu nenhuma das privatizações do período Fernando Henrique, e por que o PT não o encostou na parede, cobrando alguma coerência com o velho discurso.

Em 2007, o deputado Ivan Valente, do PSOL, propôs ao Congresso a realização de um plebiscito sobre se a Vale deveria permanecer privada ou ser reestatizada (Projeto de Decreto Legislativo número 374).

O relator da matéria na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Comércio e Indústria foi o deputado José Guimarães, do PT do Ceará. Transcrevo abaixo alguns trechos do relatório, já esclarecendo que se trata de documento público, disponível no site da Câmara; os grifos são meus.

[…] Do ponto de vista econômico, o primeiro foco de análise deveria se concentrar sobre a questão de se seria ou não um bom negócio para a economia brasileira reverter a privatização da Vale.

“Cabe ressaltar que tais considerações envolvem argumentações técnicas de relativa profundidade, que dificilmente poderiam ser abordadas de maneira completa em um debate público, no calor de um [plebiscito] eivado de argumentos simbólicos e simplistas que, muitas vezes, podem distorcer aspectos econômicos de maior complexidade.

Não há negar que a mudança das características societárias da Companhia Vale do Rio Doce foi passo fundamental para estabelecer uma estrutura de governança afinada com as exigências do mercado internacional, que possibilitou extraordinária expansão dos negócios e o acesso a meios gerenciais e mecanismos de financiamento que em muito contribuíram para este desempenho e o alcance dessa condição concorrencial privilegiada de hoje.

De fato, pode-se verificar que a privatização levou a Vale a efetuar investimentos numa escala nunca antes atingida pela empresa, graças à eliminação da necessidade de partilhar recursos com o Orçamento da União, o que, naturalmente, se refletiu em elevação da competitividade da empresa no cenário internacional e permitiu a série de aquisições necessárias para o crescimento do conglomerado minerador a nível internacional.

A despeito das mudanças societárias terem sido favoráveis aos negócios da empresa, ainda persiste muita controvérsia sobre os ganhos do setor público com o processo.

[…] É de difícil sustentação econômica o argumento de que houve perdas para a União. Houve ganhos patrimoniais, dado o extraordinário crescimento do valor da empresa, houve ganhos arrecadatórios significativos, além de ganhos econômicos indiretos com a geração de empregos e com o crescimento expressivo das exportações.

A rigor, a União desfez-se do controle da empresa, em favor de uma estrutura de governança mais ágil e moderna, adaptando a empresa à forte concorrência internacional, mantendo expressiva participação tanto nos ganhos econômicos da empresa, como na sua própria administração. E tal processo foi, inegavelmente, bem-sucedido.

Diante dos fatos, consideramos que a proposta de submeter a reversão de um processo econômico desta natureza e desta monta é desprovido de sentido econômico e pode trazer sérios prejuízos à própria empresa e a seus acionistas, entre os quais se inclui, como exposto, o próprio interesse da União”.

O projeto de decreto do deputado Ivan Valente foi ao âmago do que de fato nos interessa. Durante uma década os partidos de esquerda, capitaneados por Lula, venderam ao eleitorado o argumento de que as privatizações haviam sido um crime de lesa-pátria, uma “venda de patrimônio a preço de banana”, uma autêntica “privataria”.

Em 2006, o mencionado argumento foi peça-chave na disputa do segundo turno, do qual Lula saiu reeleito por ampla margem. Podemos pois presumir que os eleitores o aceitaram de bom grado, em suas mentes e corações.

Em tais condições, o resultado do plebiscito sugerido por Ivan Valente poderia ser previsto com extrema facilidade: a reestatização da Vale seria demandada por uma esmagadora maioria.

Mas a proposta foi fulminada na Comissão, com base num relatório substancioso e feito com muito cuidado. O que não sabemos é se o representante do PT cearense o fez de sua própria cabeça ou com ajuda e instruções de cima.

Publicado no blog de Bolívar Lamounier no site da revista “Exame”

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