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Livro revela que ensino técnico eleva a renda em 32%

Lançado pelo Insper, livro reúne resultados das principais avaliações de impacto da EPTNM

Teeanage students doing a test in the classroom (FG Trade/Getty Images)
Teeanage students doing a test in the classroom (FG Trade/Getty Images)

O livro 'Impacto da educação técnica sobre a empregabilidade e a remuneração', lançado pelo Insper nesta semana, reúne os resultados das principais avaliações de impacto de Educação Profissional e Técnica Nível Médio (EPTNM) no Brasil, destacando o potencial desse ensino para o desenvolvimento econômico e social do país. 

Dentre os principais resultados, o estudo revela que um jovem que cursar EPTNM terá, ao longo da vida, uma remuneração em média 32% mais elevada do que aqueles que apenas concluem um Ensino Médio regular. O estudo não faz comparações com jovens com nível superior, mas evidencia um caminho para elevar a renda da população mais pobre, considerando que apenas 24% dos jovens brasileiros frequentam a universidade. 

O Instituto Millenium realizou uma entrevista com Laura Müller Machado e Andrezza Rosalém, autoras do livro, juntamente com Ricardo Paes de Barros, professor titular do Insper, Lígia Lóss Corradi, consultora em pesquisa socioeconômica, e Samuel Franco, sócio-diretor da Oppen Social. O livro está disponível na Amazon, sendo a versão para Kindle gratuita. Confira abaixo a conversa: 

Instituto Millenium: Vamos começar com o tema central do livro. Qual o impacto da educação técnica sobre a empregabilidade e a remuneração dos jovens?  

Laura Müller Machado: Os resultados encontrados apontam que a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) eleva o valor presente da remuneração dos seus egressos em R$ 137 mil (32%) ao longo da vida, por meio de aumento na taxa de ocupação (R$ 51 mil) e na remuneração (R$ 86 mil). Como o custo dessa modalidade é em torno de R$ 16 mil, a política pública tem uma relação custo benefício de 1 para 8,6, ou seja, para cada real gasto, o jovem terá 8,6 de retorno, caso conclua o curso. 

Andrezza Rosalém: O cerne dos estudos compilados no livro é o impacto significativo da Educação Profissional e Tecnológica (EPTNM) na empregabilidade e remuneração de seus egressos, uma conclusão baseada na análise de 76 estimativas. Um aspecto importante é a variação desse impacto, influenciado por fatores como o nível de escolaridade do egresso e a natureza do emprego (formal versus informal, dentro ou fora da área de formação). Observando a empregabilidade desses egressos, nota-se que ela é 5 pontos percentuais maior comparada àqueles que não fizeram educação profissional e tecnológica. Especificamente entre indivíduos com no máximo Ensino Médio completo, esse aumento na empregabilidade pode alcançar 7,6 pontos percentuais. Em suma, a EPT não apenas eleva as chances de conseguir um emprego, mas também aumenta a probabilidade de este ser formal. 

IM: Acredita que o ensino técnico é subestimado no Brasil por uma questão cultural ou faltam políticas públicas relacionadas a isso? Hoje o ensino técnico carece de prestígio, é visto como uma modalidade de ensino inferior, reservada às classes mais populares. O fato de não ser atrativo à classe média mina também o interesse dos mais pobres?  

LMM: Talvez a sociedade não saiba os ganhos de cursar o ensino técnico, existe uma assimetria de informação.  

AR: Concordo com Laura sobre como a falta de prestígio ou o desinteresse pelo ensino técnico pode estar parcialmente ligado à assimetria de informação. No entanto, acredito que a baixa adesão ao Ensino Profissional e Técnico de Nível Médio (EPTNM) no Brasil seja o resultado de uma combinação de fatores, incluindo questões culturais e políticas públicas ineficazes. 

Historicamente, tanto no Brasil quanto em outros países, observa-se uma valorização mais acentuada do ensino superior em detrimento do técnico. As universidades são frequentemente vistas como o passo natural após o Ensino Médio, vinculadas a um status social elevado e a melhores oportunidades de carreira. Por outro lado, o ensino técnico muitas vezes é visto como uma alternativa de "segundo nível", destinada àqueles que não conseguiram ou não têm recursos financeiros para ingressar no ensino superior. 

Quanto às políticas públicas, apesar de o Brasil contar com programas de ensino técnico, como o PRONATEC, percebe-se a necessidade de políticas mais robustas. Essas políticas deveriam fomentar a integração entre teoria e prática, estabelecer parcerias com o setor privado e traçar um caminho claro para o emprego após a formação técnica.  

Outro fator relevante é a falta de reconhecimento e valorização das habilidades técnicas no mercado de trabalho brasileiro, onde muitas vezes se prefere contratar graduados universitários, mesmo para posições que, tecnicamente, seriam mais adequadas a profissionais com formação técnica. 

E sim, a classe média frequentemente exerce influência significativa sobre as tendências educacionais e as percepções sociais. A preferência por diplomas universitários pode desencorajar pessoas de todas as classes sociais a buscar o ensino técnico. Se essa modalidade de ensino não atrai a classe média, isso pode reforçar a ideia de que é uma opção de menor valor. Tal percepção, por sua vez, pode afetar negativamente a visão dos menos favorecidos economicamente e desestimular sua participação no ensino técnico. 

IM: As necessidades do mercado de trabalho são específicas e mudam com certa frequência. Por outro lado, o tempo do governo para se adaptar a essas necessidades e mudanças costuma ser mais lento. Como criar políticas públicas para o ensino técnico que sejam conectadas com o mercado de trabalho? Como devem ocorrer as decisões sobre quais cursos oferecer, por exemplo, para que não haja um descolamento entre oferta e demanda, como ocorre hoje em muitos cursos universitários?  

LMM: Precisam existir instâncias de diálogo permanente entre o setor produtivo e os centros de oferta de ensino técnico. 

AR: Para criar políticas públicas efetivas para o EPT que estejam alinhadas com as necessidades do mercado de trabalho, é necessário um planejamento estratégico e uma ação integrada entre várias partes interessadas. Algumas estratégias que poderiam ser adotadas: (i) Termos um diagnóstico do mercado de trabalho, com análises contínuas para identificar áreas com alta demanda por profissionais técnicos; (ii) Criação de conselhos setoriais com representantes da indústria, do governo, de instituições de ensino técnico e do setor de trabalho para discutir necessidades e tendências. Esses conselhos poderiam ter um papel mais atuante na atualização do currículo técnico, garantindo que estejam alinhados com as necessidades do mercado; (iii) Parcerias com o setor privado para desenvolver programas de estágio, treinamento e aprendizado que preparem os estudantes para as necessidades reais do mercado; (iv) Flexibilização do currículo, pensar em currículos modulares que permitam rápida adaptação às mudanças nas demandas do mercado. Permitir que os alunos personalizem parte de seus cursos escolhendo módulos que atendam a seus interesses e também a nichos de mercado; (v) Oferecer incentivos, como subsídios ou bolsas de estudo, para cursos que atendam a setores com alta demanda por mão de obra qualificada; (vi) Investir em pesquisas prospectivas para prever as habilidades necessárias no futuro, considerando a evolução tecnológica e as mudanças econômicas globais; e (vii) Implementar sistemas de acompanhamento de egressos para avaliar sua inserção no mercado de trabalho e o sucesso de diferentes cursos. 

IM: Será que os rendimentos do ensino técnico para quem o faz só não são mais altos justamente porque há pouca oferta desses profissionais para muita demanda? Com a popularização dessa modalidade, os rendimentos podem decrescer?  

LMM: Considerando que o ensino técnico vai elevar a qualidade do capital humano, aumentando a produtividade, em um ambiente sem barreiras para o investimento de capital, esses retornos não devem cair. É por isso que, na Europa, os salários são maiores, um maior capital humano aumenta o investimento. 

AR: Concordo com a Laura, o fato da EPT elevar a qualidade do capital humano, aumentando a produtividade do trabalho, garante que não haja uma perda salarial. 

IM: De que maneira o ensino técnico pode preparar os estudantes para as rápidas mudanças tecnológicas e a automação em diversos setores? 

LMM: A educação de forma geral precisa estar atenta à habilidade de aprender. O aprendizado ao longo da vida é importante, mas não sei se isso deveria estar no ensino técnico, deveria estar na educação básica. De forma a que essa aquisição de habilidade, ou qualquer outra, seja possível de ser desenvolvida ao longo da vida, e não apenas nos cursos técnicos em si. 

AR: A habilidade de adaptação às mudanças, idealmente deveria ser desenvolvida desde a educação básica. No entanto, pode ser aprimorada através do ensino técnico, preparando os estudantes para as rápidas evoluções tecnológicas e da automação. A EPT pode atuar em várias frentes para equipar os estudantes: (i) Flexibilidade Curricular: Adotar uma abordagem de atualização contínua dos currículos, incorporando as mais recentes tecnologias e práticas. Isso assegura que os alunos adquiram habilidades pertinentes e atualizadas; (ii) Experiências práticas: Proporcionar laboratórios, simulações e estágios que permitam aos estudantes aplicar o conhecimento em contextos reais; (iii) Parcerias: Promover colaborações com empresas e setores líderes em adoção tecnológica, garantindo que a formação esteja em consonância com as inovações do mercado, e; (iv) Fomento ao empreendedorismo e inovação: Oferecer cursos focados em empreendedorismo e inovação, preparando os alunos para criar e gerenciar negócios próprios, especialmente em setores tecnológicos.