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Leis bizarras interferem no setor privado e atrapalham economia

Na Alerj, pautas como a criação de carteira de habilitação para pilotar patinete são discutidas, enquanto matérias importantes estão paradas

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Instituto Millenium

Publicado em 15 de outubro de 2019 às, 13h57.

Desde 2015, o Rio de Janeiro atravessa a maior crise de sua história. Atingido pela queda na arrecadação dos royalties do petróleo e por uma corrupção desenfreada, revelada pela Operação Lava Jato, o Governo do Estado não conseguiu manter os serviços mais básicos nas áreas de saúde, educação e assistência social, desmantelou o sistema de segurança pública e atrasou os salários dos servidores. Apesar do cenário de extrema gravidade, os deputados estaduais parecem ter outras prioridades. Entre as propostas analisadas pelos parlamentares fluminenses estão ações como a obrigatoriedade de habilitação para pilotar patinetes, a presença de nutricionista em loja de suplementos, de um professor de educação física em academias de condomínios, além de gôndolas separadas para a venda de bebidas nos mercados.

Além da flagrante bizarrice desse tipo de proposta, há algo muito pior: a interferência na atividade econômica causa prejuízos, tira o estímulo dos empreendedores e reforça a insegurança jurídica no Brasil. “Estes projetos são absurdos, e é difícil tentar entender a motivação disso. Uma possibilidade é a ignorância econômica, na ânsia de caçar votos para setores específicos. Além disso, esse tipo de dificuldade criada pelas leis pode servir para aumentar o tamanho do Estado, uma vez que a execução destes projetos demanda a criação de um aparato fiscalizatório. Com isso, o custo para se investir fica mais alto e se tira a liberdade de empreender, dificultando a vida do indivíduo”, considerou o doutor em economia, Marcelo Mello, em entrevista ao Instituto Millenium.

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O pós-doutor em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alexandre Pagliarini, também considera absurda esse tipo de lei. “É impossível não classificar isso de jocoso, ridículo e até humilhante para o Brasil e, no caso específico, para o Rio de Janeiro. Se você pegar o conjunto da obra, quanto mais legislador é o Estado, mais ele se imiscui na vida privada das pessoas e das empresas. O ideal seria que o Estado se metesse o mínimo possível, a partir de uma visão liberal. Agora, no caso do Rio de Janeiro, você percebe que ele está dificultando a vida dos empreendedores. É algo impensável, porque isso acaba diminuindo o índice de empregabilidade, em vez de aumentar”, disse.

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Para Marcelo Mello, esse tipo de lei só traz desestímulo para novos investimentos. “Se você tem um condomínio residencial, anuncia que há uma sala de ginástica e aparece uma lei obrigando a presença de um profissional. O que o condomínio vai fazer? Provavelmente, vai fechar a sala, porque encarece o condomínio. Esse tipo de lei, de apelo populista, ajuda a destruir de forma invisível empregos. Quem cria emprego é a livre iniciativa, o setor privado. O governo não cria emprego por lei”, disse.

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Este tipo de legislação existe em todas as esferas, mas um dado mostra a gravidade do exemplo do Rio de Janeiro: enquanto os deputados estaduais perdem tempo com estes projetos, a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), condição determinante para o Estado ter entrado no Regime de Recuperação Fiscal do governo federal, não saiu do papel.

Leis podem ser questionadas, mas caminho é difícil

De acordo com Pagliarini, é possível arguir a constitucionalidade deste tipo de lei, com relação ao conteúdo dos projetos, que têm caráter inibidor. “No entanto, isso é difícil, porque a própria Constituição não é bem resolvida no sentido de o Brasil ser um Estado mais social ou mais liberal. Isso tudo certamente levaria o Supremo Tribunal Federal a não tomar posição, ou a tomar uma posição a favor. Não existe inconstitucionalidade evidente”, disse, citando o exemplo do kit de primeiros-socorros para os automóveis, medida polêmica que vigorou no final dos anos 1990.

Papel da sociedade é fundamental

Na opinião do economista Marcelo Mello, o cidadão tem um grande poder de fiscalização e mobilização para evitar que este tipo de projeto prospere. “Numa democracia, todas as partes devem funcionar. É um sistema que não concentra poder, em tese. O cidadão é parte fundamental deste processo, e precisa servir como um contrapeso. O povo tem força, e isso já foi demonstrado nos protestos apolíticos de junho de 2013, que geraram impacto, agora tivemos renovação de poder no Executivo e no Legislativo, e a gente precisa ficar em cima, fiscalizar e acompanhar”, disse.