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Instituto Millenium entrevista Regina Pacheco

Regina Pacheco: "Diversificar as formas de contratação de pessoal geraria benefícios a curto, médio e longo prazos".

Instituto Millenium entrevista Regina Pacheco (Instituto Millenium/Divulgação)
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Publicado em 26 de julho de 2023 às 11h40.

Com as reformas previdenciária, trabalhista e tributária aprovadas na Câmara dos Deputados, surge a pergunta: qual será o próximo grande projeto de reforma que ocupará o plenário da Casa? Para Arthur Lira, a resposta é evidente: a reforma administrativa. Recentes pronunciamentos do presidente da Câmara acenderam o debate sobre a urgência e a melhor configuração para uma reforma administrativa no Brasil, desencadeando a resistência de alguns setores do governo. Nesse cenário, o Instituto Millenium conversou com Regina Pacheco, uma das maiores autoridades em reforma do Estado no Brasil.

Com uma extensa trajetória na administração pública, Regina Pacheco foi presidente da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e participou  da elaboração do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. É professora na FGV-EAESP e atual Secretária Adjunta de Gestão da Prefeitura de São Paulo. Pacheco também fez parte do Comitê de Especialistas em Administração Pública das Nações Unidas (UN CEPA).

Nesta entrevista, Pacheco compartilha sua visão sobre a reforma administrativa no Brasil, analisa a relação entre eficiência e custos na administração pública, e explora como a diversificação nos modos de contratação de pessoal pode representar um passo crucial para modernizar a administração pública brasileira. Ela ressalta a necessidade de superar a preocupação  exclusiva com o patrimonialismo - um problema relevante, reconhece - e enfatiza a importância de nos prepararmos para os desafios do futuro. Em vez de grandes reformas constitucionais, Pacheco defende a implementação de mudanças incrementais que possam resultar em um Estado mais resolutivo e ágil, capaz de traduzir a defesa de direitos do discurso para a ação prática - por meio da provisao de serviços publicos de qualidade e da eliminação radical de privilégios no setor público.

Instituto Millenium: Qual é a sua perspectiva em relação à aprovação de uma reforma administrativa? Uma reforma profunda é imprescindível, ou seria mais apropriada uma abordagem incremental, focando em aperfeiçoar os aspectos problemáticos do funcionamento da adminsitração pública?

Regina Pacheco: Penso que, considerando o atual cenário político-institucional do Brasil, estamos mais preparados para a abordagem incremental. Uma reforma profunda exige amplo consenso, uma proposta robusta e clara, coalizões  fortes e uma relação de diálogo produtivo entre o governo e o Congresso, centrado no interesse nacional. Todavia, neste momento, tais condições não estão presentes. Assim, mudanças incrementais se apresentam como a opção mais viável. Embora possam parecer menos impactantes, têm grande valor se puderem enfrentar efetivamente problemas conhecidos e persistentes do setor público. A remoção de privilégios e a introdução de flexibilidade na gestão de pessoas são medidas incrementais que, por si só, representam um avanço significativo para a efetividade  do Estado brasileiro em todas as suas esferas federativas. Entretanto, é preciso considerar a ordem dessas mudanças. Medidas como remuneração variável por desempenho ou avaliação de desempenho não serão eficazes se implementadas prematuramente, uma vez que essa cultura ainda não está consolidada no setor público brasileiro. Precisamos começar pelas ações que realmente favorecerão a melhoria do serviço público prestado. Além disso, é importante frisar: a eliminação de privilégios deve ser efetiva e incluir também os atuais ocupantes de cargos públicos. Não é  justificável esperar 35 anos para extinguir privilégios no setor público. Não podemos defender a manutenção de privilégios sob a justificativa de direitos adquiridos. Privilégios devem ser extintos, e isso deve ser feito agora.

Instituto Millenium: É possível realizar uma reforma que aumente a eficiência da administração pública e ao mesmo tempo diminua seus custos? Existe um trade-off nessa equação ou estamos diante de uma falsa dicotomia?

Regina Pacheco: Diminuir os custos pode aumentar a eficiência. Mas o principal objetivo deve ser aumentar a qualidade dos serviços públicos. A questão  está mais ligada à efetividade. Acredito que é plenamente possível diminuir custos e aumentar a efetividade. Para isso, precisamos cortar privilégios  e eliminar a distância   entre as regras de trabalho para o funcionalismo público e o trabalhador comum. Além disso, diversificar as formas de contratação e vínculos empregatícios poderia oferecer maior flexibilidade para alinhar a contratação de pessoal às necessidades reais do setor público. Assim, vejo que é plenamente possível diminuir custos e aumentar a efetividade, desde que as ações adotadas estejam na direção correta.

Instituto Millenium: Considerando os custos de aprovação e implementação de uma reforma administrativa no Brasil, qual seria, em sua opinião, a medida com melhor relação custo-benefício para melhorar a administração pública? Há algum mecanismo específico que, a seu ver, poderia ter um custo relativamente baixo, mas um impacto significativo na operação do setor público?

Regina Pacheco: Na minha visão, a diversificação das formas de contratação de pessoal seria a medida com melhor relação custo-benefício para melhorar a administração pública. Essa ação não apenas diminuiria os custos financeiros, mas também traria benefícios a curto, médio e longo prazos na resolução de problemas. Precisamos de profissionais com competências em ciência de dados, monitoramento de resultados, entre outras, e a diversificação dos vínculos permitiria uma contratação mais ágil e precisa de profissionais com essas habilidades, sem a necessidade de concursos públicos, sempre demorados. Embora essa medida possa enfrentar resistência no debate político, em função de uma visão que foca  o patrimonialismo como o problema central a enfrentar, devemos voltar nosso olhar para o futuro, pensando em como antecipar tendências e trabalhar a favor daquelas que nos conduzirão à diminuição das desigualdades, ao desenvolvimento, ao crescimento e à prosperidade do país. Portanto, embora o custo político seja presente, o benefício financeiro e a aceleração das transformações desejadas no Estado brasileiro compensam.

Instituto Millenium: Você mencionou a importância de olharmos para o futuro ao considerar as mudanças necessárias no setor público, em vez de nos concentrarmos em superar o patrimonialismo. Você poderia expandir essa ideia e como  poderia nos ajudar a transformar a administração pública no Brasil?

Regina Pacheco: Quando digo que estamos focados no patrimonialismo, estou me referindo à tendência de basear nossa visão do setor público nos problemas do passado, em vez de olhar para as demandas do futuro.  Entendo que para enfrentar os problemas do Estado brasileiro requer olhar para além desse legado histórico. É  fundamental observar o que está sendo feito em outros países, e que maneira estão lidando com desafios contemporâneos e quais estratégias estão empregando para modernizar suas administrações públicas. Países bem-sucedidos em transformar  o setor público têm adotado uma abordagem flexível e adaptável, o que inclui a diversificação das formas de contratação, como mencionei antes. Além disso, precisamos nos antecipar aos problemas do futuro. As questões  tuais e das próximas décadas são complexas, abrangendo áreas como mudanças climáticas, desigualdade social, inovação tecnológica e desenvolvimento sustentável. Para lidar com esses desafios, precisamos de um setor público ágil, flexível e efetivo. Portanto, se quisermos realmente transformar nosso setor público e torná-lo apto para o século XXI, devemos mudar o foco  no patrimonialismo para uma visão mais global e orientada para o futuro. Um aggiornamento necessário e urgente.

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Com as reformas previdenciária, trabalhista e tributária aprovadas na Câmara dos Deputados, surge a pergunta: qual será o próximo grande projeto de reforma que ocupará o plenário da Casa? Para Arthur Lira, a resposta é evidente: a reforma administrativa. Recentes pronunciamentos do presidente da Câmara acenderam o debate sobre a urgência e a melhor configuração para uma reforma administrativa no Brasil, desencadeando a resistência de alguns setores do governo. Nesse cenário, o Instituto Millenium conversou com Regina Pacheco, uma das maiores autoridades em reforma do Estado no Brasil.

Com uma extensa trajetória na administração pública, Regina Pacheco foi presidente da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e participou  da elaboração do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. É professora na FGV-EAESP e atual Secretária Adjunta de Gestão da Prefeitura de São Paulo. Pacheco também fez parte do Comitê de Especialistas em Administração Pública das Nações Unidas (UN CEPA).

Nesta entrevista, Pacheco compartilha sua visão sobre a reforma administrativa no Brasil, analisa a relação entre eficiência e custos na administração pública, e explora como a diversificação nos modos de contratação de pessoal pode representar um passo crucial para modernizar a administração pública brasileira. Ela ressalta a necessidade de superar a preocupação  exclusiva com o patrimonialismo - um problema relevante, reconhece - e enfatiza a importância de nos prepararmos para os desafios do futuro. Em vez de grandes reformas constitucionais, Pacheco defende a implementação de mudanças incrementais que possam resultar em um Estado mais resolutivo e ágil, capaz de traduzir a defesa de direitos do discurso para a ação prática - por meio da provisao de serviços publicos de qualidade e da eliminação radical de privilégios no setor público.

Instituto Millenium: Qual é a sua perspectiva em relação à aprovação de uma reforma administrativa? Uma reforma profunda é imprescindível, ou seria mais apropriada uma abordagem incremental, focando em aperfeiçoar os aspectos problemáticos do funcionamento da adminsitração pública?

Regina Pacheco: Penso que, considerando o atual cenário político-institucional do Brasil, estamos mais preparados para a abordagem incremental. Uma reforma profunda exige amplo consenso, uma proposta robusta e clara, coalizões  fortes e uma relação de diálogo produtivo entre o governo e o Congresso, centrado no interesse nacional. Todavia, neste momento, tais condições não estão presentes. Assim, mudanças incrementais se apresentam como a opção mais viável. Embora possam parecer menos impactantes, têm grande valor se puderem enfrentar efetivamente problemas conhecidos e persistentes do setor público. A remoção de privilégios e a introdução de flexibilidade na gestão de pessoas são medidas incrementais que, por si só, representam um avanço significativo para a efetividade  do Estado brasileiro em todas as suas esferas federativas. Entretanto, é preciso considerar a ordem dessas mudanças. Medidas como remuneração variável por desempenho ou avaliação de desempenho não serão eficazes se implementadas prematuramente, uma vez que essa cultura ainda não está consolidada no setor público brasileiro. Precisamos começar pelas ações que realmente favorecerão a melhoria do serviço público prestado. Além disso, é importante frisar: a eliminação de privilégios deve ser efetiva e incluir também os atuais ocupantes de cargos públicos. Não é  justificável esperar 35 anos para extinguir privilégios no setor público. Não podemos defender a manutenção de privilégios sob a justificativa de direitos adquiridos. Privilégios devem ser extintos, e isso deve ser feito agora.

Instituto Millenium: É possível realizar uma reforma que aumente a eficiência da administração pública e ao mesmo tempo diminua seus custos? Existe um trade-off nessa equação ou estamos diante de uma falsa dicotomia?

Regina Pacheco: Diminuir os custos pode aumentar a eficiência. Mas o principal objetivo deve ser aumentar a qualidade dos serviços públicos. A questão  está mais ligada à efetividade. Acredito que é plenamente possível diminuir custos e aumentar a efetividade. Para isso, precisamos cortar privilégios  e eliminar a distância   entre as regras de trabalho para o funcionalismo público e o trabalhador comum. Além disso, diversificar as formas de contratação e vínculos empregatícios poderia oferecer maior flexibilidade para alinhar a contratação de pessoal às necessidades reais do setor público. Assim, vejo que é plenamente possível diminuir custos e aumentar a efetividade, desde que as ações adotadas estejam na direção correta.

Instituto Millenium: Considerando os custos de aprovação e implementação de uma reforma administrativa no Brasil, qual seria, em sua opinião, a medida com melhor relação custo-benefício para melhorar a administração pública? Há algum mecanismo específico que, a seu ver, poderia ter um custo relativamente baixo, mas um impacto significativo na operação do setor público?

Regina Pacheco: Na minha visão, a diversificação das formas de contratação de pessoal seria a medida com melhor relação custo-benefício para melhorar a administração pública. Essa ação não apenas diminuiria os custos financeiros, mas também traria benefícios a curto, médio e longo prazos na resolução de problemas. Precisamos de profissionais com competências em ciência de dados, monitoramento de resultados, entre outras, e a diversificação dos vínculos permitiria uma contratação mais ágil e precisa de profissionais com essas habilidades, sem a necessidade de concursos públicos, sempre demorados. Embora essa medida possa enfrentar resistência no debate político, em função de uma visão que foca  o patrimonialismo como o problema central a enfrentar, devemos voltar nosso olhar para o futuro, pensando em como antecipar tendências e trabalhar a favor daquelas que nos conduzirão à diminuição das desigualdades, ao desenvolvimento, ao crescimento e à prosperidade do país. Portanto, embora o custo político seja presente, o benefício financeiro e a aceleração das transformações desejadas no Estado brasileiro compensam.

Instituto Millenium: Você mencionou a importância de olharmos para o futuro ao considerar as mudanças necessárias no setor público, em vez de nos concentrarmos em superar o patrimonialismo. Você poderia expandir essa ideia e como  poderia nos ajudar a transformar a administração pública no Brasil?

Regina Pacheco: Quando digo que estamos focados no patrimonialismo, estou me referindo à tendência de basear nossa visão do setor público nos problemas do passado, em vez de olhar para as demandas do futuro.  Entendo que para enfrentar os problemas do Estado brasileiro requer olhar para além desse legado histórico. É  fundamental observar o que está sendo feito em outros países, e que maneira estão lidando com desafios contemporâneos e quais estratégias estão empregando para modernizar suas administrações públicas. Países bem-sucedidos em transformar  o setor público têm adotado uma abordagem flexível e adaptável, o que inclui a diversificação das formas de contratação, como mencionei antes. Além disso, precisamos nos antecipar aos problemas do futuro. As questões  tuais e das próximas décadas são complexas, abrangendo áreas como mudanças climáticas, desigualdade social, inovação tecnológica e desenvolvimento sustentável. Para lidar com esses desafios, precisamos de um setor público ágil, flexível e efetivo. Portanto, se quisermos realmente transformar nosso setor público e torná-lo apto para o século XXI, devemos mudar o foco  no patrimonialismo para uma visão mais global e orientada para o futuro. Um aggiornamento necessário e urgente.

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