Instituto Millenium entrevista: Fernando Gabeira
Fernando Gabeira não está exercendo nenhuma função política, tampouco está articulando alianças para disputar um cargo no Legislativo ou no Executivo. Isso não significa, porém, que tenha deixado de lado a luta por um Brasil melhor. Com a mesma independência de sempre, o escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro agora expressa sua opinião contundente em artigos publicados no jornal “O Estado de S. Paulo” e no programa […] Leia mais
Publicado em 5 de setembro de 2013 às, 12h12.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 08h51.
Fernando Gabeira não está exercendo nenhuma função política, tampouco está articulando alianças para disputar um cargo no Legislativo ou no Executivo. Isso não significa, porém, que tenha deixado de lado a luta por um Brasil melhor.
Com a mesma independência de sempre, o escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro agora expressa sua opinião contundente em artigos publicados no jornal “O Estado de S. Paulo” e no programa “Gabeira na Globonews”.
Autor de 15 livros, incluindo “Onde está tudo aquilo agora? Minha vida na política”, (Companhia das Letras, 2013), ele acredita que hoje, dada a pequenez do Congresso Nacional, pode contribuir muito mais para as grandes questões nacionais longe da política tradicional.
Nesta entrevista, Gabeira analisa as manifestações que começaram a tomar as ruas do país em junho, que ele considera ser “um sopro de ânimo”. O escritor e jornalista afirma ainda que falta muito para as instituições e os políticos darem uma resposta mais efetiva aos anseios da sociedade.
Instituto Millenium: As manifestações populares ganharam as ruas da Espanha, do mundo árabe… O que há de específico nas manifestações brasileiras?
Fernando Gabeira: Elas não podem ser colocadas no mesmo patamar, embora todas tenham acontecido no período em que os instrumentos digitais de comunicação desempenham um papel importante. Na Espanha, o telefone celular permitiu, em 2004, as primeiras manifestações contra o governo que, às vésperas da eleição, atribuiu um atentado a um grupo que não era o responsável pelo mesmo. As pessoas sentiram que era manipulação e fizeram um grande movimento contra o governo. A Primavera Árabe e a revolta no Irã mostraram que a população, além de se revoltar, documenta a revolta e a divulga.
Grande parte da revolta no Brasil foi fruto da contradição de um país que paga imposto de forma mais que satisfatória e tem de volta um serviço publico de péssima qualidade. A corrupção e a fragilidade do serviço público no transporte, na saúde e na educação contribuíram para que as pessoas fossem às ruas.
Imil: Os protestos são também um sinal da fadiga da população com a forma de fazer política no Brasil. As críticas são constantes, mas, ano após ano, as mesmas práticas parecem não dar lugar a mudanças que respondam aos anseios da população.
Gabeira: Sim, e o aspecto mais revoltante dessa fadiga é o cinismo dos políticos, que procuram atuar como se nada tivesse acontecido, com métodos muito grosseiros de manipulação. As pessoas querem uma nova forma de fazer política, que não está muito bem explicitada, mas que, certamente, não inclui divisão de cargos para compensações eleitorais, falta de transparência… As pessoas querem uma política mais próxima, que respeite quem elegeu o deputado ou o senador. Esses movimentos nunca passam completamente em branco, eles deixam algumas marcas e alguns comportamentos começam a ser revistos, ainda que lentamente. Considero o saldo positivo. O efeito colateral é o surgimento de grupos violentos.
Quando há grandes movimentos de massa, sobra sempre um resíduo mais radical. Sobraram grupos anarquistas, violentos, que têm como meta a destruição da propriedade particular. O que é algo simbólico, evidentemente. Não creio que acreditem que possam destruir toda a propriedade. As pessoas que protestaram não estão mais nas ruas. Estão nas ruas os pequenos grupos que querem tirar algum proveito da situação. E eles precisam de um tratamento parecido com o que é dado na Alemanha, nos Estados Unidos, no Canadá, não importa onde, a qualquer tipo de violência contra indivíduos e propriedade.
Imil: Excluindo os grupos radicais, considera que as manifestações colocaram a política no centro do debate nacional e trouxeram os jovens, que pareciam afastados do tema, para dentro da discussão?
Gabeira: As manifestações foram um sopro de ânimo no mundo inteiro. E mostrou que há, no Brasil, gente disposta a protestar. Além de tudo, mostrou que o país não é esse paraíso, esse exemplo de bem-estar, de crescimento e satisfação que o PT tenta transmitir. Romperam com esse mito de que vivemos no melhor dos mundos. E demonstraram como o PT é incapaz de se autocriticar. O PT só pode ver isso como resultado dos seus acertos. Eles não têm erros, as coisas aconteceram porque eles acertaram demais.
Imil: Você afirmou que a única movimentação que identificou no Congresso, como resultado das manifestações, foi a do instinto de sobrevivência. As propostas foram para acalmar a situação, mas não são de fato transformadoras.
Gabeira: Exatamente. Em primeiro lugar, algumas propostas foram populistas. Quando se começa a administrar preços por meio de uma política populista há o risco de ter problemas adiante. Eles não sabem o que fazer para estabelecer contato com a população, pois foram preparados para outro tipo de política, aquela na qual aparecem nas eleições, fazem sua companha e, depois, são deixados livres para realizarem o seu mandato, ou as suas trapaças, da maneira que escolherem. Eles ainda não estão preparados para uma politica em que sejam controlados pelo eleitor.