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GEISY ARRUDA E A CIVILIZAÇÃO.

É inacreditável que, em pleno século 21, ainda exista quem defenda a barbárie da qual a estudante Geisy foi vítima, alegando que a moça “provocou” os rapazes com seu minivestido. Além de um retorno à Idade Média, o que se observa é uma total inversão de valores. Aceitar calado tal tipo de argumentação é abrir um precedente perigoso para que, daqui pra frente, estupradores venham a ser inocentados, transferindo-se a […] Leia mais

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Instituto Millenium

Publicado em 9 de novembro de 2009 às, 11h10.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 13h30.

É inacreditável que, em pleno século 21, ainda exista quem defenda a barbárie da qual a estudante Geisy foi vítima, alegando que a moça “provocou” os rapazes com seu minivestido. Além de um retorno à Idade Média, o que se observa é uma total inversão de valores. Aceitar calado tal tipo de argumentação é abrir um precedente perigoso para que, daqui pra frente, estupradores venham a ser inocentados, transferindo-se a culpa para a vítima “que o provocou”. Isso para citar apenas uma das hipóteses possíveis. Será que os moralistas e conservadores que estão mais preocupados em condenar a roupa e a atitude da moça no episódio esqueceram que tal relativização de valores é a mesma utilizada pelos seus adversários políticos, quando apregoam a existência de uma “moral de classe” e praticam vandalismos e agressões?

Reproduzo, abaixo, o que Reinaldo Azevedo tem a dizer sobre o assunto. Destaque (e aplausos, de minha parte) quando ele diz “Nem todo aquele que se diz conservador ou direitista é da minha turma.” :

GEISY ARRUDA E A CIVILIZAÇÃO. OU: A BARBÁRIE NO TOPO

Tenho dito, desde o primeiro dia, que a barbárie de que foi vítima a aluna Geisy Arruda é sintoma de uma doença grave e não a doença em si. É o que demonstrarei aqui com dados novos. Antes, uma digressão, digamos, metajornalística.

Mais uma vez. A indignação dos leitores deste blog é grande. Felizmente! Até quando redijo este texto, havia liberado 392 comentários só no post de ontem que trata do assunto. Tive de cortar muitos em razão de alguns exageros — evitem acusações que vão além da opinião. E continuo a rejeitar aqueles que, noves fora o glacê retórico, sustentam que ela colheu o que plantou. Gente que não respeita a inviolabilidade do corpo não tem o que fazer neste blog, pouco me importa se a pessoa se considera de centro, de direita, de esquerda ou acima da geografia política.

Nem todo aquele que se diz conservador ou direitista é da minha turma. Alguns são, como diz uma amiga, de “enfermarias completamente diferentes”. Há milhões de páginas por aí que talvez acolham de bom grado a fúria supostamente moralista. Não aprovo que as pessoas andem de bunda de fora onde não se pode andar de bunda de fora. Mas não aceito, no meu blog, que se ande:
– com o linchador de fora;
– com o estuprador de fora;
– com o homicida de fora.

Qual é? Sem contar que noto, em alguns casos, um incontido ódio à mulher, misoginia mesmo! ESTE BLOG PRATICA A FILOGINIA EXPLÍCITA. ESTE BLOG É MULHERISTA. ESTE BLOG, CONFESSO, GOSTA DO VERÃO PORQUE CONSIDERA POUCAS COISAS MAIS BONITAS DO QUE, como é mesmo o sambinha?, o “bailado debaixo desta sua [delas] saia godê”. Este blog acha aquele movimento pura poesia encarnada. Ooopsss!!! Se há quem acredita em forças superiores que fazem os homens se comportarem como estupradores, é bom ficar longe daqui. Adiante.

Estamos todos sob o impacto da impressionante decisão da Universidade Bandeirantes, que expulsou Geisy com anúncio no jornal e na televisão e uma entrevista de seu representante jurídico, Décio Machado. É irresistível dizer que o nome deste senhor ronda perigosamente, para o pescoço alheio, o trocadilho: “Desce o machado”! Vi o tal na televisão, cabelos compridos, cuidadosamente desarrumados com gel, coisa de quem busca a “boniteza” instantânea para a celebridade idem — ontem, um monte de parentes certamente se mobilizou para vê-lo, todo empertigado em seu look modernoso, para dar entrevista: “Ih, menina! O Décio está no Fantástico!” Curiosamente, este senhor acusa Geisy de ter revelado, sei lá quando, a intenção de ser atriz como uma das evidências de que era uma pessoa problemática para a sua instituição… Santo Deus! As palavras de Décio, em letra impressa, já haviam desafiado meu estômago. Animadas por sua figura, elas o insultaram.

Vejam como é o preconceito, não é? Todos temos o direito de tê-lo. Mas todos temos a obrigação de contê-lo. Cito o meu caso: não contrataria um advogado tiozão, com o cabelo espetado por gel, tentando afetar uma juventude que já o abandonou — especialmente porque as idéias que ele enuncia são tão velhas quanto as trevas, em contraste com sua falsa e cafona juventude. Sei lá… Consigo imaginá-lo na Ilha de Caras, mas não consigo vê-lo compenetrado, com a cara enfiada em Dos Delitos e das Penas… Mas considerei, conversando com as mulheres que assistiam comigo ao programa — minhas filhas, minha mulher e minha mãe: “Não devemos linchá-lo por isso”. Não, isso não!

Conselho Estadual de Educação
O que preocupa mais é outra coisa. Décio Lencioni Machado é membro do Conselho Estadual de Educação, em São Paulo. Não consegui saber desde quando está lá. O que sei — dada a sua entrevista irresponsável, dada a satanização da estudante em rede nacional de televisão e em entrevista em jornais, dada a abjeta expulsão da aluna, dada a anuência com a selvageria havida na universidade em nome da qual fala — é que está no lugar errado. Conselheiro? Ele? Que tipo de conselho este senhor do cabelo espetado tem a dar? Claro, se ele fosse careca, o que vai em seu cérebro travesso não seria diferente. Aliás, suas idéias não seriam melhores nem que usasse um minivestido rosa. A Uniban também está representada no Conselho Nacional de Educação. Milton Linhares, seu vice-reitor, é membro da Câmara de Educação Superior do CNE.

Como se nota, os critérios maiúsculos que nortearam a anuência com arruaceiros e arruaceiras e acabaram punindo Geisy, considerando-a culpada pela violência de que foi vítima, podem estar presentes nas mais altas cortes que decidem os rumos da educação no Brasil.

Já não precisamos ter dúvidas sobre o alcance da barbárie.”