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Sebastião Ventura: Feudalismo republicano

"Infelizmente, ainda somos viciados em patrimonialismo estatal. Da insana burocracia pública aos generosos empréstimos a fundo perdido"

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Instituto Millenium

Publicado em 11 de junho de 2018 às, 13h26.

Última atualização em 11 de junho de 2018 às, 13h29.

* Por Sebastião Ventura 

Qual o grau qualitativo da democracia brasileira? A pergunta faz pensar, forçando uma obrigatória incursão em nossa realidade institucional. Os exemplos são vivos e reveladores: a sociedade brasileira exige segurança nas ruas, mas é vítima da violência descontrolada; o desejo de escolas públicas de qualidade para nossas crianças não passa de um sonho distante; e, as deficiências dos hospitais e postos de saúde deixam as dores dos brasileiros ainda mais doídas.

Como se vê, muitos anseios legítimos da maioria dos brasileiros são solenemente ignorados pela política, demonstrando o quão disfuncional e ineficiente é o atual jogo do poder. O problema, todavia, não é de simples solução, pois alguns poucos – para a tragédia de muitos – fazem fortunas nas assimetrias do sistema.

Nas sombras da lei, nossos senhores feudais fecham o Brasil para seus interesses egocêntricos, impedindo o progresso nacional integrador e o desenvolvimento econômico duradouro. Logo, é preciso romper com os feudos ilícitos de apropriação indevida de recursos públicos, instaurando um ambiente institucional de maior lisura e clareza negocial. Nosso feudalismo republicano, além de injusto, custa caro aos brasileiros de bem.

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Infelizmente, ainda somos viciados em patrimonialismo estatal. Da insana burocracia pública aos generosos empréstimos a fundo perdido, dos festivos cargos de confiança aos subsídios setoriais de encomenda, existe uma cultura nacional de que o Estado pode pagar tudo e qualquer coisa. E, como em terra de cego quem tem olho é rei, ligeiros grupos organizados vão abocanhando impiedosamente o orçamento governamental, deixando os cidadãos órfãos das mais básicas políticas públicas.

Em tempo, a recente “greve” dos caminhoneiros bem demonstra o modus operandi em vigor: o setor de transporte rodoviário conseguiu benefícios para si e entregou a conta para nós. Simples assim. Aqui, quem grita menos, paga mais. E o dinheiro sai do seu bolso, meu caro leitor. Sim, a festa do poder é patrocinada por nós, mas os honestos e trabalhadores não passam de barrados no baile.

Em seu último livro “The People vs. Democracy”, o Professor Yascha Mounk, uma das intelectualidades ascendentes de Harvard, analisa as patologias políticas contemporâneas, vindo a externar a existência de países com sistemas de direitos sem democracia (undemocratic liberalism). Essa parece ser uma importante tonalidade de um Brasil amarrado no emaranhado de regimes jurídicos anacrônicos e impagáveis, cujo resultado é a falência do Estado.

A realidade é dura: estamos quebrados. O chamado “déficit fiscal” não passa de uma expressão chique para dizer que o dinheiro acabou. Então, de duas, uma: ou vamos aumentar o endividamento público ou aumentar tributos sobre o pacato cidadão. Enquanto o naufrágio não se consuma, os violinos seguem a tocar.

Não temos muito tempo. A velha política foi criada dentro do Estado e não sabe viver fora dele. Insistir será um erro. Mas como acreditar na mudança se aqueles que deveriam falar se recolhem na covardia de nada dizer?

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado especializado em direito do estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Certificado pelo Programa de Negociação de Harvard para Senior Executives. Membro Diretor da Federasul/RS. Escreve sobre questões contemporâneas, envolvendo temas políticos, econômicos e constitucionais.