Fake News é crime?
A dificuldade para o enquadramento jurídico das fake news começa na conceituação
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 2 de maio de 2024 às 07h00.
É muito comum surgirem na mídia questões como: “alguém já foi condenado por fake news?”, “Fake news é crime?”. Não há nenhuma legislação que trate especificamente de desinformação e fake news no país. Mas isso não quer dizer que propagar fake news não possa ser considerado crime.
A dificuldade para o enquadramento jurídico das fake news começa na conceituação. O que seriam fake news? Geralmente são tratadas como “notícias falsas”. Um erro grave. As fake news nem sempre vêm da imprensa; não é certo as nomear como “notícia”. Também não se pode dizer que a mentira seja ilícita. Exemplo: dizer que o Brasil é um país seguro para se viver, decerto é uma inverdade, mas não é um ilícito; A expressão desta ideia subjetiva está protegida pelo direito de opinião.
Neste imbróglio conceitual, Judiciário e Ministério Público têm entendido que a ilicitude reside na desestabilização que uma desinformação traz ao ambiente público, sobretudo pelas incontroláveis redes sociais. Mas é também um grave erro, pois não se pode considerar algo ilícito em razão de seu impacto. Basta pensar que notícias da imprensa, mesmo verdadeiras, impactam o ambiente público e desestabilizam a vida dos retratados, e são lícitas mesmo assim.
A conceituação correta para fake news é as tratar como “conteúdos fraudulentos”. Desta forma, fake news não são notícias, mas conteúdos. Não são falsos, mas fraude. O ilícito não está na falsidade, nem no impacto público, como entende grosseiramente boa parte das autoridades de nosso país; o ilícito decorre da intenção de se fraudar o debate público.
Alguém dirá que a fraude, presente no artigo 171 do código penal, não se encaixa ao caso, pois condiciona a conduta do agente à obtenção de vantagem ilícita. Ora, pode-se chamar de vantagem ilícita o que a indústria das fake news faz, quando se contratam robôs para atrair eleitores à campanha de um candidato, quando um site desinforma, em busca de cliques e engajamento.
A conduta de quem divulga uma mentira sem querer não pode, portanto, ser enquadrada como fake news. Para tanto, existem os crimes contra a honra, que dão conta do recado e possuem apenamento mais brando. O crime de fake news, irmanado ao de fraude, precisa estar associado a condutas mais gravosas. Em socorro a este posicionamento, valho-me do artigo 9º-A da Resolução 23.671/2021 do Tribunal Superior Eleitoral, recuperada pelo artigo 9-E, II da resolução 23.732/24, que proíbe: “divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”.
Ou seja, é ilícita a divulgação de conteúdos se o agente tem conhecimento de serem inverídicos e, ainda assim, os divulga, fraudando de propósito o ambiente público ou, no caso da resolução, o debate eleitoral.
Parece claro que o ardil da fraude está presente no conceito do TSE e a obtenção de vantagem é um elemento implícito, desnecessário até mesmo de se demonstrar. Portanto, o crime de fraude de nossa codificação penal, que inspirou a mencionada resolução eleitoral, também deve servir de inspiração para a caracterização do crime de propagar fake news, ou até mesmo inspirar ao legislador que, em momento oportuno, dedique-se ao tema.1
Propagar fake news ou desinformação só pode, portanto, ser considerado ilícito, quando há intenção de fraudar o debate público, ao se conhecer a falsidade de um conteúdo e, de propósito, divulgá-lo. Esse entendimento poderia trazer segurança jurídica ao tema e evitar o que se tem hoje: um indesejável subjetivismo de juízes e promotores no trato das liberdades de expressão no país.
É muito comum surgirem na mídia questões como: “alguém já foi condenado por fake news?”, “Fake news é crime?”. Não há nenhuma legislação que trate especificamente de desinformação e fake news no país. Mas isso não quer dizer que propagar fake news não possa ser considerado crime.
A dificuldade para o enquadramento jurídico das fake news começa na conceituação. O que seriam fake news? Geralmente são tratadas como “notícias falsas”. Um erro grave. As fake news nem sempre vêm da imprensa; não é certo as nomear como “notícia”. Também não se pode dizer que a mentira seja ilícita. Exemplo: dizer que o Brasil é um país seguro para se viver, decerto é uma inverdade, mas não é um ilícito; A expressão desta ideia subjetiva está protegida pelo direito de opinião.
Neste imbróglio conceitual, Judiciário e Ministério Público têm entendido que a ilicitude reside na desestabilização que uma desinformação traz ao ambiente público, sobretudo pelas incontroláveis redes sociais. Mas é também um grave erro, pois não se pode considerar algo ilícito em razão de seu impacto. Basta pensar que notícias da imprensa, mesmo verdadeiras, impactam o ambiente público e desestabilizam a vida dos retratados, e são lícitas mesmo assim.
A conceituação correta para fake news é as tratar como “conteúdos fraudulentos”. Desta forma, fake news não são notícias, mas conteúdos. Não são falsos, mas fraude. O ilícito não está na falsidade, nem no impacto público, como entende grosseiramente boa parte das autoridades de nosso país; o ilícito decorre da intenção de se fraudar o debate público.
Alguém dirá que a fraude, presente no artigo 171 do código penal, não se encaixa ao caso, pois condiciona a conduta do agente à obtenção de vantagem ilícita. Ora, pode-se chamar de vantagem ilícita o que a indústria das fake news faz, quando se contratam robôs para atrair eleitores à campanha de um candidato, quando um site desinforma, em busca de cliques e engajamento.
A conduta de quem divulga uma mentira sem querer não pode, portanto, ser enquadrada como fake news. Para tanto, existem os crimes contra a honra, que dão conta do recado e possuem apenamento mais brando. O crime de fake news, irmanado ao de fraude, precisa estar associado a condutas mais gravosas. Em socorro a este posicionamento, valho-me do artigo 9º-A da Resolução 23.671/2021 do Tribunal Superior Eleitoral, recuperada pelo artigo 9-E, II da resolução 23.732/24, que proíbe: “divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”.
Ou seja, é ilícita a divulgação de conteúdos se o agente tem conhecimento de serem inverídicos e, ainda assim, os divulga, fraudando de propósito o ambiente público ou, no caso da resolução, o debate eleitoral.
Parece claro que o ardil da fraude está presente no conceito do TSE e a obtenção de vantagem é um elemento implícito, desnecessário até mesmo de se demonstrar. Portanto, o crime de fraude de nossa codificação penal, que inspirou a mencionada resolução eleitoral, também deve servir de inspiração para a caracterização do crime de propagar fake news, ou até mesmo inspirar ao legislador que, em momento oportuno, dedique-se ao tema.1
Propagar fake news ou desinformação só pode, portanto, ser considerado ilícito, quando há intenção de fraudar o debate público, ao se conhecer a falsidade de um conteúdo e, de propósito, divulgá-lo. Esse entendimento poderia trazer segurança jurídica ao tema e evitar o que se tem hoje: um indesejável subjetivismo de juízes e promotores no trato das liberdades de expressão no país.