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Entrevista com Roberta Kaufmann no Jornal de Brasília

Por Lara Cristina, Jornal de Brasília. 27.11.2009 Para falar sobre ações afirmativas, o Jornal de Brasília, convidou uma das participantes do 2º Fórum de Igualdade Racial, promovido pelo JBr, na semana da Consciência Negra, a procuradora do Distrito Federal Roberta Fragoso Menezes Kaufmann. Ela afirma que quem pretende implementar no Brasil o modelo de ação afirmativa dos EUA esquece a realidade americana de segregação racial. Roberta é professora de Direito […] Leia mais

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Instituto Millenium

Publicado em 27 de novembro de 2009 às, 21h27.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 12h41.

Por Lara Cristina, Jornal de Brasília. 27.11.2009

Para falar sobre ações afirmativas, o Jornal de Brasília, convidou uma das participantes do 2º Fórum de Igualdade Racial, promovido pelo JBr, na semana da Consciência Negra, a procuradora do Distrito Federal Roberta Fragoso Menezes Kaufmann. Ela afirma que quem pretende implementar no Brasil o modelo de ação afirmativa dos EUA esquece a realidade americana de segregação racial.
Roberta é professora de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Escola do Ministério Público do Distrito Federal. É autora do livro ‘Ações Afirmativas à Brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil’, lançado pela Livraria dos Advogados.
Como surgiram as primeiras ideias de ações afirmativas e políticas de cotas?
Nos Estados Unidos, no Governo de Richard Nixon. Esta é uma das grandes ironias sobre a criação das ações afirmativas: as medidas foram imaginadas e colocadas em prática por um presidente conservador, republicano e racista. Os principais líderes do movimento negro não se manifestaram favoravelmente. Martin Luther King advertiu que a adoção de cotas seria contraproducente, porque não encontraria justificativa diante de tantos brancos pobres. As medidas foram implementadas nos EUA como uma política emergencial, para evitar a ocorrência da Segunda Guerra Civil, haja vista a segregação institucionalizada contra os negros que se mantinha por mais de um século, lastreada em leis e decisões judiciais e que trans-formara os EUA em um barril de pólvora prestes a explodir a qualquer momento.

No Brasil, como, quando e de quem adotamos a ideia?
A primeira Universidade que adotou internamente o sistema de cotas foi a Universidade de Brasília, apesar de antes disso uma lei já haver previsto cotas para as Universidades Estaduais do Rio de Janeiro. As medidas foram inspiradas no modelo norte-americano de cotas raciais. Destaco, no entanto, que nem nos EUA as cotas raciais foram consideradas válidas em matéria de educação.

Como a senhora avalia esta política? É algo que acentua a segregação entre negros e brancos no Brasil? Por quê?
Eu avalio esta política como uma importação indevida de um modelo que foi pensado para solucionar problemas de outras realidades. Quem pretende implementar no Brasil o modelo de ação afirmativa dos Estados Unidos esquece a realidade americana de segregação racial institucionalizada e as diferenças estruturais que existiram e ainda existem em relação à formação histórica e social de cada povo. Isto não quer dizer, obviamente, que as ações afirmativas no Brasil não sejam válidas. Mas devemos ter em mente e batalhar para que o modelo a ser implantado aqui decorra da análise do nosso próprio contexto. Cotas sociais, no Brasil, fazem muito mais sentido, pois aqui negro rico vira branco e branco pobre vira negro.

Qual sua opinião sobre os critérios de seleção, para quem se inscreve às vagas das cotas para negros?
Os critérios são variados. Do meu ponto de vista, o único possível é a autoidentificação, que apesar de eventualmente trazer a possibilidade de fraudes, é o único aceitável do ponto de vista jurídico. Cito o exemplo da UnB. Em pleno século XXI, a UnB resolveu instalar um Tribunal Racial, de composição secreta, que com base em critérios secretos, define quem é branco e quem é negro no Brasil. Em um País altamente miscigenado, como o Brasil, saber quem é ou não negro vai muito além da aparência. Após a Nigéria, somos o país com maior carga genética africana do mundo. Nesse sentido, importa mencionar a recente pesquisa de ancestralidade genômica realizada em líderes negros brasileiros pelo geneticista Sérgio Pena. Na ocasião, observou-se que a aparência de uma pessoa diz muito pouco em relação a ancestralidade. O sambista Neguinho da Beija-Flor, por exemplo, possui 67,1% de ascendência europeia. A mesma coisa pode ser afirmada em relação a ginasta Daiane dos Santos e a atriz Ildi Silva, nas quais a ascendência europeia é maior do que a africana. Assim, no Brasil, há brancos na aparência que são africanos na ancestralidade. E há negros, na aparência, que são europeus na ascendência.

Quais medidas realmente ajudariam a acabar com o preconceito no Brasil?
A educação e a punição exemplar em relação a quem pratica o crime de racismo.

A senhora acredita que aqui, o preconceito racial contra negros se manifesta de maneira velada? Como se pode lutar contra isso?

Acredito que no Brasil as pessoas têm vergonha de se assumirem preconceituosas. No entanto, não considero que isso é ruim, pelo contrário, acredito que isso é um grande passo na construção de uma sociedade mais fraterna e solidária. Não podemos estimular que as pessoas declarem os seus preconceitos, pelo contrário, temos de repetir que o preconceito é uma bobagem e que a cor da pele não quer dizer nada, diante do caráter. Cada indivíduo é formado por 25 mil genes, dos quais apenas 10 dizem respeito à cor. É preciso esclarecer: raças não existem. Somos todos seres-humanos. Pensar em dividir direitos com base na cor, criando um modelo de País racializado, quando se sabe que raças não existem, para mim é um grande retrocesso.

(via blog No Race BR)