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Entre cupins e homens existem as instituições

Em 1988, Og Leme publicou 'Entre os cupins e os homens', em que discorria sobre a importância do liberalismo econômico para a economia brasileira

Em 1988, Og Leme publicou 'Entre os cupins e os homens', em que discorria sobre a importância do liberalismo econômico para a economia brasileira (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Claudio D. Shikida

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 14 de outubro de 2024 às 13h57.

No longínquo 1988, o falecido Og Leme, economista liberal, publicou seu pequeno Entre os cupins e os homens, em que discorria sobre a importância do liberalismo econômico para a economia brasileira. Sua visão acerca do desenvolvimento das nações considerava as diferenças entre o que chamava de sociedades totalitárias e dos insetos gregários e a sociedade dos homens livres, mostrando que, no primeiro caso, o coletivismo (existente ‘naturalmente’ entre insetos como cupins ou formigas ou por construção humana, em ditaduras) levaria a resultados inferiores, no longo prazo, quando comparados às sociedades liberais.

A propósito, o contexto em que vivia - e preocupava - Og Leme, os anos 80, não foi um período liberal, muito pelo contrário. Talvez se possa dizer que foi o ápice do anti-liberalismo que veio tanto da esquerda, quanto da direita, nos anos 50 e 60, culminando com a vitória do nacional-estatismo defendido pelos militares que tomaram o poder em 1964. A despeito de alguns avanços liberais, majoritariamente, o que se viu no período militar foi o avanço da intervenção estatal na economia.

O otimismo com o anti-liberalismo nos anos 80 - expresso, até mesmo, em livros-texto (o brilhante Paul Samuelson, Nobel, em 1970, elogiava o planejamento econômico socialista, prevendo que o PIB da URSS ultrapassaria o dos EUA em seu livro-texto utilizado por várias gerações de estudantes de Economia) já se defrontava com indícios que não corroboravam este otimismo com o modelo socialista. Autores como Alec Nove, Nemchinov ou János Kornai já apontavam diversos problemas na disfuncional economia do leste europeu, à época, conhecida como “Cortina de Ferro”, um termo para designar os países submetidos à esfera de influência soviética.

O leitor poderá dizer que a diferença entre os modelos de organização social entre regimes autoritários e democráticos se devem às diferentes regras do jogo formais ou informais usadas pela sociedade em sua busca de prosperidade, algo que os economistas denominam instituições (termo de uso consolidado na área por Douglass North (Nobel em 1993). Pois estará certo o leitor em sua suposição: o bem-estar dos países depende da produtividade e esta depende não só de fatores produtivos como o trabalho ou o estoque de capital, mas também das ideias e do capital humano de um país. Mais ainda, depende de como a sociedade organiza estes fatores e aí está a importância das instituições.

O Nobel de 2024 para a Ciência Econômica premiou três pesquisadores que têm estudado não só o impacto das instituições sobre o desenvolvimento, mas o processo de criação destas instituições. Daron Acemoglu, James Robinson e Simon Johnson têm trabalhado no tema desde o início dos anos 2000, quando a revolução tecnológica havia atingido um ponto em que grandes bases de dados passaram a estar disponíveis para pesquisadores, notadamente os de História Econômica.

Partindo de uma evidência anedótica sobre a mortalidade de colonizadores em 1500 e o nível do PIB dos mesmos países (ex-colônias) em 1995, os três autores ajudaram a desenvolver uma teoria sobre o surgimento das instituições. O surgimento de instituições menos democráticas teria a ver com o regime político implantado inicialmente para a gestão da colônia e este, por sua vez, teria a ver com a mortalidade dos colonizadores. Por exemplo, uma colônia no sul do globo apresenta doenças novas que podem dizimar os colonizadores, o que os incentiva a criar instituições que se voltem para a obtenção de ganhos a curto prazo, sem muita preocupação com o estabelecimento de uma sociedade na qual se poderia ganhar com impostos sobre o comércio.

Fatores como a abundância de terras propícias à produção em larga escala, tudo o mais constante, também teriam impacto na formatação das instituições que seriam ainda menos democráticas. A mudança institucional ocorreria conforme o jogo de poder entre as elites e o restante da população, o que depende de peculiaridades das sociedades explicando, assim, porque alguns países conseguem fazer a transição para a democracia mais rapidamente do que outros.

A contribuição dos autores consiste, principalmente, no uso do arcabouço da Teoria dos Jogos na construção de seu argumento téorico, bem como no uso da Econometria nos testes de hipóteses levantados por seus trabalhos, aperfeiçoando o caminho trilhado por tantos outros estudiosos dos quais vale destacar - correndo o risco de esquecer muita gente boa - o já mencionado Douglass North (pela introdução do estudo sistemático das instituições no desenvolvimento econômico), Barry Weingast (pelo uso da Teoria dos Jogos em história econômica) ou Kenneth Sokoloff e Stanley Engerman (pelo destaque dado ao papel das dotações econômicas no desenvolvimento das instituições).

Voltando ao início deste texto, no final de seu livro, Og Leme conclui que: “...para que exista uma economia de mercado e para que ela seja eficiente, é preciso que os direitos de propriedade sejam bem definidos, eficazmente sancionados e observados”. Se os direitos de propriedade estabelecidos em nossa sociedade cumprem estas condições é uma pergunta que depende de que instituições temos e o motivo destas serem mais ou menos eficazes tem a ver com a dinâmica entre as elites e o restante da população, em como estas têm interagido e mudado ao longo do tempo. Vale notar que as instituições não necessariamente seguem um caminho de evolução contínua: tudo o que se construiu pode ser jogado por terra. Basta que a relação de benefício-custo da criação e manutenção de instituições extrativas lhe seja favorável.

Este é o drama das sociedades: instituições podem mudar aproximando-nos de sociedades como a dos cupins ou da dos homens livres. Instituições como o Instituto Millenium buscam contribuir para a construção de incentivos que nos afastem do cupinzeiro. Ainda bem.

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No longínquo 1988, o falecido Og Leme, economista liberal, publicou seu pequeno Entre os cupins e os homens, em que discorria sobre a importância do liberalismo econômico para a economia brasileira. Sua visão acerca do desenvolvimento das nações considerava as diferenças entre o que chamava de sociedades totalitárias e dos insetos gregários e a sociedade dos homens livres, mostrando que, no primeiro caso, o coletivismo (existente ‘naturalmente’ entre insetos como cupins ou formigas ou por construção humana, em ditaduras) levaria a resultados inferiores, no longo prazo, quando comparados às sociedades liberais.

A propósito, o contexto em que vivia - e preocupava - Og Leme, os anos 80, não foi um período liberal, muito pelo contrário. Talvez se possa dizer que foi o ápice do anti-liberalismo que veio tanto da esquerda, quanto da direita, nos anos 50 e 60, culminando com a vitória do nacional-estatismo defendido pelos militares que tomaram o poder em 1964. A despeito de alguns avanços liberais, majoritariamente, o que se viu no período militar foi o avanço da intervenção estatal na economia.

O otimismo com o anti-liberalismo nos anos 80 - expresso, até mesmo, em livros-texto (o brilhante Paul Samuelson, Nobel, em 1970, elogiava o planejamento econômico socialista, prevendo que o PIB da URSS ultrapassaria o dos EUA em seu livro-texto utilizado por várias gerações de estudantes de Economia) já se defrontava com indícios que não corroboravam este otimismo com o modelo socialista. Autores como Alec Nove, Nemchinov ou János Kornai já apontavam diversos problemas na disfuncional economia do leste europeu, à época, conhecida como “Cortina de Ferro”, um termo para designar os países submetidos à esfera de influência soviética.

O leitor poderá dizer que a diferença entre os modelos de organização social entre regimes autoritários e democráticos se devem às diferentes regras do jogo formais ou informais usadas pela sociedade em sua busca de prosperidade, algo que os economistas denominam instituições (termo de uso consolidado na área por Douglass North (Nobel em 1993). Pois estará certo o leitor em sua suposição: o bem-estar dos países depende da produtividade e esta depende não só de fatores produtivos como o trabalho ou o estoque de capital, mas também das ideias e do capital humano de um país. Mais ainda, depende de como a sociedade organiza estes fatores e aí está a importância das instituições.

O Nobel de 2024 para a Ciência Econômica premiou três pesquisadores que têm estudado não só o impacto das instituições sobre o desenvolvimento, mas o processo de criação destas instituições. Daron Acemoglu, James Robinson e Simon Johnson têm trabalhado no tema desde o início dos anos 2000, quando a revolução tecnológica havia atingido um ponto em que grandes bases de dados passaram a estar disponíveis para pesquisadores, notadamente os de História Econômica.

Partindo de uma evidência anedótica sobre a mortalidade de colonizadores em 1500 e o nível do PIB dos mesmos países (ex-colônias) em 1995, os três autores ajudaram a desenvolver uma teoria sobre o surgimento das instituições. O surgimento de instituições menos democráticas teria a ver com o regime político implantado inicialmente para a gestão da colônia e este, por sua vez, teria a ver com a mortalidade dos colonizadores. Por exemplo, uma colônia no sul do globo apresenta doenças novas que podem dizimar os colonizadores, o que os incentiva a criar instituições que se voltem para a obtenção de ganhos a curto prazo, sem muita preocupação com o estabelecimento de uma sociedade na qual se poderia ganhar com impostos sobre o comércio.

Fatores como a abundância de terras propícias à produção em larga escala, tudo o mais constante, também teriam impacto na formatação das instituições que seriam ainda menos democráticas. A mudança institucional ocorreria conforme o jogo de poder entre as elites e o restante da população, o que depende de peculiaridades das sociedades explicando, assim, porque alguns países conseguem fazer a transição para a democracia mais rapidamente do que outros.

A contribuição dos autores consiste, principalmente, no uso do arcabouço da Teoria dos Jogos na construção de seu argumento téorico, bem como no uso da Econometria nos testes de hipóteses levantados por seus trabalhos, aperfeiçoando o caminho trilhado por tantos outros estudiosos dos quais vale destacar - correndo o risco de esquecer muita gente boa - o já mencionado Douglass North (pela introdução do estudo sistemático das instituições no desenvolvimento econômico), Barry Weingast (pelo uso da Teoria dos Jogos em história econômica) ou Kenneth Sokoloff e Stanley Engerman (pelo destaque dado ao papel das dotações econômicas no desenvolvimento das instituições).

Voltando ao início deste texto, no final de seu livro, Og Leme conclui que: “...para que exista uma economia de mercado e para que ela seja eficiente, é preciso que os direitos de propriedade sejam bem definidos, eficazmente sancionados e observados”. Se os direitos de propriedade estabelecidos em nossa sociedade cumprem estas condições é uma pergunta que depende de que instituições temos e o motivo destas serem mais ou menos eficazes tem a ver com a dinâmica entre as elites e o restante da população, em como estas têm interagido e mudado ao longo do tempo. Vale notar que as instituições não necessariamente seguem um caminho de evolução contínua: tudo o que se construiu pode ser jogado por terra. Basta que a relação de benefício-custo da criação e manutenção de instituições extrativas lhe seja favorável.

Este é o drama das sociedades: instituições podem mudar aproximando-nos de sociedades como a dos cupins ou da dos homens livres. Instituições como o Instituto Millenium buscam contribuir para a construção de incentivos que nos afastem do cupinzeiro. Ainda bem.

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