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Encarando o declínio demográfico: a urgência de melhores políticas migratórias no Brasil

Nas próximas décadas, o país pode enfrentar uma redução demográfica acentuada

População: o que os dados do Censo nos dizem sobre a população brasileira? (Bruno Kelli/Amazonia Real/Divulgação)
População: o que os dados do Censo nos dizem sobre a população brasileira? (Bruno Kelli/Amazonia Real/Divulgação)

Como se pode compreender os recentes dados do censo demográfico brasileiro? Uma coisa é certa: há uma inquietante tendência ao declínio da população. Nas próximas décadas, o Brasil pode enfrentar uma redução demográfica acentuada. Essa possibilidade se torna ainda mais alarmante quando metrópoles significativas começam a lidar hoje com o despovoamento.

Porém, quais seriam as razões dessa tendência no Brasil? Antes de mergulhar nesse debate, é prudente reconhecer que a compreensão plena das causas demandará mais estudos. Contudo, é inegável que uma das chaves para compreender o fenômeno é a crescente emigração. De acordo com dados do Itamaraty, em 2020 a população de brasileiros residentes no exterior atingiu 4,2 milhões. Isso representa um crescimento de 16% em relação às estatísticas de 2018 e um aumento de 36% na última década. À medida que o Brasil se moderniza e se desenvolve, aumenta o número de brasileiros buscando oportunidades além de suas fronteiras. Trata-se de um fenômeno que pode parecer contra-intuitivo. O aumento da emigração é sinal de atraso ou indicador de desenvolvimento?

A emigração não é apenas uma resposta à pobreza ou ao declínio econômico. Embora possa parecer contraditório, o crescimento da emigração pode ser também interpretado como um indicador de desenvolvimento. O avanço da educação e o aumento da renda per capita, somados ao maior acesso à tecnologia e informação, são fenômenos que inspiram e permitem que mais pessoas busquem oportunidades além das nossas fronteiras. À medida que mais pessoas adquirem as capacidades e aspirações para migrar, o Brasil acaba perdendo uma parte significativa de sua força de trabalho para o exterior.

Além de perder habilidades (já que a população emigrante é geralmente mais qualificada e empreendedora), o Brasil também perde aspirações. Os emigrantes são frequentemente indivíduos com visões otimistas do futuro, dispostos a fazer sacrifícios para alcançar seus objetivos. Sua partida pode resultar em uma diminuição do otimismo e do ímpeto de transformacão entre os brasileiros que aqui ficam. Como então lidar com esse desafio?

Considerando a magnitude do problema, a atuação do Estado será fundamental. Precisamos de mais e melhores políticas públicas. Parte da solução passa pela diáspora brasileira espalhada pelo mundo. De fazendeiros no Paraguai a comunidades de dekasseguis no Japão, incluindo as numerosas comunidades nos Estados Unidos e na Europa, muitos destes emigrantes acumularam riqueza, estabeleceram conexões e adquiriram conhecimentos, habilidades e atitudes em sociedades e mercados mais dinâmicos que os nossos. A experiência e as competências destes brasileiros são um recurso chave para o desenvolvimento do Brasil.

Portanto, é crucial manter essas pessoas conectadas ao Brasil. E, sim, incentivá-las a retornar deve ser uma prioridade, mas não a única. Devemos facilitar sua vinda ao país para abrir negócios ou fazer turismo, incentivá-las a estabelecer conexões comerciais com empresas brasileiras e consumir nossos produtos e serviços em seus países de residência. Essas ações demandam uma política abrangente que inclua, entre outrasd coisas, a facilitação da obtenção de nacionalidade e a promoção de produtos culturais brasileiros no exterior.

Em paralelo, devemos estabelecer uma política de imigração robusta. Precisamos atrair pessoas dispostas a fazer do território brasileiro o seu lar e a contribuir para tornar a nossa sociedade mais próspera. Migrar para o Brasil deve ser uma opção fácil e atrativa, não apenas para profissionais com habilidades específicas que possam tornar diversos setores da economia mais competitivos, mas também para todos aqueles dispostos a colocar suas habilidades e força de trabalho a serviço da nossa economia e das nossas comunidades.

Não podemos competir diretamente com países como o Canadá e a Austrália, que dispõem de excelente qualidade de vida e recursos para atrair os melhores profissionais. Portanto, temos de explorar incentivos de outra natureza. Precisamos mostrar ao mundo que o Brasil em 20 anos será mais próspero que o atual e que as pessoas podem desempenhar um papel ativo nessa evolução. Nesse sentido, é essencial incentivar e simplificar a livre iniciativa para tornar o ambiente de negócios mais seguro. Além disso, devemos abrir nosso mercado ao mundo. O programa Mais Médicos evidenciou que podemos utilizar o capital humano de outros países para resolver nossos problemas mais urgentes. Programas desse tipo devem ser aprimorados e multiplicados, sem financiar diretamente governos autoritários que proíbem a emigração. Uma iniciativa promissora seria simplificar a validação de diplomas estrangeiros.

Tendo esse objetivo em vista, diversas medidas podem ser implementadas, como por exemplo simplificar a obtenção de vistos de residência (uma ação que vai na contramão de decisões recentes do governo federal), incentivar a aquisição de imóveis e ativos por estrangeiros não residentes, tornar mais simples o processo de emissão de documentos para estrangeiros, bem como ampliar a oferta de serviços públicos em outros idiomas, ou em plataformas com opção de tradução. Além disso, as famílias brasileiras devem ser incentivadas a acolher e apoiar os recém-chegados, integrando-os em suas redes sociais e promovendo sua inclusão em grupos de socialização, como clubes e igrejas.

Confrontar o desafio demográfico com a política migratória implica, portanto, em duas missões: atrair imigrantes e conectar-se com a diáspora. Ainda assim, estas ações não podem substituir a necessidade de incentivar a natalidade, promovendo um ambiente onde as famílias brasileiras sintam segurança e confiança para ter mais filhos. Ações como a criação de uma política robusta de cuidados, ampliação das licenças maternidade e paternidade, valorização do trabalho doméstico desempenhado por homens e mulheres que se dedicam integralmente à criação dos filhos, são essenciais para fortalecer as famílias brasileiras.

Afinal, para lidar com os desafios do envelhecimento e da redução populacional, é necessária uma estratégia diversificada. Discussões sobre a transformação demográfica devem assumir maior protagonismo no debate púbico e na agenda política. É bastante plausível que uma política migratória eficaz, aliada ao fortalecimento das famílias, seja a chave para assegurar a sustentabilidade da sociedade brasileira no longo prazo.