Em terra de insegurança jurídica
Cada fissura em nosso regime tributário é suportada por aqueles que menos poderiam suportá-la
Diretora de tributos da Moore Brasil
Publicado em 25 de julho de 2024 às 07h00.
As piadas sobre a sanha arrecadatória do governo, personificada na imagem do Ministro Fernando Haddad, não é surpreendente do ponto de vista de alguém que ficou acordado no Brasil de 2023 para cá. Os anúncios sobre mudanças na tributação acontecem em uma frequência quase semanal. Na verdade, a primeira medida de impacto tributário aconteceu já no 1º dia útil deste governo, quando houve a revogação da redução da tributação de PIS/COFINS sobre as receitas financeiras. A piada sempre esteve pronta.
A narrativa da equipe econômica é a de que não houve aumento de impostos porque nenhum novo tributo foi criado e nenhuma alíquota foi aumentada. De fato, trata-se de uma desculpa que pode até conseguir impactar os incautos, mas nem de longe representa a realidade. O impacto dos tributos no bolso das pessoas nem sempre acontece unicamente por estas duas vias e muito pouco é falado sobre aquela que talvez seja a mais cruel delas: a insegurança jurídica.
A falácia de que a carga tributária aumentou unicamente para os mais ricos pode ser facilmente desmontada pela principal medida arrecadatória aprovada pelo governo no ano passado. A tributação das subvenções de ICMS é um tema complexo e que pode arrastar-se pelos tribunais do país por anos a fio. Denominada “correção de distorções” pelo Ministro da Fazenda, atingiu empresas de todos os ramos de atuação – principalmente aquelas localizadas no nordeste do país. De alimentos a vestuário, era bastante previsível que as empresas contestariam a mudança judicialmente. Mas o que isso interessa ao brasileiro médio? Interessa que qualquer companhia que tenha incerteza sobre o desfecho de determinada situação tributária, irá repassar o custo disso a seu consumidor. Simples!
A discussão da tese do século levou quase 15 anos apenas no STF, foi finalmente concluída em 2021. Então eu pergunto: algum consumidor recebeu de volta o equivalente ao ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS daqueles produtos adquiridos por empresas que venceram a discussão? Certamente não. Conclusão? Todos nós pagamos pelo valor da cobrança indevida, mas apenas as empresas receberam a restituição desta cobrança. Quem arcou com as consequências de uma legislação mal escrita e de uma interpretação inconstitucional da Receita Federal fomos apenas nós, eu e você, consumidores de cada dia.
As medidas apresentadas no ano passado, embora em sua maioria não tenham criado nenhum tributo nem aumentado nenhuma alíquota, certamente impactou um outro conceito importantíssimo: a base de cálculo. Se eu tenho uma base de cálculo maior, mesmo aplicando a mesma alíquota, naturalmente eu terei uma arrecadação maior. Não há nenhum pré-requisito que envolva matemática avançada neste caso.
Outra medida absolutamente desconcertante apresentada pelo governo, limitou a capacidade das empresas de compensar créditos legitimamente constituídos. É o gran finale da insegurança jurídica: eu cobro algo indevido, eu perco, eu devo, não nego, quero pagar em suas prestações. Enganam-se aqueles que pensam que são as empresas que irão pagar por mais este tijolinho no manicômio tributário.
Cada fissura em nosso regime tributário é suportada por aqueles que menos poderiam suportá-la. Dizer que o aumento na tributação alcançou apenas os mais ricos, demonstra não só desconhecimento como até mesmo certo desprezo pelo vil impacto da carga tributária no orçamento dos mais pobres. A tributação não ocorre apenas de forma direta, mas ocorre também quando é repassada pelas empresas dentro do preço dos produtos. A falta de conhecimento da sociedade sobre como funciona um sistema tributário acaba contribuindo para que a corda arrebente sempre do lado mais fraco: o do consumidor. E invariavelmente ele é o primeiro que acredita nessas ilações de que “aumentou imposto só pro rico”. É triste.
É incontestável que temos inúmeras distorções em nosso sistema tributário e demos um enorme passo para corrigi-las com a aprovação de Emenda Constitucional nº 132/2023 – a Reforma Tributária. Não será uma tarefa fácil, muito menos uma tarefa rápida. De toda forma, em nada ajuda o equilíbrio do sistema quando o Governo da vez resolve, à margem de tal reforma, embrenhar-se por interpretações legais criativas com o foco unicamente em incremento de arrecadação sem racionalidade nos gastos. Quando medidas assim, costumeiramente atabalhoadas, são colocadas em prática, os mecanismos de defesa daqueles que conhecem o sistema são prontamente acionados. São dezenas de ações judiciais e planejamentos tributários, um salve-se quem puder – mas sem esquecer os violinos do Titanic. Já aqueles que não disfrutam da 1ª classe e apenas percorrem gôndolas de supermercado ou araras de lojas de vestuário, resta pagar o preço da discussão infinita. Em terra de insegurança jurídica, a vitória é deles, mas o prejuízo é nosso.
As piadas sobre a sanha arrecadatória do governo, personificada na imagem do Ministro Fernando Haddad, não é surpreendente do ponto de vista de alguém que ficou acordado no Brasil de 2023 para cá. Os anúncios sobre mudanças na tributação acontecem em uma frequência quase semanal. Na verdade, a primeira medida de impacto tributário aconteceu já no 1º dia útil deste governo, quando houve a revogação da redução da tributação de PIS/COFINS sobre as receitas financeiras. A piada sempre esteve pronta.
A narrativa da equipe econômica é a de que não houve aumento de impostos porque nenhum novo tributo foi criado e nenhuma alíquota foi aumentada. De fato, trata-se de uma desculpa que pode até conseguir impactar os incautos, mas nem de longe representa a realidade. O impacto dos tributos no bolso das pessoas nem sempre acontece unicamente por estas duas vias e muito pouco é falado sobre aquela que talvez seja a mais cruel delas: a insegurança jurídica.
A falácia de que a carga tributária aumentou unicamente para os mais ricos pode ser facilmente desmontada pela principal medida arrecadatória aprovada pelo governo no ano passado. A tributação das subvenções de ICMS é um tema complexo e que pode arrastar-se pelos tribunais do país por anos a fio. Denominada “correção de distorções” pelo Ministro da Fazenda, atingiu empresas de todos os ramos de atuação – principalmente aquelas localizadas no nordeste do país. De alimentos a vestuário, era bastante previsível que as empresas contestariam a mudança judicialmente. Mas o que isso interessa ao brasileiro médio? Interessa que qualquer companhia que tenha incerteza sobre o desfecho de determinada situação tributária, irá repassar o custo disso a seu consumidor. Simples!
A discussão da tese do século levou quase 15 anos apenas no STF, foi finalmente concluída em 2021. Então eu pergunto: algum consumidor recebeu de volta o equivalente ao ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS daqueles produtos adquiridos por empresas que venceram a discussão? Certamente não. Conclusão? Todos nós pagamos pelo valor da cobrança indevida, mas apenas as empresas receberam a restituição desta cobrança. Quem arcou com as consequências de uma legislação mal escrita e de uma interpretação inconstitucional da Receita Federal fomos apenas nós, eu e você, consumidores de cada dia.
As medidas apresentadas no ano passado, embora em sua maioria não tenham criado nenhum tributo nem aumentado nenhuma alíquota, certamente impactou um outro conceito importantíssimo: a base de cálculo. Se eu tenho uma base de cálculo maior, mesmo aplicando a mesma alíquota, naturalmente eu terei uma arrecadação maior. Não há nenhum pré-requisito que envolva matemática avançada neste caso.
Outra medida absolutamente desconcertante apresentada pelo governo, limitou a capacidade das empresas de compensar créditos legitimamente constituídos. É o gran finale da insegurança jurídica: eu cobro algo indevido, eu perco, eu devo, não nego, quero pagar em suas prestações. Enganam-se aqueles que pensam que são as empresas que irão pagar por mais este tijolinho no manicômio tributário.
Cada fissura em nosso regime tributário é suportada por aqueles que menos poderiam suportá-la. Dizer que o aumento na tributação alcançou apenas os mais ricos, demonstra não só desconhecimento como até mesmo certo desprezo pelo vil impacto da carga tributária no orçamento dos mais pobres. A tributação não ocorre apenas de forma direta, mas ocorre também quando é repassada pelas empresas dentro do preço dos produtos. A falta de conhecimento da sociedade sobre como funciona um sistema tributário acaba contribuindo para que a corda arrebente sempre do lado mais fraco: o do consumidor. E invariavelmente ele é o primeiro que acredita nessas ilações de que “aumentou imposto só pro rico”. É triste.
É incontestável que temos inúmeras distorções em nosso sistema tributário e demos um enorme passo para corrigi-las com a aprovação de Emenda Constitucional nº 132/2023 – a Reforma Tributária. Não será uma tarefa fácil, muito menos uma tarefa rápida. De toda forma, em nada ajuda o equilíbrio do sistema quando o Governo da vez resolve, à margem de tal reforma, embrenhar-se por interpretações legais criativas com o foco unicamente em incremento de arrecadação sem racionalidade nos gastos. Quando medidas assim, costumeiramente atabalhoadas, são colocadas em prática, os mecanismos de defesa daqueles que conhecem o sistema são prontamente acionados. São dezenas de ações judiciais e planejamentos tributários, um salve-se quem puder – mas sem esquecer os violinos do Titanic. Já aqueles que não disfrutam da 1ª classe e apenas percorrem gôndolas de supermercado ou araras de lojas de vestuário, resta pagar o preço da discussão infinita. Em terra de insegurança jurídica, a vitória é deles, mas o prejuízo é nosso.