FACULDADE EXAME:

estão abertas as matrículas para nova turma de MBA em Inteligência Artificial para Negócios

SAIBA MAIS
Continua após a publicidade

Educação para a produtividade: lições da Califórnia e da França para o Brasil

A educação é um dos principais motores do desenvolvimento, influenciando diretamente o aumento da produtividade

 (Divulgação/Getty Images)
(Divulgação/Getty Images)

A educação é um dos principais motores do desenvolvimento, influenciando diretamente o aumento da produtividade. No entanto, o Brasil enfrenta um paradoxo intrigante: apesar do aumento da escolaridade média da população nas últimas décadas, não se observa uma correspondência proporcional na elevação da produtividade. Qual seria a razão dessa discrepância? 

Existem duas justificativas prováveis para tal fenômeno. A primeira está relacionada à qualidade da educação básica e superior oferecida no país. A segunda hipótese diz respeito a um possível descompasso entre os conhecimentos transmitidos pelas instituições de ensino e as competências demandadas pelo mercado de trabalho, resultando em uma lacuna significativa de qualificação profissional. A segunda hipótese será o foco deste artigo. 

Nesse contexto, é razoável supor que uma das principais razões para o aumento da escolaridade não ter gerado um impacto proporcional na produtividade é a existência de um sistema de capacitação profissional fragmentado e ineficiente, desalinhado da educação básica e das demandas do mercado de trabalho. Este sistema carece de uma estratégia consistente para o desenvolvimento e aperfeiçoamento das habilidades da força de trabalho. 

A ineficiência das políticas de capacitação profissional no Brasil deve-se, em parte, à falta de coordenação e alinhamento entre as diversas instituições e programas dedicados a este propósito. Os gastos são significativos e os resultados parcos: são inúmeros os esforços dedicados a melhorar a capacitação da força de trabalho, mas poucos deles são efetivos. 

O Sistema S também integra este mosaico fragmentado, com um modelo de gestão desalinhado do ensino médio e das redes públicas de ensino. Em 2020, o sistema S recebeu cerca de R$ 32,4 bilhões, dos quais R$ 22,7 bilhões (70%) advindos de contribuições compulsórias, segundo o Tribunal de Contas da União. Não obstante o alto volume de recursos, as entidades aparentam ser pouco responsivas às diretrizes do poder público ao conduzir sua política de educação profissional e tecnológica. 

Já o sistema universitário atende a menos de 25% dos jovens que saem do ensino médio, sendo incapaz de fornecer formação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho na escala necessária. Cabe lembrar que o atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, buscou integrar o sistema S ao ensino médio das redes públicas de ensino, quando ocupava o Ministério da Educação em 2008. A resistência das entidades do sistema S, contudo, impediu este avanço. 

Em igual situação se encontram as redes de centros públicos de ensino técnico (federal e estaduais), as quais possuem pequena escala, e também impõem barreiras ao ingresso dos brasileiros mais pobres mediante mecanismos de seleção de alunos, como vestibulinhos. Em 2020, segundo relatório do Itaú Trabalho e Emprego, apenas 13% dos matriculados no ensino médio da rede pública cursavam educação profissional, enquanto a média entre os países da OCDE era de 42%. 

O quadro legal também é confuso e discrimina trabalhadores adultos. Não existem instrumentos de contratação que permitam aos trabalhadores em transição de carreira ou que estejam cursando o ensino técnico ou cursos de requalificação profissional realizarem experiência de aprendizado em serviço. A miríade de modelos contratuais existentes, como o jovem aprendiz, o vínculo de estágio ou contratos de trainee - foram todos desenhados tendo em mente a vinculação laboral de jovens em início de carreira. 

A análise desse cenário nos leva à conclusão inevitável: é urgente reformar a estratégia de educação profissional e tecnológica no país. A baixa produtividade tem efeitos negativos significativos sobre a economia e a sociedade brasileira está envelhecendo em velocidade mais avançada que o esperado, conforme o último censo demográfico.  

Para enfrentar esses desafios, é importante observar benchmarks internacionais bem-sucedidos. Cito dois: o sistema de ensino superior da Califórnia e o modelo de educação profissional da França. O uso desses benchmarks como inspirações para reformas no Brasil pode ser útil para renovar o debate sobre a modernização das políticas de promoção da produtividade. 

O sistema de ensino superior da Califórnia é conhecido por sua abordagem tripartite, que combina acesso universal à educação e mobilidade social com excelência em pesquisa e inovação. Já o modelo francês de integração entre educação vocacional e treinamento para o trabalho apresenta uma estratégia coordenada que atende à demanda por habilidades e competências profissionais no mercado de trabalho. 

O sistema de educação superior da Califórnia é composto por três pilares principais: a Universidade da Califórnia (UC), a Universidade Estadual da Califórnia (CSU) e os Colleges Comunitários. A UC é um grupo de universidades de pesquisa que engloba algumas das instituições mais prestigiadas do mundo, como a Universidade da Califórnia em Berkeley e a Universidade da Califórnia em Los Angeles, cujo acesso é permitido apenas para os alunos de melhor desempenho. A CSU, por sua vez, foca mais nos cursos de graduação associados às carreiras mais tradicionais, bem como na formação de professores, para alunos entre os 33% com melhor desempenho. Os Colleges Comunitários oferecem programas de dois anos que conduzem a um certificado de nível técnico para o mercado de trabalho ou diploma de ensino superior - este último em alguns casos preparando estudantes para transferências para a UC ou CSU, com acesso aberto para qualquer estudante ou trabalhador.  

Este sistema tripartite permite que as instituições se beneficiem da especialização, bem como garante regras claras de interação entre as universidades, mediante programas de mobilidade entre os alunos das diferentes instituições. Trata-se de uma abordagem que combina acesso massificado e a excelência acadêmica. 

A França conta com um sistema de qualificação profissional para o trabalho recém reformado, em 2018, durante a primeira gestão de Emmanuel Macron. O objetivo da reforma foi tornar a formação dos trabalhadores mais flexível e responsiva às demandas do mercado de trabalho. Além disso, as mudanças buscaram tornar o sistema de capacitação de trabalhadores mais coerente, tendo em vista que antes era administrado por meio de dezenas de centros de formação profissional vinculados a associações patronais e de trabalhadores. 

Foi criada a agência France Compétences, que se tornou responsável por coordenar a política de capacitação para o trabalho. A entidade assumiu a responsabilidade por financiar e avaliar a qualidade dos cursos, bem como criar um padrão nacional de certificações profissionais, permitindo o surgimento de um mercado de certificações de habilidades desenvolvidas por trabalhadores em serviço - sem necessariamente estarem vinculados a instituições de ensino formal. Além disso, a agência realizou um mapeamento das competências demandadas pelas empresas no mercado de trabalho, presente e futura, para planejar a oferta dos cursos. 

A entidade não é responsável por oferecer cursos diretamente. Para cada trabalhador foi criada uma conta pessoal de formação, na qual é creditado um valor que varia de 500 a 800 euros por ano. Os trabalhadores podem utilizar esses recursos para pagar cursos de capacitação profissional em qualquer entidade reconhecida pela agência - fortalecendo um mercado de oferta de oportunidades de capacitação laboral. 

Além disso, houve a criação de um contrato de trabalho específico, mais flexível, para a contratação de trabalhadores para aprendizado em serviço. Isso permite aos trabalhadores de diversas idades combinar cursos de formação profissional com suas experiências de trabalho. 

Combinando a inclusão e a inovação do sistema californiano com a consistência e coordenação do modelo francês, o Brasil poderia reformar seu sistema de educação e formação profissional para que seja mais alinhado com as necessidades do mercado de trabalho, e que seja inclusivo para pessoas de todas as origens e idades. Isso permitiria qualificar a força de trabalho e promover o aumento produtividade de toda a economia. 

A diferenciação e especialização de propósitos permite ao estado da Califórnia atender a uma gama diversificada de necessidades educacionais e econômicas. No Brasil, tal modelo poderia incentivar a especialização das universidades federais em cada um dos tripés (ensino, pesquisa e extensão), estabelecendo um conjunto mais enxuto de instituições dedicadas à pesquisa de ponta, e ao mesmo tempo ampliar a oferta de cursos tecnológicos e técnicos de nível médio, a exemplo dos Institutos Federais, tornando-os mais acessíveis a todos os brasileiros. 

Adicionalmente, o Brasil possui um desafio anterior, de altos níveis de abandono e evasão na educação básica pública, agravado após a pandemia. Na esteira da reforma do Novo Ensino Médio, cujo objetivo é tornar a escola pública mais conectada com o mundo do trabalho e torná-la mais atraente para os jovens, o sistema S poderia ser integrado ao ensino médio público, responsável pelo ensino técnico concomitante ao ensino regular, de forma a aumentar o acesso de forma democrática à educação profissional e tecnológica. 

O sistema francês oferece um modelo para o Brasil estabelecer um sistema integrado de trabalho-capacitação, direcionado para a demanda do mercado de trabalho. Deveríamos contar com uma única autoridade de elaboração e financiamento da política de formação para o trabalho. Um passo importante seria redirecionar os programas existentes para a demanda por trabalhadores. Uma avaliação publicada pelo IPEA em 2019 demonstrou que o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) tinha 21 ministérios participantes, porém apenas um (o então Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) orientava a oferta de cursos aos profissionais a partir da demanda das empresas. 

Essa única autoridade poderia ser responsável por financiar contas individuais de recursos para capacitação profissional, que poderiam ser financiadas a partir dos fundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com cursos de capacitação reconhecidos por uma autoridade nacional competente. 

Implementar essas mudanças em nossas políticas de capacitação profissional não será tarefa fácil, mas é imprescindível para impulsionar a produtividade. Apenas com uma abordagem consistente e integrada seremos capazes de enfrentar esse desafio. O futuro da economia brasileira depende disso.