Dois empregos e um salário
Passas a vida desejando o doce que vês na vitrine e, quando te convidam a servir-te da quantidade que queres, já perdeste o apetite. Os bicos haviam deixado de ser uma demanda popular entre nós depois de muitos anos, tendo-o como impossível. Sua autorização chegou num momento em que é difícil descobrir se é um passo à frente ou um gesto de desespero. Do texto inteiro da Nota Oficial aparecida […] Leia mais
Publicado em 6 de julho de 2009 às, 14h17.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 13h29.
Passas a vida desejando o doce que vês na vitrine e, quando te convidam a servir-te da quantidade que queres, já perdeste o apetite. Os bicos haviam deixado de ser uma demanda popular entre nós depois de muitos anos, tendo-o como impossível. Sua autorização chegou num momento em que é difícil descobrir se é um passo à frente ou um gesto de desespero.
Do texto inteiro da Nota Oficial aparecida no Granma, surpreendeu-me gratamente a permissão para que os estudantes de nível médio e superior possam buscar emprego e conservar, ao mesmo tempo, seus vínculos docentes. Cinco anos em que os que não podiam trabalhar e ganhar um salário faziam com que muitos desistissem de entrar na universidade, por não ter uma família capaz de custear a roupa, alimentação e transporte durante a etapa de estudante. Sei muito bem do que falo, pois enquanto aprendia Filologia – e sendo já mãe – servia de guia da cidade de maneira ilegal para poder manter-me. Só assim pude chegar a obter um título que guardo na última gaveta do armário. Conheço muitos que até ontem deviam fazer o mesmo, pressionados por motivos econômicos a burlar as leis ou deixar os estudos.
Com certeza, a aceitação do bico chegou tarde – ainda assim, benvinda seja – e tem como principal obstáculo os baixos salários. Ter duas ocupações não significará que se viva duplamente melhor, nem sequer com uma quarta parte a mais de comodidade. O que o padeiro vier a ganhar por um trabalho diurno como segurança não fará com que sua família desista do mercado negro, do desvio de recursos ou da emigração. A questão não está na autorização para empregar-se em vários centros de trabalho, mas sim em quais produtos podem ser comprados com a desvalorizada moeda nacional. Os dias teriam que ter umas trezentas horas, pois só assim o bico nos proverá com o necessário para viver.