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Matéria no Caderno 2 do Estado de SP de hoje sobre o documentário “Reparação”: No momento em que entidades civis e militares discutem uma possível revisão da Lei da Anistia, proposta no texto do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), o lançamento de um documentário deve elevar ainda mais a temperatura do debate. Concluído no final do ano passado, o longa metragem Reparação aborda a saga do então piloto […] Leia mais

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Instituto Millenium

Publicado em 21 de janeiro de 2010 às, 16h56.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 12h25.

Matéria no Caderno 2 do Estado de SP de hoje sobre o documentário “Reparação”:

No momento em que entidades civis e militares discutem uma possível revisão da Lei da Anistia, proposta no texto do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), o lançamento de um documentário deve elevar ainda mais a temperatura do debate.

Concluído no final do ano passado, o longa metragem Reparação aborda a saga do então piloto Orlando Lovecchio Filho, que teve parte da perna esquerda amputada devido a uma bomba colocada junto à biblioteca do consulado dos EUA, em São Paulo, no dia 19 de março de 1968, auge da ditadura militar. Anistiado como vítima da repressão, o autor do atentado, Diógenes Carvalho de Oliveira, do grupo Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi contemplado pela Comissão de Anistia com uma pensão vitalícia de R$ 1.627 mil, além de ter recebido R$ 400 mil por atrasados. Já Orlando, obteve, tão somente, em 2004, uma pensão do INSS por invalidez, hoje no valor de R$ 635,79. A intenção dos produtores do filme é colocá-lo em circuito comercial neste primeiro semestre. Mas, pelo menos por enquanto, esbarram na dificuldade de encontrar uma distribuidora disposta a apostar no sucesso comercial da obra.

“Não acredito que haja pressão ou preconceito ideológico. Estou em busca de uma distribuidora que acredite no projeto. O problema é que, no Brasil, o cinema é extremamente dependente das verbas do governo federal, que é usada inclusive para os custos de distribuição. Nosso trabalho foi feito de forma independente, sem dinheiro do governo ou de patrocínios”, afirma o cineasta Daniel Moreno, sócio de uma pequena produtora paulista. Feito com recursos inferiores a R$ 100 mil, segundo o diretor, o documentário tem 93 minutos e foi totalmente gravado em High Definition. “É o tipo de documentário clássico, com depoimentos e imagens de arquivo, algumas compradas, outras obtidas do próprio Orlando Lovecchio”, diz Moreno.

Sempre centrado no drama de Lovecchio pela busca de uma indenização que considera mais justa, o filme conta com depoimentos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos, Marco Antonio Villa, do geógrafo e sociólogo Demetrio Magnoli, e da pesquisadora da Unicamp, Glenda Mezarobba, autora do livro “Um Acerto de Contas com o Futuro – a anistia e suas consequências: um estudo do caso brasileiro” (Editora Humanitas), entre outros.

Uma frase de Glenda no filme expressa a linha da obra, segundo o diretor. “Todas as vítimas do regime militar tem direito à reparação”, afirma a pesquisadora, no trailer do filme, que pode ser acessado no YouTube.


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Documentários que esclareçam ou revelam detalhes do conturbado período da ditadura militar (1964-1985) têm se tornado mais comuns nas salas brasileiras. No ano passado, o longa-metragem “Ninguém Sabe o Duro que Eu Dei” foi uma prova da curiosidade em torno de episódios nebulosos, como o que envolveu o cantor Wilson Simonal (1939-2000), que teve sua carreira praticamente encerrada por ter sido acusado de “dedo-duro” das forças de repressão. Atualmente, está em cartaz em São Paulo a produção independente Cidadão Boilesen, sobre a participação do empresário dinamarquês Henning Albert Boilesen, que teria contribuído financeiramente em favor da tortura durante a ditadura.

“Decidi fazer o filme quando tomei conhecimento do caso do Orlando, há cerca de três anos. Afinal, qual o conceito para estabelecer o valor de uma indenização?”, diz Moreno. Na opinião do diretor, o que existe são grupos no poder que direcionam as diretrizes de concessão de indenizações conforme os seus interesses ideológicos. “Usando o conceito marxista, parece que o conceito de luta de classes esteve presente no momento da reparação”, afirma, no filme, o historiador Marco Antonio Villa.

Segundo dados da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, desde 2003 até o primeiro semestre do ano passado, foram pagos cerca de R$ 2,6 bilhões em forma de indenizações e pensões aos anistiados políticos, com base na Lei de Anistia (Lei 6.683/79) e na reformulação contida na Lei 10.559, de 2002. O critério obedecido foi o de contemplar o pagamento para os civis que tiveram, na avaliação da Comissão de Anistia, suas carreiras interrompidas pela repressão.

Foram considerados anistiados políticos pessoas ou familiares de mortos que participaram da luta clandestina contra a ditadura e até mesmo algumas personalidades, que embora jamais tenham pegado em armas, foram consideradas perseguidas políticas, caso dos cartunistas Jaguar e Ziraldo, que em abril de 2008, ganharam indenizações de R$ 1.027 milhão e R$ 1 milhão, respectivamente, além de uma pensão mensal permanente e contínua de R$ 4.375,88 para cada um. “Sempre fui um sujeito apolítico”, afirma Orlando Lovecchio, que, na época do atentado, aos 22 anos, acabara de concluir um curso de piloto comercial, profissão que jamais pôde exercer em razão do acidente. Lovecchio vive hoje em Santos (SP), onde trabalha como corretor de imóveis. Complementa sua renda com o aluguel de três propriedades.

“Não partidarizei o meu filme e não cito casos particulares das inúmeras distorções que existe quanto à concessão de indenizações”, diz Moreno. Para o diretor, o principal objetivo do filme é ampliar as discussões sobre os direitos humanos.

Por opção pessoal, ele não abriu espaço para que pessoas com pensamento divergente, como ex-guerrilheiros ou membros da Comissão de Anistia, falassem no filme, entendendo que a grande mídia já permite que elas possam se expressar. Com relação ao fato de estarmos em um ano político, ele considera natural que o filme suscite polêmica, considerando ainda que os dois principais nomes da disputa presidencial, o governador paulista José Serra (PSDB) e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), tiveram, cada um seu modo, participação efetiva contra a ditadura militar.

Enquanto não consegue um espaço no circuito comercial, Moreno pretende inscrever o seu filme no maior número possível de festivais. Aguarda para março a resposta da mostra “É Tudo Verdade”, voltada exclusivamente para documentários, que é exibida em São Paulo e no Rio. Pretende inscrevê-lo também nos festivais de Recife, Brasília e Gramado. Provocado se pretende assistir ao filme “Lula, o Filho do Brasil” (lançado em 1º de janeiro em 354 salas do País, com patrocínio de empresas como Ambev, Camargo Correa e Odebrecht, entre outras), o diretor é irônico. “Vou esperar sair em DVD”. Em seguida, retoma o tom sério, e conclui, a respeito da larga distribuição do filme. “Este caso expressa a velha relação de amor que há no Brasil entre os cineastas e a política. Eles se amam”.

‘Reivindicação justa’

Defensor incondicional da comissão da verdade e da abertura de todos os documentos do período da ditadura militar (1964-1985), o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) considera legítimo o pedido de indenização de Orlando Lovecchio. “Se ele foi vítima de um processo que se desenvolveu no campo político, ele deve, sim, ser indenizado. Se ele não tinha nada a ver com o caso, ele deve ser indenizado”, afirma o deputado. Valente diz que casos como o de Lovecchio nunca fizeram parte de discussões do PSOL, mas afirma que não veria problemas em levantar questões como a dele dentro do partido. “O principal é fazer justiça”, afirma. Para o deputado, a principal questão é identificar e punir os torturadores do regime militar, uma vez que, na sua opinião, as pessoas que participaram da luta armada já foram penalizadas.

Preso durante 8 meses com base em condenação da antiga Lei de Segurança Nacional (LSN), Valente viveu na clandestinidade entre 1971 e 1977 devido à sua atuação em grupos, como o MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), que não defendia a luta a armada. “Até hoje não entrei com pedido de indenização com base na Lei de Anistia”, afirma. Para o deputado, o montante pelo governo federal gasto em indenizações e pensões é o reflexo de um Estado que se comportou de forma totalitária. “Mas ou outro caso pode ter exorbitado os valores”, admite.