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Descomplicando a Reforma Tributária

É preciso que a sociedade entenda agora o que está em jogo na discussão no Senado

Congresso: percorremos um longo caminho, que eu mesma cheguei a duvidar que pudéssemos percorrer (Saulo Cruz/Agência Câmara)
Maria Carolina Gontijo

Diretora de tributos da Moore Brasil

Publicado em 21 de julho de 2023 às 16h13.

Se o ótimo é inimigo do bom, aparentemente o bom virou um inimigo do Brasil. Sim, a reforma tributária tem pontos (e muitos!) a serem melhorados. Mas não, isso não quer dizer que devemos aceitar conviver com o sistema absurdo que temos para a nossa tributação do consumo.

Nosso emaranhado de normas tributárias não é coisa de amador. São anos e anos de desenhos confusos, interpretações enviesadas, tudo para respaldar um aumento de arrecadação silencioso para um Estado que desconhece como gastar menos.

Ainda tenho minhas dúvidas se a sociedade realmente entendeu a importância de uma reforma tributária. Talvez inebriados por um desejo ingênuo de uma possível redução da carga tributária, a racionalização de um sistema, por mais avanço que represente, não chega a ter o apelo necessário à movimentação do debate. Como entender os avanços quando não se entende o presente?

De toda forma, é preciso que a sociedade entenda agora o que está em jogo na discussão no Senado. Uma reforma tributária não é algo simples e está longe de poder ser facilmente alterada no futuro. A transição para nós, contribuintes, já diz muito da linha temporal que estamos tratando: o sistema proposto pela PEC 45 somente estaria implementado integralmente em 2033. Quem está achando o processo lento, apenas demonstra pouco conhecimento do sistema: temos a Lei Complementar 160/2017 que prevê a convalidação benefícios fiscais de ICMS até 2032. A reforma tributária é como um passo para o futuro, equilibrando os karmas do passado.

Mas não há a menor necessidade de transformá-la em algo ainda mais complexo. E foi exatamente isso que vimos em perigosos trechos do texto final, inseridos para além da negociação política. E são estes trechos que devem estar no centro do debate neste momento. A possibilidade aberta pela inserção do art. 20 no apagar das luzes do debate, abre perigoso precedente para que os Estados possam continuar deturpando a carga tributária via fundos diversos. Pior: já compromete, no mínimo até 2043, a ideia primordial de um bom imposto sobre valor agregado, que é sua não cumulatividade.

E por falar em não cumulatividade, o perigoso trecho que prevê a exceção de créditos quando bens ou serviços forem destinados a “uso e consumo” trouxe calafrios a qualquer profissional da área. Não é difícil imaginarmos que podemos estar diante de uma versão do mesmo abismo que enfrentamos na não cumulatividade de PIS e COFINS. A que se destina uso e consumo? Uso e consumo de quem? Daí para “apenas aqueles empregados no processo produtivo” é um pulo. E sabemos disso. É a hora que o abismo olha de volta para nós. E não podemos correr estes riscos.

Tivemos também a perigosa ampliação da imunidade originalmente prevista apenas a templos de qualquer culto. Inserida na Emenda Aglutinativa, não só os templos, mas entidades religiosas e suas organizações assistenciais e beneficentes não sofreriam nenhuma incidência de CBS ou IBS. Precisamos mesmo de mais exceções como estas? Ou daquela que reduz em 60% a alíquota de bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional? Conceito que pode enquadrar bens e serviços em espectro tão amplo quanto perigoso?

Porque ao fim e ao cabo, para a sociedade, tudo se resume à pergunta: mas e a alíquota? O medo envolvido em qualquer tipo de discussão tributária no Brasil é mais do que plausível. Há uma promessa de que a carga tributária não será alterada, mas aqui existe uma perigosa armadilha: sim, o excesso de exceções. O país da meia entrada ainda não aprendeu que não existe 50% de desconto e que sim, alguém está pagando a outra metade. Quanto mais exceções à regra, maior será a alíquota padrão. A matemática não costuma fazer concessões.

Não, eu não sou contra a reforma tributária, muito pelo contrário. Sou abertamente a favor, pois nosso sistema tributário está claramente comprometendo nosso desenvolvimento econômico há tempos. Mas precisamos debater seriamente a proposta apresentada, para que não tenhamos retrocesso nos pontos mais importantes que um IVA tem a agregar: não cumulatividade, creditamento amplo e reduzidas exceções à regra padrão.

Percorremos um longo caminho, que eu mesma cheguei a duvidar que pudéssemos percorrer. De um lado, enormes interesses, econômicos e políticos. Do outro, nós, contribuintes, incapazes de dizer o quanto pagamos de tributos nas compras mais banais do dia a dia. Trazer transparência à cobrança de tributos é fazer com que o contribuinte se sinta parte do processo, apto a perceber e cobrar a correta destinação dos recursos públicos.

A matemática não faz concessões e, por isso, na reforma tributária, também deveríamos nos preocupar em fazer mínimas. Em nome da transparência e em nome da cidadania fiscal.

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Se o ótimo é inimigo do bom, aparentemente o bom virou um inimigo do Brasil. Sim, a reforma tributária tem pontos (e muitos!) a serem melhorados. Mas não, isso não quer dizer que devemos aceitar conviver com o sistema absurdo que temos para a nossa tributação do consumo.

Nosso emaranhado de normas tributárias não é coisa de amador. São anos e anos de desenhos confusos, interpretações enviesadas, tudo para respaldar um aumento de arrecadação silencioso para um Estado que desconhece como gastar menos.

Ainda tenho minhas dúvidas se a sociedade realmente entendeu a importância de uma reforma tributária. Talvez inebriados por um desejo ingênuo de uma possível redução da carga tributária, a racionalização de um sistema, por mais avanço que represente, não chega a ter o apelo necessário à movimentação do debate. Como entender os avanços quando não se entende o presente?

De toda forma, é preciso que a sociedade entenda agora o que está em jogo na discussão no Senado. Uma reforma tributária não é algo simples e está longe de poder ser facilmente alterada no futuro. A transição para nós, contribuintes, já diz muito da linha temporal que estamos tratando: o sistema proposto pela PEC 45 somente estaria implementado integralmente em 2033. Quem está achando o processo lento, apenas demonstra pouco conhecimento do sistema: temos a Lei Complementar 160/2017 que prevê a convalidação benefícios fiscais de ICMS até 2032. A reforma tributária é como um passo para o futuro, equilibrando os karmas do passado.

Mas não há a menor necessidade de transformá-la em algo ainda mais complexo. E foi exatamente isso que vimos em perigosos trechos do texto final, inseridos para além da negociação política. E são estes trechos que devem estar no centro do debate neste momento. A possibilidade aberta pela inserção do art. 20 no apagar das luzes do debate, abre perigoso precedente para que os Estados possam continuar deturpando a carga tributária via fundos diversos. Pior: já compromete, no mínimo até 2043, a ideia primordial de um bom imposto sobre valor agregado, que é sua não cumulatividade.

E por falar em não cumulatividade, o perigoso trecho que prevê a exceção de créditos quando bens ou serviços forem destinados a “uso e consumo” trouxe calafrios a qualquer profissional da área. Não é difícil imaginarmos que podemos estar diante de uma versão do mesmo abismo que enfrentamos na não cumulatividade de PIS e COFINS. A que se destina uso e consumo? Uso e consumo de quem? Daí para “apenas aqueles empregados no processo produtivo” é um pulo. E sabemos disso. É a hora que o abismo olha de volta para nós. E não podemos correr estes riscos.

Tivemos também a perigosa ampliação da imunidade originalmente prevista apenas a templos de qualquer culto. Inserida na Emenda Aglutinativa, não só os templos, mas entidades religiosas e suas organizações assistenciais e beneficentes não sofreriam nenhuma incidência de CBS ou IBS. Precisamos mesmo de mais exceções como estas? Ou daquela que reduz em 60% a alíquota de bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional? Conceito que pode enquadrar bens e serviços em espectro tão amplo quanto perigoso?

Porque ao fim e ao cabo, para a sociedade, tudo se resume à pergunta: mas e a alíquota? O medo envolvido em qualquer tipo de discussão tributária no Brasil é mais do que plausível. Há uma promessa de que a carga tributária não será alterada, mas aqui existe uma perigosa armadilha: sim, o excesso de exceções. O país da meia entrada ainda não aprendeu que não existe 50% de desconto e que sim, alguém está pagando a outra metade. Quanto mais exceções à regra, maior será a alíquota padrão. A matemática não costuma fazer concessões.

Não, eu não sou contra a reforma tributária, muito pelo contrário. Sou abertamente a favor, pois nosso sistema tributário está claramente comprometendo nosso desenvolvimento econômico há tempos. Mas precisamos debater seriamente a proposta apresentada, para que não tenhamos retrocesso nos pontos mais importantes que um IVA tem a agregar: não cumulatividade, creditamento amplo e reduzidas exceções à regra padrão.

Percorremos um longo caminho, que eu mesma cheguei a duvidar que pudéssemos percorrer. De um lado, enormes interesses, econômicos e políticos. Do outro, nós, contribuintes, incapazes de dizer o quanto pagamos de tributos nas compras mais banais do dia a dia. Trazer transparência à cobrança de tributos é fazer com que o contribuinte se sinta parte do processo, apto a perceber e cobrar a correta destinação dos recursos públicos.

A matemática não faz concessões e, por isso, na reforma tributária, também deveríamos nos preocupar em fazer mínimas. Em nome da transparência e em nome da cidadania fiscal.

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