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Como Zonas Econômicas Especiais são capazes de impulsionar a inovação

O exemplo mais famoso é a cidade chinesa de Shenzhen, que se beneficiou bastante da proximidade com Hong Kong

O exemplo mais famoso é a cidade chinesa de Shenzhen, que se beneficiou bastante da proximidade com Hong Kong (real444/Getty Images)
Claudio D. Shikida

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 17 de outubro de 2023 às 09h54.

A gestão pública, tal como a privada, tem um conjunto de instrumentos de política – hoje em dia chamados de ferramentas – que, rotineiramente, usa para resolver problemas. Só que há uma peculiaridade: nem sempre as ferramentas atuais são as mais adequadas para os novos problemas. Por isso, é preciso criar ou copiar algumas utilizadas por outros gestores.

Depara-se, pois, o gestor, com uma situação complicada já que, inovar no setor público não é algo trivial, por mais laboratórios ou oficinas de inovação que se crie. O problema pode ser ilustrado com uma figura geométrica simples: o triângulo. Em sua base está a democracia (o menos pior dos regimes). Deseja-se que seja a maior possível, claro. Nos dois outros lados, a vetocracia e a hesitocracia. O primeiro caso é um freio às novas ideias porque há um número excessivo de pessoas com poder de veto ( veto players ). Já a hesitocracia, bem, é o uso excessivo da prudência que desestimula as inovações porque, sabe como é, uma inovação poderá criar muitas judicializações ou problemas similares.

Claro que a prudência e a participação de atores no processo de uma decisão pública são recomendáveis, já que envolvem recursos dos pagadores de impostos. O problema é que, a partir de certo ponto, a hesitação e os vetos apenas mantêm o status quo, que é tudo o que não se deseja quando se fala em gestão eficiente, eficaz ou efetiva.

As figuras a seguir mostram duas possíveis configurações da gestão pública no que diz respeito aos três conceitos. À esquerda, tem-se o triângulo que talvez mais se pareça com a realidade brasileira e, à direita, um caso em que a democracia opera com menos vetocracia ou hesitocracia.

O amigo leitor poderá redesenhar os triângulos de várias formas, conforme a realidade da gestão pública que se queira analisar. Um arranjo ideal teria uma democracia efetiva (uma base larga) e pouca hesitocracia e poucos pontos de veto. Supõe-se que sempre haverá alguma vetocracia e alguma hesitocracia até porque não se conhece uma sociedade que seja unidimensional, contendo apenas a democracia e uma eficácia absoluta nas duas outras dimensões.

O desafio de uma liderança política é o de transformar o triângulo da esquerda no da direita. Como fazer isto? Proponho que um caminho é se aproveitar uma janela de oportunidade para implementar a semente de uma reforma econômica que, se bem implementada, poderá servir para uma reforma mais ampla, em cascata. Uma forma de se fazer isto é por meio das Zonas Econômicas Especiais (ZEE).

Segundo a UNCTAD, uma ZEE apresenta três características: (a) é criada em uma área geograficamente demarcada; (b) apresenta um regime regulatório distinto e; (c) encontra suporte em infraestrutura para suas atividades.

O exemplo mais famoso é a cidade chinesa de Shenzhen que se beneficiou bastante da proximidade com Hong Kong e da breve, mas intensa abertura política introduzida por Deng Xiaoping. O sucesso da ZEE foi tão grande que mesmo com o retrocesso político, Shenzhen continuou gozando de seu status regulatório diferenciado. Até ditadores reconhecem a importância de não se matar a galinha dos ovos de ouro.

Outro exemplo, mais recente, é a ZEE criada por uma tribo indígena norte-americana, a Catawba Digital Economic Zone que, inspirada na cidadania digital estoniana, adota uma regulação que busca atrair fintechs para seu território. Ou Próspera, em Honduras, que tenta ser um pólo atrator de investimentos estrangeiros.

O Brasil, timidamente, faz parte desta realidade. Temos algumas ZEE voltadas para a promoção de exportações, usando estratégias tradicionais como o fornecimento de incentivos fiscais. A especialista Lotta Moberg afirma que estas zonas têm alcance limitado. O verdadeiro potencial das ZEE estaria na promoção de experimentações regulatórias, e acredito que os últimos anos dão suporte à visão da autora: basta ver os desafios trazidos aos reguladores pelo crescimento das plataformas digitais como a Uber e similares.

Há também versões municipais de ZEE. Por exemplo, algumas prefeituras adotam os chamados sandboxes regulatórios. Este tipo de arranjo permite que uma inovação – cuja implementação exija mudanças regulatórias – seja testada em uma ‘caixa de areia’ em um arranjo cooperativo entre inovadores e reguladores.

Ainda no nível local, não é de hoje que se criam desregulamentações para objetivos específicos. As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) desregulamentam o reconhecimento de áreas ocupadas para a construção de moradias para populações de baixa renda. As ZEIS já existem há quase 20 anos no Brasil, em diversas cidades, com resultados variados.

Zoneamentos não são uma invenção recente. Criar zonas que sofram menos com a vetocracia e a hesitocracia é um desafio, mas também é uma oportunidade.

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A gestão pública, tal como a privada, tem um conjunto de instrumentos de política – hoje em dia chamados de ferramentas – que, rotineiramente, usa para resolver problemas. Só que há uma peculiaridade: nem sempre as ferramentas atuais são as mais adequadas para os novos problemas. Por isso, é preciso criar ou copiar algumas utilizadas por outros gestores.

Depara-se, pois, o gestor, com uma situação complicada já que, inovar no setor público não é algo trivial, por mais laboratórios ou oficinas de inovação que se crie. O problema pode ser ilustrado com uma figura geométrica simples: o triângulo. Em sua base está a democracia (o menos pior dos regimes). Deseja-se que seja a maior possível, claro. Nos dois outros lados, a vetocracia e a hesitocracia. O primeiro caso é um freio às novas ideias porque há um número excessivo de pessoas com poder de veto ( veto players ). Já a hesitocracia, bem, é o uso excessivo da prudência que desestimula as inovações porque, sabe como é, uma inovação poderá criar muitas judicializações ou problemas similares.

Claro que a prudência e a participação de atores no processo de uma decisão pública são recomendáveis, já que envolvem recursos dos pagadores de impostos. O problema é que, a partir de certo ponto, a hesitação e os vetos apenas mantêm o status quo, que é tudo o que não se deseja quando se fala em gestão eficiente, eficaz ou efetiva.

As figuras a seguir mostram duas possíveis configurações da gestão pública no que diz respeito aos três conceitos. À esquerda, tem-se o triângulo que talvez mais se pareça com a realidade brasileira e, à direita, um caso em que a democracia opera com menos vetocracia ou hesitocracia.

O amigo leitor poderá redesenhar os triângulos de várias formas, conforme a realidade da gestão pública que se queira analisar. Um arranjo ideal teria uma democracia efetiva (uma base larga) e pouca hesitocracia e poucos pontos de veto. Supõe-se que sempre haverá alguma vetocracia e alguma hesitocracia até porque não se conhece uma sociedade que seja unidimensional, contendo apenas a democracia e uma eficácia absoluta nas duas outras dimensões.

O desafio de uma liderança política é o de transformar o triângulo da esquerda no da direita. Como fazer isto? Proponho que um caminho é se aproveitar uma janela de oportunidade para implementar a semente de uma reforma econômica que, se bem implementada, poderá servir para uma reforma mais ampla, em cascata. Uma forma de se fazer isto é por meio das Zonas Econômicas Especiais (ZEE).

Segundo a UNCTAD, uma ZEE apresenta três características: (a) é criada em uma área geograficamente demarcada; (b) apresenta um regime regulatório distinto e; (c) encontra suporte em infraestrutura para suas atividades.

O exemplo mais famoso é a cidade chinesa de Shenzhen que se beneficiou bastante da proximidade com Hong Kong e da breve, mas intensa abertura política introduzida por Deng Xiaoping. O sucesso da ZEE foi tão grande que mesmo com o retrocesso político, Shenzhen continuou gozando de seu status regulatório diferenciado. Até ditadores reconhecem a importância de não se matar a galinha dos ovos de ouro.

Outro exemplo, mais recente, é a ZEE criada por uma tribo indígena norte-americana, a Catawba Digital Economic Zone que, inspirada na cidadania digital estoniana, adota uma regulação que busca atrair fintechs para seu território. Ou Próspera, em Honduras, que tenta ser um pólo atrator de investimentos estrangeiros.

O Brasil, timidamente, faz parte desta realidade. Temos algumas ZEE voltadas para a promoção de exportações, usando estratégias tradicionais como o fornecimento de incentivos fiscais. A especialista Lotta Moberg afirma que estas zonas têm alcance limitado. O verdadeiro potencial das ZEE estaria na promoção de experimentações regulatórias, e acredito que os últimos anos dão suporte à visão da autora: basta ver os desafios trazidos aos reguladores pelo crescimento das plataformas digitais como a Uber e similares.

Há também versões municipais de ZEE. Por exemplo, algumas prefeituras adotam os chamados sandboxes regulatórios. Este tipo de arranjo permite que uma inovação – cuja implementação exija mudanças regulatórias – seja testada em uma ‘caixa de areia’ em um arranjo cooperativo entre inovadores e reguladores.

Ainda no nível local, não é de hoje que se criam desregulamentações para objetivos específicos. As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) desregulamentam o reconhecimento de áreas ocupadas para a construção de moradias para populações de baixa renda. As ZEIS já existem há quase 20 anos no Brasil, em diversas cidades, com resultados variados.

Zoneamentos não são uma invenção recente. Criar zonas que sofram menos com a vetocracia e a hesitocracia é um desafio, mas também é uma oportunidade.

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