Como Brasília pode aprofundar a crise do Coronavírus
Entenda por que a quebra de patentes é um grande desincentivador de novas pesquisas e do desenvolvimento de novos medicamentos
institutomillenium
Publicado em 13 de julho de 2020 às 13h34.
* Por Maurício F. Bento
Um velho e conhecido ditado diz que a estrada para o inferno é pavimentada de boas intenções. Sua origem e autor são controversos, sendo constantemente apontados o católico francês São Bernardo de Claraval ou o comunista alemão Karl Marx. De qualquer forma, é simples compreender que boas intenções acompanhadas de más ideias não bastam para garantir um bom resultado, podendo levar-nos ao inferno, seja ele espiritual, como para Bernardo de Claraval, ou material, como para Marx.
O Congresso Nacional é um lugar onde, particularmente, essa frase é mais verdadeira, pois possui centenas de membros pagos para serem criativos na demonstração pública de virtude e boas intenções, ainda mais em um momento de crise como o atual. A Câmara e o Senado já receberam centenas de propostas nesse sentido, mas uma delas é especialmente preocupante.
O Projeto de Lei 1320 de 2020 ( PL 1320/2020 ), apresentado por um grupo de 11 deputados federais, de oito partidos diferente (da base do governo e de oposição), propõe, com boas intenções, autorizar a quebra de patentes para equipamentos e medicamentos utilizados para o combate ao novo coronavírus. Os defensores da quebra de patentes alegam que ela facilitaria a produção dos bens necessários para o combate ao coronavírus. No entanto, eles omitem os efeitos colaterais desse tipo de medida.
A proteção aos direitos de propriedade, em especial à propriedade intelectual, é essencial para que haja investimentos em um setor. Pesquisa e inovação demandam altos investimentos e, para que elas ocorram, é necessário que seja possível para a instituição de pesquisa recuperar o investimento realizado. A propriedade intelectual é a base de proteção a esses investimentos, é o que dá aos pesquisadores a segurança de que, após anos dedicados e muitos recursos despendidos, tudo pode ser recuperado em caso de sucesso.
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O Brasil figura na 62ª posição global e 7ª regional no Índice Internacional de Direitos de Propriedade de 2020, entre 131 países avaliados. Assim, a proteção à propriedade já se dá de maneira precária no país. Uma medida que suspenda completamente licenças e patentes para certos produtos faria o país despencar nos rankings internacionais, sinalizando negativamente aos pesquisadores e investidores locais e estrangeiros.
Mesmo no momento delicado atual, não se espera que médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde trabalhem de graça. Pelo contrário, seu trabalho é ainda mais valorizado e muitas personalidades têm vindo a público defender maiores investimentos na saúde. Por que pesquisadores da saúde deveriam trabalhar de graça? A instituição que descobrir uma vacina eficaz contra o COVID-19 deve ser remunerada por isso e a propriedade intelectual é o que sinaliza a ela que sua pesquisa será recompensada.
Quase 40% da economia dos Estados Unidos e da União Europeia é produzida em setores intensivos em propriedade intelectual, são mais de 100 milhões de empregos ocupados por trabalhadores que ganham, em média, 46% a mais do que seus compatriotas de outros setores. Além disso, o número de pedidos de patentes cresceu 5,2% em 2018, indicando que as novas tecnologias, novos remédios e novos equipamentos continuarão sendo criados para melhorar a qualidade de vida global, desde que nações e as organizações internacionais continuem se comprometendo em proteger os direitos dos inovadores, como pedem dezenas de institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil pelo mundo em carta oficial enviada à Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à Organização das Nações Unidas (ONU) em abril, para celebrar o dia internacional do direito de propriedade intelectual.
Nesse sentido, a quebra de patentes proposta pelo PL 1320 de 2020 seria um grande desincentivador de novas pesquisas e do desenvolvimento de novos medicamentos mais eficientes para o combate ao novo coronavírus. Além disso, essa proposta se mostra pouco eficiente até mesmo em relação aos medicamentos que já existem. Parte significativa dos medicamentos que vêm sendo objeto de pesquisa para o combate ao COVID-19, como a cloroquina, azitromicina e interferon-beta, já se encontram com suas patentes expiradas. Portanto, essa proposta afetaria a credibilidade do ambiente de negócios no Brasil, afastando investimentos do país, prejudicando pesquisadores, sem nem mesmo trazer os benefícios alegados. Afastar investimentos, nesse momento, causaria um duplo dano ao combate à pandemia: prejudicaria o combate à crise no âmbito da saúde e aprofundaria a crise econômica, ambas já suficientemente graves.
Há muitas outras coisas que podem ser feitas para melhorar a capacidade do Brasil e do mundo no combate à pandemia. Desde que a crise se iniciou, o Brasil vem reduzindo temporariamente a burocracia e os impostos sobre equipamentos de proteção individual (EPIs) e outros equipamentos e medicamentos utilizados no combate ao novo coronavírus. A lista já passa dos 100 itens beneficiados pelas medidas até o momento. No entanto, por que facilitar o acesso da população a equipamentos e medicamentos apenas temporariamente?
Propostas que ameacem o setor que realiza as pesquisas necessárias para vencer a doença são contraproducentes. Governos municipais, estaduais e federal devem colaborar com a indústria para chegar a uma regulação que facilite o acesso de todos os brasileiros aos equipamentos e medicamentos necessários para se combater a doença permanentemente, não apenas temporariamente. Isso passa por integrar o país às cadeias globais de valor, reformar a regulação para diminuir a burocracia e mitigar custos, além de manter o país firme na proteção aos direitos de propriedade.
O custo para a produção de novos medicamentos atinge cifras bilionárias (em dólares) e apenas 12% das pesquisas resultam no lançamento de novas drogas. O mercado já possui um alto custo combinado com um elevado risco, não precisamos de mais instabilidade gerada por nossos legisladores, ainda que eivados de boas intenções.
A saída para a crise é a pesquisa científica de qualidade e a justa remuneração dos que trabalham no setor, além da colaboração entre governo, setor privado e universidades para que as tecnologias mais adequadas sejam encontradas o mais rápido possível. A solução virá da integração e da sinergia entre os diversos setores e países envolvidos no combate à pandemia. Boas intenções acompanhadas de propostas contraproducentes apenas pavimentariam nosso caminho ao inferno.
Mauricio F. Bento é graduado e mestre em economia. Tem passagens pelo Cato Institute e pelo Charles Koch Institute em Washington, DC. Atualmente, atua na Escola Paulista de Contas Públicas 'Presidente Washington Luís' e na Property Rights Alliance.
* Por Maurício F. Bento
Um velho e conhecido ditado diz que a estrada para o inferno é pavimentada de boas intenções. Sua origem e autor são controversos, sendo constantemente apontados o católico francês São Bernardo de Claraval ou o comunista alemão Karl Marx. De qualquer forma, é simples compreender que boas intenções acompanhadas de más ideias não bastam para garantir um bom resultado, podendo levar-nos ao inferno, seja ele espiritual, como para Bernardo de Claraval, ou material, como para Marx.
O Congresso Nacional é um lugar onde, particularmente, essa frase é mais verdadeira, pois possui centenas de membros pagos para serem criativos na demonstração pública de virtude e boas intenções, ainda mais em um momento de crise como o atual. A Câmara e o Senado já receberam centenas de propostas nesse sentido, mas uma delas é especialmente preocupante.
O Projeto de Lei 1320 de 2020 ( PL 1320/2020 ), apresentado por um grupo de 11 deputados federais, de oito partidos diferente (da base do governo e de oposição), propõe, com boas intenções, autorizar a quebra de patentes para equipamentos e medicamentos utilizados para o combate ao novo coronavírus. Os defensores da quebra de patentes alegam que ela facilitaria a produção dos bens necessários para o combate ao coronavírus. No entanto, eles omitem os efeitos colaterais desse tipo de medida.
A proteção aos direitos de propriedade, em especial à propriedade intelectual, é essencial para que haja investimentos em um setor. Pesquisa e inovação demandam altos investimentos e, para que elas ocorram, é necessário que seja possível para a instituição de pesquisa recuperar o investimento realizado. A propriedade intelectual é a base de proteção a esses investimentos, é o que dá aos pesquisadores a segurança de que, após anos dedicados e muitos recursos despendidos, tudo pode ser recuperado em caso de sucesso.
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Proposta de empréstimo compulsório é estapafúrdia, diz Marcelo Mello
O Brasil figura na 62ª posição global e 7ª regional no Índice Internacional de Direitos de Propriedade de 2020, entre 131 países avaliados. Assim, a proteção à propriedade já se dá de maneira precária no país. Uma medida que suspenda completamente licenças e patentes para certos produtos faria o país despencar nos rankings internacionais, sinalizando negativamente aos pesquisadores e investidores locais e estrangeiros.
Mesmo no momento delicado atual, não se espera que médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde trabalhem de graça. Pelo contrário, seu trabalho é ainda mais valorizado e muitas personalidades têm vindo a público defender maiores investimentos na saúde. Por que pesquisadores da saúde deveriam trabalhar de graça? A instituição que descobrir uma vacina eficaz contra o COVID-19 deve ser remunerada por isso e a propriedade intelectual é o que sinaliza a ela que sua pesquisa será recompensada.
Quase 40% da economia dos Estados Unidos e da União Europeia é produzida em setores intensivos em propriedade intelectual, são mais de 100 milhões de empregos ocupados por trabalhadores que ganham, em média, 46% a mais do que seus compatriotas de outros setores. Além disso, o número de pedidos de patentes cresceu 5,2% em 2018, indicando que as novas tecnologias, novos remédios e novos equipamentos continuarão sendo criados para melhorar a qualidade de vida global, desde que nações e as organizações internacionais continuem se comprometendo em proteger os direitos dos inovadores, como pedem dezenas de institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil pelo mundo em carta oficial enviada à Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à Organização das Nações Unidas (ONU) em abril, para celebrar o dia internacional do direito de propriedade intelectual.
Nesse sentido, a quebra de patentes proposta pelo PL 1320 de 2020 seria um grande desincentivador de novas pesquisas e do desenvolvimento de novos medicamentos mais eficientes para o combate ao novo coronavírus. Além disso, essa proposta se mostra pouco eficiente até mesmo em relação aos medicamentos que já existem. Parte significativa dos medicamentos que vêm sendo objeto de pesquisa para o combate ao COVID-19, como a cloroquina, azitromicina e interferon-beta, já se encontram com suas patentes expiradas. Portanto, essa proposta afetaria a credibilidade do ambiente de negócios no Brasil, afastando investimentos do país, prejudicando pesquisadores, sem nem mesmo trazer os benefícios alegados. Afastar investimentos, nesse momento, causaria um duplo dano ao combate à pandemia: prejudicaria o combate à crise no âmbito da saúde e aprofundaria a crise econômica, ambas já suficientemente graves.
Há muitas outras coisas que podem ser feitas para melhorar a capacidade do Brasil e do mundo no combate à pandemia. Desde que a crise se iniciou, o Brasil vem reduzindo temporariamente a burocracia e os impostos sobre equipamentos de proteção individual (EPIs) e outros equipamentos e medicamentos utilizados no combate ao novo coronavírus. A lista já passa dos 100 itens beneficiados pelas medidas até o momento. No entanto, por que facilitar o acesso da população a equipamentos e medicamentos apenas temporariamente?
Propostas que ameacem o setor que realiza as pesquisas necessárias para vencer a doença são contraproducentes. Governos municipais, estaduais e federal devem colaborar com a indústria para chegar a uma regulação que facilite o acesso de todos os brasileiros aos equipamentos e medicamentos necessários para se combater a doença permanentemente, não apenas temporariamente. Isso passa por integrar o país às cadeias globais de valor, reformar a regulação para diminuir a burocracia e mitigar custos, além de manter o país firme na proteção aos direitos de propriedade.
O custo para a produção de novos medicamentos atinge cifras bilionárias (em dólares) e apenas 12% das pesquisas resultam no lançamento de novas drogas. O mercado já possui um alto custo combinado com um elevado risco, não precisamos de mais instabilidade gerada por nossos legisladores, ainda que eivados de boas intenções.
A saída para a crise é a pesquisa científica de qualidade e a justa remuneração dos que trabalham no setor, além da colaboração entre governo, setor privado e universidades para que as tecnologias mais adequadas sejam encontradas o mais rápido possível. A solução virá da integração e da sinergia entre os diversos setores e países envolvidos no combate à pandemia. Boas intenções acompanhadas de propostas contraproducentes apenas pavimentariam nosso caminho ao inferno.
Mauricio F. Bento é graduado e mestre em economia. Tem passagens pelo Cato Institute e pelo Charles Koch Institute em Washington, DC. Atualmente, atua na Escola Paulista de Contas Públicas 'Presidente Washington Luís' e na Property Rights Alliance.