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Brasil: aquela eterna casa muito engraçada

Retrocessos institucionais marcam novos decretos na alteração de conquistas brasileiras - desde o Marco Legal do Saneamento Básico à Lei das Estatais

Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão solene do Congresso Nacional destinada a dar posse ao presidente e ao vice-presidente da República. (Edilson Rodrigues/Agência Senado)
DR

Da Redação

Publicado em 12 de abril de 2023 às 15h49.

Última atualização em 12 de abril de 2023 às 16h11.

*Por André Bolini

Sempre iluminado nosso imortal poeta Vinicius de Moraes: mal sabia ele como “A Casa” poderia resumir nosso Brasil em tão poucos versos. Pois comecemos nossos dois dedos de prosa, meu caro amigo leitor, relembrando essa ilustre canção!

“Era uma casa / Muito engraçada / Não tinha teto / Não tinha nada

Ninguém podia / Entrar nela, não / Porque na casa / Não tinha chão

Ninguém podia / Dormir na rede / Porque na casa / Não tinha parede

Ninguém podia / Fazer pipi / Porque penico / Não tinha ali

Mas era feita / Com muito esmero / Na Rua dos Bobos / Número zero”

Já do começo, enuncia-se a tragédia: nesta casa, não haverá teto. Em terras tupiniquins, onde outrora governantes descreveriam o gasto público como vida, morreu jovem a doce Emenda Constitucional nº95 - a Lei do Teto de Gastos. Talvez nunca assimilado pela militância ensandecida por velhas e fracassadas ideologias, o Teto de Gastos representou uma conquista civilizatória para o País: a noção básica de que um orçamento público é finito e prioridades devem ser elencadas. Se desejamos gastar mais com saúde e educação, será necessário cortar de algum lugar: dinheiro não cai do céu - e nem deve ser impresso à rodo para fechar déficits públicos estruturais com inflação. Foi a primeira vez que, de fato, forçamos o Congresso Nacional e o Executivo a pensar seus gastos com um pouco mais de juízo. Não durou muito: eis que o filho pródigo voltou à casa e decidiu se rebelar contra o pai pagador da mesada. É a vida.

Por aqui, também não temos chão: a demarcação da propriedade nunca foi lá grande preferência dessa turma. Em pouco mais de três meses de governo Lula, as invasões de terra dispararam. Nada de sexo e rock ‘n’ roll: hoje em dia, a meninada gosta mesmo é de MST e FNL. Terras tomadas à base da força - desde fazendas da Suzano, no sul da Bahia, a plantações de cana-de-açúcar. Cresce a insegurança jurídica no campo, bem como a percepção do chamado “risco país” - fatores que desincentivam o investimento e a geração de empregos em um dos mais produtivos setores nacionais: o agronegócio. Nossa economia segue a todo vapor rumo à estagnação relativa da produtividade geral - é incrível como não perdemos uma oportunidade de perder oportunidades.

Dormir tranquilo na rede sabendo das paredes que a boa governança traz também não será possível: a Lei das Estatais foi devidamente desfigurada para garantir loteamentos políticos do patrimônio público. Esfarelou-se a institucionalidade tal qual uma paçoca em minhas mãos antes do jantar. Fundamental para evitar o uso meramente político de empresas estatais, a Lei nº13.303/16 foi dilapidada por iniciativa do Executivo e finalização do Judiciário: pela interpretação monocrática de uma de Vossas Supremas Excelências, o período de quarentena - aquele para evitar nomeação de atuais ou recentes dirigentes partidários, ou quadros políticos, em posições de gestão em empresas públicas - foi considerado inconstitucional. Mero inconveniente e contratempo para quem legisla enquanto deveria julgar, claro: uma breve canetada logo atendeu as preces de centenas de grupos de interesse sedentos por seu tão esperado retorno aos fartos cofres que outrora comandavam.

Mas covardia mesmo foi aniquilar as melhores chances de investimento em penicos para que 100 milhões de brasileiros pudessem fazer pipi em paz: a destruição do Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Através de seus novos decretos, Lula fez o País retroceder o pouco que havia avançado na área. Voltamos à barbárie em que contratos milionários para a cobertura de água e esgoto podem ser feitos sem um pingo de concorrência entre os prestadores de serviço quando se tratando de estatais. Vale lembrar: no Brasil, 95% do setor é coberto por empresas estatais e 50% das pessoas não têm acesso a água e esgoto (enquanto que, no comparativo, o Chile tem cobertura de 99% do país com 94% do serviço prestado pela iniciativa privada). E, antes que me venham amolar os porta-vozes do clientelismo, recordo: entre 2014 e 2017, as tarifas nas contas de água e esgoto de empresas estatais subiram 30,7% enquanto os investimentos caíram 3% e as perdas de água aumentaram: foi tudo para o aumento de 26,9% na folha de pagamentos. É tanta consciência social nas estatais para encher os bolsos amigos que, às vezes, até esquecem daquele tal “povo brasileiro”.

Não, não é azar ou obra do acaso: somos um País desgraçado por culpa própria. Somos essa casa tão (tragicamente) engraçada porque o subdesenvolvimento, por aqui, é obra de profissional - feito com muito esmero. São anos de patrimonialismo em que parasitas do Estado pressionam políticos a atender suas mais mesquinhas pautas. E ainda mais anos de atuação política construída com bases eleitorais sindicalistas e contratantes do setor público - pronta para retroalimentar-se dos e com os parasitas. O clientelismo tem tradição enraizada nestas bandas. E de onde saem as regras que curvam todo o povo pagador de impostos a custear toda essa farra? Dou-lhe uma dica, caro amigo leitor: a rua não é a dos bobos - pois estes somos nós - e nem o número é zero - pois, até onde sei, a Praça dos Três Poderes não está numerada.

*André Bolini é formado em Administração de Empresas pela FGV, é analista de crédito no mercado financeiro e empreendedor.

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*Por André Bolini

Sempre iluminado nosso imortal poeta Vinicius de Moraes: mal sabia ele como “A Casa” poderia resumir nosso Brasil em tão poucos versos. Pois comecemos nossos dois dedos de prosa, meu caro amigo leitor, relembrando essa ilustre canção!

“Era uma casa / Muito engraçada / Não tinha teto / Não tinha nada

Ninguém podia / Entrar nela, não / Porque na casa / Não tinha chão

Ninguém podia / Dormir na rede / Porque na casa / Não tinha parede

Ninguém podia / Fazer pipi / Porque penico / Não tinha ali

Mas era feita / Com muito esmero / Na Rua dos Bobos / Número zero”

Já do começo, enuncia-se a tragédia: nesta casa, não haverá teto. Em terras tupiniquins, onde outrora governantes descreveriam o gasto público como vida, morreu jovem a doce Emenda Constitucional nº95 - a Lei do Teto de Gastos. Talvez nunca assimilado pela militância ensandecida por velhas e fracassadas ideologias, o Teto de Gastos representou uma conquista civilizatória para o País: a noção básica de que um orçamento público é finito e prioridades devem ser elencadas. Se desejamos gastar mais com saúde e educação, será necessário cortar de algum lugar: dinheiro não cai do céu - e nem deve ser impresso à rodo para fechar déficits públicos estruturais com inflação. Foi a primeira vez que, de fato, forçamos o Congresso Nacional e o Executivo a pensar seus gastos com um pouco mais de juízo. Não durou muito: eis que o filho pródigo voltou à casa e decidiu se rebelar contra o pai pagador da mesada. É a vida.

Por aqui, também não temos chão: a demarcação da propriedade nunca foi lá grande preferência dessa turma. Em pouco mais de três meses de governo Lula, as invasões de terra dispararam. Nada de sexo e rock ‘n’ roll: hoje em dia, a meninada gosta mesmo é de MST e FNL. Terras tomadas à base da força - desde fazendas da Suzano, no sul da Bahia, a plantações de cana-de-açúcar. Cresce a insegurança jurídica no campo, bem como a percepção do chamado “risco país” - fatores que desincentivam o investimento e a geração de empregos em um dos mais produtivos setores nacionais: o agronegócio. Nossa economia segue a todo vapor rumo à estagnação relativa da produtividade geral - é incrível como não perdemos uma oportunidade de perder oportunidades.

Dormir tranquilo na rede sabendo das paredes que a boa governança traz também não será possível: a Lei das Estatais foi devidamente desfigurada para garantir loteamentos políticos do patrimônio público. Esfarelou-se a institucionalidade tal qual uma paçoca em minhas mãos antes do jantar. Fundamental para evitar o uso meramente político de empresas estatais, a Lei nº13.303/16 foi dilapidada por iniciativa do Executivo e finalização do Judiciário: pela interpretação monocrática de uma de Vossas Supremas Excelências, o período de quarentena - aquele para evitar nomeação de atuais ou recentes dirigentes partidários, ou quadros políticos, em posições de gestão em empresas públicas - foi considerado inconstitucional. Mero inconveniente e contratempo para quem legisla enquanto deveria julgar, claro: uma breve canetada logo atendeu as preces de centenas de grupos de interesse sedentos por seu tão esperado retorno aos fartos cofres que outrora comandavam.

Mas covardia mesmo foi aniquilar as melhores chances de investimento em penicos para que 100 milhões de brasileiros pudessem fazer pipi em paz: a destruição do Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Através de seus novos decretos, Lula fez o País retroceder o pouco que havia avançado na área. Voltamos à barbárie em que contratos milionários para a cobertura de água e esgoto podem ser feitos sem um pingo de concorrência entre os prestadores de serviço quando se tratando de estatais. Vale lembrar: no Brasil, 95% do setor é coberto por empresas estatais e 50% das pessoas não têm acesso a água e esgoto (enquanto que, no comparativo, o Chile tem cobertura de 99% do país com 94% do serviço prestado pela iniciativa privada). E, antes que me venham amolar os porta-vozes do clientelismo, recordo: entre 2014 e 2017, as tarifas nas contas de água e esgoto de empresas estatais subiram 30,7% enquanto os investimentos caíram 3% e as perdas de água aumentaram: foi tudo para o aumento de 26,9% na folha de pagamentos. É tanta consciência social nas estatais para encher os bolsos amigos que, às vezes, até esquecem daquele tal “povo brasileiro”.

Não, não é azar ou obra do acaso: somos um País desgraçado por culpa própria. Somos essa casa tão (tragicamente) engraçada porque o subdesenvolvimento, por aqui, é obra de profissional - feito com muito esmero. São anos de patrimonialismo em que parasitas do Estado pressionam políticos a atender suas mais mesquinhas pautas. E ainda mais anos de atuação política construída com bases eleitorais sindicalistas e contratantes do setor público - pronta para retroalimentar-se dos e com os parasitas. O clientelismo tem tradição enraizada nestas bandas. E de onde saem as regras que curvam todo o povo pagador de impostos a custear toda essa farra? Dou-lhe uma dica, caro amigo leitor: a rua não é a dos bobos - pois estes somos nós - e nem o número é zero - pois, até onde sei, a Praça dos Três Poderes não está numerada.

*André Bolini é formado em Administração de Empresas pela FGV, é analista de crédito no mercado financeiro e empreendedor.

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